Observador
Paulo Carmona, Presidente da APPB – Associação Portuguesa de Produtores de Bioenergia, ex-presidente da ENMC/ENSE
Ultrapassado o período de transição político associado à entrada em funções do novo Governo, seguiremos atentamente e de forma interveniente os desenvolvimentos do Plano de Ação para o Biometano.
Abafado mediaticamente pelas eleições legislativas e os seus resultados, passou praticamente desapercebida a publicação pelo Governo do relatório contendo os resultados da consulta pública associada ao Plano de Ação para o Biometano (PAB), o qual contou com a participação de 39 entidades, incluindo obviamente a Associação Portuguesa de Produtores de Bioenergia – APPB, pela sua representatividade no setor a nível nacional.
A importância dos contributos dados pela APPB para a formulação do PAB foi, aliás, reforçada pelo convite feito à associação para participação num seminário alargado organizado em Coimbra sob a égide da Associação Portuguesa de Energia, no passado dia 20 de março, precisamente dedicado ao tema “Biometano: Perspetivas para Portugal” e que reuniu reconhecidos especialistas também com o apoio da Coimbra Business School e da Ordem dos Engenheiros da Região Centro.
A APPB teve assim oportunidade de, na sua apresentação, reiterar as principais preocupações e contributos dados ao PAB, tendo especialmente em conta o que há agora a fazer para que Portugal acompanhe outros países da Europa na criação, solidificação e crescimento de um verdadeiro mercado para o setor energético no que respeita ao biometano.
Os dados existentes a nível europeu não podiam ser mais claros. Com efeito, as tendências na importação de combustíveis revelam que a importação e o consumo de combustíveis gasosos crescem claramente e a sua descarbonização exige o recurso a gases renováveis sendo que, entre eles, o biometano se encontra já disponível, estimando-se que a produção de biogás e de biometano na Europa, atualmente de 21 bcm, aumente para 45 bcm em 2030 e possa atingir em 2050 os 167 bcm, representando então cerca de 2/3 das necessidades de gás que se perspetivam para essa data.
Sendo que — sem prejuízo da indispensável produção local em cada país — o maior potencial se encontra na Alemanha (22 bcm/ano), Espanha (20 bcm/ano), França (22 bcm/ano) e Itália (14 bcm/ano), o arranque tardio de Portugal torna ainda mais imprescindível a criação de um mercado assente na produção de biometano, recorrendo para isso às principais matérias-primas utilizadas para a sua produção, como o recurso a resíduos agrícolas, resíduos sólidos urbanos, lamas do tratamento de águas residuais e resíduos industriais.
No conjunto dos países europeus, sendo desejável que o mesmo ocorra no nosso país, o biometano é já consumido como combustível em vários setores de atividade, desde o doméstico ao industrial, aos transportes e à produção de eletricidade, o que demonstra a sua versatilidade como fonte renovável de energia já que, à medida em que os volumes do biometano injetados nas redes de transporte e distribuição de gás forem aumentando, a gestão das redes terá de dar lugar a uma maior descentralização e o número de pontos de entrada de gás nas redes aumentará exponencialmente, com a consequente alteração na gestão técnica das quantidades e da composição química dos fluxos de gás.
Surgirão certamente novas questões de carácter técnico e até comercial, dado que será necessário ter em consideração as características dos consumidores que irão em cada zona ser abastecidos. Já em sede da consulta pública recentemente concluída, foram identificados pelos intervenientes nesta cadeia de valor obstáculos significativos que, objetivamente, devem ser ultrapassados para que não prejudiquem o ritmo desejável no progresso deste indispensável complemento da transição energética.
Se muitas são as questões a resolver para que o mercado do biometano possa desenvolver-se de modo eficiente, é possível desde já alinhar as direções a seguir para essa resolução: O apoio eficaz ao investimento na produção, incluindo a primeira etapa de produção de biogás; O estabelecimento do sistema oficial de garantias de origem, de modo a que os produtores nacionais possam ter um quadro regulamentar bem definido – e não discriminatório – face à inevitável concorrência das importações; A clareza das normas para o licenciamento das instalações e, ainda, a simplificação administrativa e burocrática com destaque para o estabelecimento de uma “via verde” que confira prioridade na análise e despacho dos respetivos processos.
Igualmente importante é a clarificação das especificações técnicas para o digerido e a regulamentação, possivelmente regional, para a sua utilização como fertilizante, fatores decisivos para a avaliação das intenções de investimento.
Muitas são as condicionantes legais, regulamentares e de análise dos processos de licenciamento que, certamente, irão marcar o ritmo do crescimento da disponibilidade desta forma de energia. Para obviar esse enquadramento potencialmente obstrutivo, a APPB entende que se impõe uma ação concertada das empresas envolvidas e que a defesa coletiva dos interesses dessas empresas será indispensável.
O sucesso do setor dependerá, largamente, de uma voz única no tratamento das questões institucionais comuns a todos os participantes e a APPB, em representação dos produtores, propõe-se ser essa voz. Ultrapassado o período de transição político associado à entrada em funções do novo Governo, seguiremos atentamente e de forma interveniente os desenvolvimentos do Plano de Ação para o Biometano, conscientes de o processo seguido até agora foi um importante primeiro passo mas que, por isso mesmo, pode e deve agora acelerar a sua passagem do papel à realidade no terreno, para que Portugal não fique para trás a nível europeu neste domínio.