Jornal de Notícias
Embalagens são recicladas e fármacos destruídos. Agulhas dos diabéticos ainda sem solução
Número de medicamentos enviados para incineração não pára de aumentar
Nos últimos cinco anos foram recolhidos pela Valormed quase seis mil toneladas de medicação e respetivas embalagens
Apenas 40% dos produtos recolhidos são reciclados. Nenhum medicamento volta para o mercado sob a forma de outro produto
O número de medicamentos que todos os anos são encaminhados para a incineração está a aumentar. Nos últimos cinco anos, quase seis mil toneladas de fármacos e respetivas embalagens foram recolhidas e tratadas, tendo chegado às 1278 em 2022. Cerca de 40% dos produtos recolhidos são reciclados, como é o caso do papel, e os restantes 60% são incinerados, como acontece com os medicamentos. Com o objetivo de proteger o ambiente e a saúde pública, a Valormed faz a gestão dos resíduos de embalagens e medicamentos de origem doméstica, recolhendo nas farmácias comunitárias e nos locais de venda de remédios não sujeitos a receita médica aderentes a medicação que esteja fora de prazo ou que já não tenha utilidade.
De acordo com os dados enviados ao JN por esta sociedade, há cada vez mais medicamentos que seguem para o processo de incineração. Em 2022, foram recolhidas e tratadas 1278 toneladas de medicamentos e respetivas embalagens, sendo este o número mais alto dos últimos cinco anos. Em 2018, foram recolhidas 1116 toneladas e em 2019 o número subiu para 1216. No ano seguinte, o valor atingiu as 1123 toneladas e em 2021 houve um pequeno decréscimo (1221). Inês Ribeiro Vaz, professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), acredita que este aumento se deve “a uma maior consciencialização da população sobre a importância de colocar os medicamentos que iriam para o lixo na respetiva reciclagem”.
Embalagens menores
Fazendo a soma, desde 2018 foram recolhidas e tratadas quase seis mil toneladas de medicamentos e embalagens (5954). Da totalidade dos resíduos recolhidos, cerca de 40% são reciclados, nomeadamente o papel, o cartão, o plástico e o vidro. Os restantes 60% – onde se incluem os medicamentos – são encaminhados para incineração. Apesar de acreditar que a subida dos números se deve a uma maior responsabilidade da população, a professora da FMUP garante que “a indústria farmacêutica tem de ser forçada a produzir embalagens menores, apenas com o número de doses necessárias”, para que se consiga reduzir a quantidade de medicamentos desperdiçados. Além disso, afirma que é preciso que haja uma “prescrição racional” e que seja evitada a dispensa de medicamentos sem receita médica desnecessariamente e que se ensinem os consumidores sobre a toma correta dos fármacos.
Os dados mostram que, apesar de existir um aumento no número de medicamentos tratados, há também um elevado desperdício. E, ao mesmo tempo, há cada vez mais pessoas que não têm dinheiro para comprar a medicação de que necessitam. Entre os milhares de pedidos que chegaram este ano à Cruz Vermelha, muitos são para comprar medicamentos. Em outubro, no 15.o fórum da Rede Europeia Anti-Pobreza, Bárbara Aguiar, representante da DGS, defendeu que a doação de medicamentos próximos do fim de validade à sociedade poderia ser uma medida para ajudar as pessoas mais vulneráveis. “Temos muitas vezes medicamentos que estão a passar de validade e não há a possibilidade de doar”, afirmou a médica. Contudo, Inês Ribeiro Vaz garante que uma solução única para os dois assuntos “é uma questão complexa”. “Não podemos pensar que o excedente de medicamentos de uns pode ser entregue a quem deles precisa porque não se pode garantir que os medicamentos tenham sido corretamente conservados”, alerta.
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Agulhas de diabéticos vão para lixo comum
Criação de entidade para gerir estes resíduos está a ser avaliada
Diana Morais Ferreira
Os resíduos resultantes dos cuidados prestados em casa – como as agulhas utilizadas pelos diabéticos – não podem ser depositados nos contentores da Valormed e ainda não existe nenhuma solução neste sentido. A entidade alerta para a urgência de se criar um enquadramento legal, uma vez que se trata de assegurar a saúde pública. Além da gestão dos medicamentos de uso domésticos, fora de prazo ou já sem uso, está regulamentada a gestão dos resíduos e da medicação proveniente de hospitais. No entanto, de acordo com a Valormed, ainda não “está estabelecido qualquer enquadramento legal para os resíduos provenientes da atividade de prestação de autocuidados de saúde domiciliários”. Por exemplo, ao contrário das seringas, as agulhas utilizadas pelos diabéticos ou por outros doentes que sofram de doenças autoimunes não têm um sítio específico onde possam ser colocados.
Sem outra solução, os utentes acabam por depositar estes resíduos no lixo comum e, muitas vezes, nos contentores da Valormed destinados a outros materiais. “Tratando-se de material que contém vestígios de contaminação biológica, este gesto acarreta riscos e pode trazer consequências para quem manuseia os nossos contentores”, explica fonte da entidade. Além disso, alerta que “esta situação representa um problema de saúde pública, na medida em que não é garantida a sua eliminação segura, constituindo um risco para a população em geral”.
Proposta Valormed
Em 2022, de forma a tentar solucionar esta questão, a Valormed garante que entregou um caderno de encargos ao Ministério do Ambiente propondo o alargamento da sua licença, sugerindo a colocação de contentores próprios nas farmácias comunitárias especificamente para estes produtos. No entanto, “pouco ou quase nada foi feito desde então”. Entretanto, a Valormed revela que conseguiu incluir o projeto, que prevê a criação de uma entidade responsável pela gestão destes resíduos, no novo Unilex (regime jurídico que unifica a gestão de fluxos específicos de resíduos). Segundo a Valormed, o documento esteve em consulta pública até 30 de outubro do ano passado, aguardando agora uma resposta para que seja dado seguimento à discussão técnica sobre a mesma e posteriormente a sua criação.