Expresso
Entre 2024 e 2025, a taxa de reciclagem sobe apenas dois pontos percentuais
A gestão dos resíduos urbanos de embalagens para reciclagem em Portugal continua aquém dos objetivos definidos. O sistema deveria estar a reciclar 65% das embalagens de leite, iogurte, água, vinho, papel e cartão, entre outros produtos descartados no consumo doméstico em 2025. No entanto, a realidade é bem diferente. Segundo dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em 2024 foram recicladas 58,5% das 910 mil toneladas de embalagens colocadas no mercado. E as avaliações feitas pela Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos, que analisam os resíduos efetivamente recolhidos nos ecopontos, apontam para valores mais baixos. O estudo “5615”, que reporta a 2020, chegou a uma taxa de reciclagem de 38%. Rui Berkemeier, da associação ZERO, alerta para a discrepância entre os números oficiais e a realidade nos ecopontos.
Já Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde (SPV), admite que não há transparência nos números e denuncia “práticas fraudulentas, sobretudo ligadas ao comércio online, onde muitas embalagens entram no mercado sem registo nem pagamento do ecovalor”. A SPV — uma das três entidades reguladoras deste fluxo de resíduos que tem 80% da quota de mercado — defende que autoridades como a APA e a ASAE devem intervir, como fez a Alemanha, criando um sistema de registo obrigatório para essas embalagens, com foco na recolha eficiente, transparência de dados e combate à fraude.
“Estamos a viver um paradoxo na reciclagem: Apesar de o investimento privado adicional quase ter duplicado em 2025, o aumento da taxa de reciclagem foi de apenas dois pontos percentuais”, afirma Ana Trigo Morais. A nova taxa de contrapartida imposta às entidades gestoras passou de 120 milhões de euros anuais para 219 milhões de euros, mas os resultados continuam estagnados. “A recolha de vidro, por exemplo, diminuiu 1%, e o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030) continua por implementar”, reforça. O cálculo para o escasso aumento da taxa de reciclagem é feito com base em projeções feitas com base nos primeiros oito meses do ano.
“Os atrasos nos investimentos e na ação para mudar o sistema levam a que oito meses não cheguem para mudar substancialmente a realidade”, contrapõe o ambientalista Rui Berkemeier. Mas a CEO considera que “não há nenhuma transformação no sistema, que continua a operar na recolha e na preparação para o encaminhamento da reciclagem com as mesmas capacidades instaladas”.
Soluções em disputa
Com muitos aterros perto do limite — 13 dos 35 têm menos de 20% de capacidade disponível e nove deverão encerrar nos próximos dois anos —, a recolha de biorresíduos torna-se urgente. Até agora foi assegurada em 198 dos 278 municípios do continente, segundo o Ministério do Ambiente e Energia (MAEn), mas estima-se que apenas 8% dos biorresíduos produzidos foram recolhidos. Para cumprir as metas europeias, o ministério tutelado por Graça Carvalho lançou um concurso de 30 milhões de euros, financiado pelo PRR, para reforçar a capacidade de reciclagem e valorização de resíduos. Está também previsto um investimento de 200 milhões de euros no Plano Terra, em 2026, para reduzir a produção de resíduos e a deposição em aterro. A estes chegaram nos últimos anos entre 57% e 59% de todos os resíduos que produzimos, quando as regras europeias ditam que para ali não podem ir mais de 10% dos resíduos produzidos em 2035.
Perante a saturação dos aterros, que são “menos eficientes e prejudiciais para o ambiente”, a associação ZERO propõe a requalificação das unidades de Tratamento Mecânico e Biológico (TMB), capazes de desviar até 1 milhão de toneladas de resíduos em três anos, e a implementação de sistemas de recolha porta a porta com tarifários “PAYT” [pay as you throw, que permite compensar quem separa corretamente o lixo].
Susana Fonseca, também da ZERO, lembra que “Portugal continua a pagar cerca de 200 milhões de euros por ano à União Europeia devido às embalagens de plástico não recicladas”. A associação defende que esse valor seja suportado por quem coloca essas embalagens no mercado, libertando fundos públicos para investir na economia circular.
O Ministério do Ambiente afirma que a Taxa de Gestão de Resíduos já é repercutida nos custos cobrados aos embaladores, que tem esse fim. Ana Trigo Morais rejeita a proposta da ZERO, alegando que “o sistema já é financiado pelos produtores — através da responsabilidade alargada do produtor (RAP), do Valor Ponto Verde, e da TGR — e que, no fim, o custo recai sobre o consumidor”. Para a CEO da SPV, “Portugal só evolui quando abrir este sector à concorrência, à semelhança de países como Alemanha e Itália, onde os sistemas são mais eficientes e disputados pela indústria da reciclagem.”
A SPV avançou com uma ação judicial contra os novos valores de contrapartida definidos pelo Governo, que duplicaram os custos com a recolha seletiva este ano entregue a municípios e sistemas inter e multimunicipais. A ZERO considera esta posição incompreensível, por se tratar de uma medida que visa compensar justamente os municípios pelos encargos da recolha e triagem de embalagens.
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Números
503 quilos de resíduos são produzidos por habitante por ano (dados de 2023, abaixo dos 511 kg da média europeia)
59% de todos os resíduos urbanos vão parar a 35 aterros do país: 13 estão com menos de 20% de capacidade disponível e nove deverão encerrar