Fundador e Diretor Executivo da Defining Future Options Presidente do Grupo de Apoio à Gestão do Plano Estratégico Nacional de Água e Saneamento de Águas Residuais, PENSAAR 2020
Os últimos 25 anos pautaram-se por uma transformação profunda do setor da água e saneamento em Portugal. Neste período, registaram-se três grandes acontecimentos que marcaram decisivamente o ‘antes” e o ‘depois” do setor:
Primeiro: a adesão de Portugal à moeda única e a injeção, no setor, de 6,4 mil milhões de euros de fundos da União Europeia. Estas verbas permitiram alavancar o investimento do setor, que em 2017 apresentava 13,2 mil milhões de euros de investimento acumulado (1993-2017).
Segundo: a separação do setor em ‘alta” e ‘baixa” e a criação da AdP-Aguas de Portugal. Esta separação permitiu ‘regionalizar” a ‘alta” e acelerar os (muito necessários e urgentes) investimentos em tratamento de água para consumo humano e tratamento e rejeição de águas residuais, dotando os sistemas de escala e de racionalidade geográfica. Do lado da ‘baixa”, os municípios testemunharam o alargamento do leque de modelos de gestão, com hipótese de manterem a gestão direta ou delegarem a gestão em empresas municipais, parcerias com o Estado ou com privados e concessões a operadores privados. Terceiro: a criação de uma entidade reguladora. Começou por ser um Observatório, passando depois para um Instituto (IRAR) e finalmente para uma Entidade Reguladora (ERSAR). O certo é que o IRAR e a ERSAR dotaram o setor de conhecimento, de benchmark e de uma cultura comportamental que foi decisiva na profissionalização e no rigor de gestão que hoje reconhecemos em muitas Entidades Gestoras do País.
Foram principalmente estes três fatores – Investimento, AdP e Regulação – que permitiram obter os atuais padrões de qualidade de serviço. Sem estes três fatores o setor seria inquestionavelmente outro. Adicionalmente, há um quarto acontecimento que ajudou a ‘aglutinar” os três fatores acima identificados, criando uma visão geral e um rumo de médio/longo prazo através da ligação do investimento aos incentivos comunitários e às prioridades do setor: a elaboração de Planos Estratégicos de sete em sete anos. No âmbito do Plano Estratégico PENSAAR 2020, que define a estratégia para o abastecimento de água e o saneamento de águas residuais para Portugal continental no período 2014-2020, foi criado um ‘Grupo de Apoio à Gestão do PENSAAR 2020″. 0 Grupo de Apoio à Gestão tem emitido relatórios anuais desde 2016, onde se pode constatar o cumprimento dos objetivos do PENSAAR 2020, bem como a sua evolução, positiva ou negativa, ao longo dos anos. Neste momento estão disponíveis para consulta no site da APA – Agência Portuguesa do Ambiente, os relatórios de 2016, 2017 e 2018. Esta nova forma de acompanhar o Plano Estratégico é uma novidade em Portugal. De facto, os anteriores Planos (PEAASAR I e II) eram publicados e só sete anos depois é que se fazia um balanço dos seus resultados. Com o PENSAAR 2020 sabemos, anualmente,
se estamos, ou não, a caminhar no sentido de atingir os objetivos nele estipulados. E quando digo ‘sabemos”, incluo os agentes do setor com responsabilidade e capacidade de avaliar os desvios e tomar as necessárias medidas corretivas e também os profissionais do setor que agora podem acompanhar o progresso do Plano Estratégico e compreender os seus sucessos e os seus pontos fracos. No caso concreto das águas residuais, hoje estamos com cerca de 84% dos alojamentos servidos com drenagem e 83% dos alojamentos servidos com tratamento (8,4 milhões de habitantes). Na verdade estamos muito perto da universalidade, se considerarmos que os restantes 17% são maioritariamente alojamentos isolados (quintas e vivendas cuja solução técnica mais indicada é mesmo a fossa sética particular).
Nos sistemas em ‘alta”, a percentagem de alojamentos abrangidos por Entidades Gestoras com avaliação satisfatória nos indicadores ‘Análises de águas residuais” e ‘Destino adequado de águas residuais” já é de 100% desde 2012. Em ‘baixa” é de 89%, embora com um percurso de melhoria assinalável: em 2011 aquela percentagem ficava-se nos 59% para o primeiro indicador e nos 74% para o segundo. Já o indicador ‘Cumprimento dos parâmetros de descarga” tem tido um comportamento algo errático. Depois de os sistemas em ‘alta” terem registado, em 2014, 80% de alojamentos abrangidos por Entidades Gestoras com
avaliação satisfatória, aquela percentagem caiu para 30% em 2016, voltando a subir para 87% em 2017. No caso da ‘baixa”, o indicador registou o valor mínimo em 2015, com apenas 18% com avaliação satisfatória, estando aquela percentagem nos 55% em 2017. Atente-se ao facto de este indicador refletir o cumprimento dos normativos de descarga dos Títulos de Utilização de Recursos Hídricos (TURH) em vigor, sendo que em 2017 existiam 2.653 instalações de tratamento com TURH caducados ou sem TURH, de acordo com os dados da ERSAR. Importa por isso intensificar o esforço de licenciamento no sentido de que todas as ETAR e fossas coletivas estejam a operar em condições (isto é, que efetuem os
necessários upgrades para passarem a cumprir com os valores limites adequados ao meio recetor) e devidamente licenciadas pela APA. É que, entre 2013 e 2017 só foram licenciadas mais 93 instalações – a uma média de 19 por ano, em 5 anos.
Ora, em Portugal continental existem 4.361 instalações de tratamento, das quais 2.751 correspondem a ETAR e 1.610 a fossas séticas coletivas.
Isto significa que 61% das instalações de tratamento estão a operar sem licença de descarga válida.
Quanto à gestão de lamas de ETAR, o PENSAAR adota o indicador’% de lamas valorizadas relativamente a volumes produzidos”, referindo que este é um ‘indicador de evolução” com ‘tendência crescente”. Mas entre 2014 e 2016 a tendência do indicador foi decrescente, com a percentagem de lamas valorizadas a descer de 61% para 45%, respetivamente. Para o ano de 2017, verifi- cou-se um ligeiro aumento das lamas valorizadas para 52%, ficando num patamar semelhante a 2015.
O indicador contabiliza a reciclagem material (valorização agrícola e produção de composto) e a valorização energética destas lamas, não tendo em consideração operações intermédias como a armazenagem. Todos os resíduos não valorizados sofrem operações de elimina
ção, sobretudo deposição em aterro. Importa salientar que, no último triénio, a APA intensificou consideravelmente, em conjunto com o Instituto Nacional de Estatística, análises de validação e consistência dos dados registados no Mapa Integrado de Registo de Resíduos com consequente publicação de guias de apoio ao registo de dados, o que poderá ter resultado numa melhor informação e, consequentemente, na alteração dos resultados deste indicador.
Sobre este aspeto, espera-se que as guias eletrónicas de acompanhamento de resíduos (e-GAR) possam clarificar algumas partes da cadeia de valor das lamas, bem como contribuir para a fiabilidade dos dados obtidos. Efetivamente, com a publicação da Portaria
n.° 145/2017, de 26 de abril, sobre o transporte de resíduos, foram criadas as e-GAR, alterando substancialmente as práticas em vigor desde 1997 e implicando a adaptação a novas regras no contexto do transporte de resíduos. Esta situação constituiu uma mudança procedimental e obrigou a uma adaptação da forma de trabalho das Entidades Gestoras, assumindo impacte relevante nos processos operacionais dos vários atores da gestão de resíduos. A passagem para suporte digital tem benefícios óbvios para todos os intervenientes na cadeia de valor das lamas, nomeadamente na resolução de alguns problemas de gestão de informação identificados e que afetam a correta leitura da performance do setor nesta matéria.
A “Reabilitação de Coletores” é, porventura, o indicador que apresenta pior performance. Depois de ter apresentado uma percentagem de apenas 37% de avaliação satisfatória em 2012, este valor tem vindo sempre a decrescer, ficando-se pelos 7% (sim, sete!) em 2017. Para que se perceba melhor o panorama, em 63.864 km de emissários e coletores, a extensão de renovação executada em 2017 foi apenas de 160 km em todo o País. Enfim, voltando às boas notícias: no que se refere a intervenções em ETAR para cumprimento da Diretiva de Águas Residuais Urbanas, em 2011 tínhamos 208 aglomerações em contencioso com Bruxelas. Em 2018 já só estávamos com 11 e a expectativa é chegarmos a 2020 com zero aglomerações em contencioso. Este é naturalmente um dado muito positivo que demonstra o esforço e a capacidade do setor perante a União Europeia. Em resumo, de um modo geral, a evolução dos indicadores permanece positiva, em linha com o percurso que o setor tem vindo a desenvolver nas últimas duas décadas. Não obstante, há ainda muito trabalho a fazer relativamente ao licenciamento das ETARs, ao aumento da quantidade de lamas valorizadas e à (baixa) renovação de emissários e coletores.
E sobre estas matérias, certamente haverá boas notícias brevemente, porque o percurso de sucesso só pode melhorar com mais e melhor profissionalismo no setor.
COM O PENSAAR 2020 SABEMOS, ANUALMENTE, SE ESTAMOS, OU NÃO, A CAMINHAR NO SENTIDO DE ATINGIR OS OBJETIVOS NELE ESTIPULADOS.
Diogo Faria de Oliveira