Público online
Os dois aterros sanitários da região estão receber lixo sem passar pelo pré-tratamento. Uma “ilegalidade e atentado ambiental”, diz a Zero, que se vai agravar com a construção de nova célula.
Cerca de metade dos resíduos urbanos produzidos no Algarve são despejados directamente em aterro, sem tratamento prévio. A associação ambientalista Zero critica a situação, classificando-a de “ilegalidade e atentado ambiental”. O que se projecta para o futuro, alerta, só vem agravar o actual estado das coisas. No alargamento do aterro de Portimão, “está previsto construir uma nova célula para ir receber ilegalmente resíduos orgânicos ” e as autoridades públicas fecharam os olhos ao problema, acusam.
O projecto da Algar, a empresa responsável pela valorização e tratamento dos resíduos sólidos da região, prevê que sejam depositados, na futura infra-estrutura, 150 mil toneladas de resíduos urbanos por ano. A consulta pública deste projecto terminou no passado dia 22 de Setembro e tudo indica que a obra venha a ter luz verde para avançar. Ismael Casotti, da Zero, diz “não compreender como é que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR-Algarve) coloca em consulta um estudo ambiental sobre um projecto que infringe claramente a legislação em vigor”.
O Algarve, justifica a CCDR, “enfrenta uma crise estrutural em matéria de gestão de resíduos, com aterros próximo do esgotamento”. Pelo que a nova célula do aterro de Portimão foi considerada uma “emergência”, indo receber uma taxa de financiamento a 60% a fundo perdido, no montante global de dez milhões de euros.
A administração da Algar, interpelada pelo PÚBLICO, diz que a construção de novas células, seja em locais já existentes [Portimão e Loulé/Cortelha] ou em novas localizações, constitui, no actual quadro, a “única solução para os materiais que não têm potencial de valorização”. Por outro lado, esclarece, o aterro sanitário do Barlavento (Portimão) está previsto desde o projecto inicial da instalação de modo a garantir a “continuidade da gestão ambiental responsável”. A infra-estrutura, situada a nascente do actual aterro , destaca, “amplia em cerca de um milhão e meio de metros cúbicos a capacidade do aterro”.
A situação no Algarve, refere Ismael Casotti, é “particularmente preocupante”, não apenas pelo volume de lixo produzido, “muito mais do que a média nacional”, mas, também, pela política que tem vindo a ser seguida por parte das câmaras e da Algar. “Não existe estímulo para separar os biorresíduos dos lixos indiferenciados”.
A diferença da tarifa cobrada para depósito em aterro, exemplifica, é de apenas cerca de 10%. Os municípios pagam à Algar 71,61 euros/tonelada (biorresíduos) e 79,57 euros tonelada (lixo indiferenciado). Embora a Entidade Reguladora de Serviços de Água e Resíduos (ERSAR) recomende que a tarifa para os biorresíduos “seja zero ou muito baixa”, as autarquias não acatam a advertência. “O aterro actualmente existente em Portimão é responsável por 55% das emissões de gases de efeito de estufa libertados no concelho”, refere ainda a Zero.
No projecto, que esteve em consulta pública, prevê-se que cerca de 40% dos resíduos urbanos não cheguem a passar pelo pelo pré-tratamento mecânico e biológico. De resto, os números da Algar, referentes a 2023, já reflectiam uma situação que a Zero intitula de “atentado ambiental”. A recolha de lixo indiferenciado, há dois anos, foi de 276 mil toneladas e, deste volume, apenas 178 mil toneladas foi sujeito a Tratamento Mecânico Biológico (TMB), o que significa que 61% dos resíduos foram directamente para aterro. Os lixos orgânicos não tratados, destaca Casotti, além de dar origem à libertação de odores, proliferação de insectos, ratos ou aves, provoca “um aumento de águas residuais (lixiviados) altamente poluentes e de difícil tratamento”.
As câmaras municipais encontram-se, neste negócio, na dupla condição de clientes e accionistas (minoritários) da Algar. Um dos objectivos da empresa, que já foi gerida pelas autarquias e agora é presidida pelo sector privado, é “estimular cidadãos e empresas a reduzir resíduos indiferenciados e aumentar a reciclagem”. Do conjunto dos 16 concelhos, a Algar destaca como exemplo dos princípios enunciados Loulé, Lagos e Faro, onde foram distribuídos 4450 contentores e adquiridos quatro viaturas para recolha selectiva. Mas os números reflectem uma realidade ainda muito pouco sustentável.
Algar recusa devolver empresa às câmaras
O presidente da Câmara de Aljezur, José Gonçalves, administrador não executivo da Algar em representação das autarquias, diz que há “descontentamento em relação ao serviço de tratamento dos resíduos”. O assunto, acrescenta, “já foi objecto de reuniões na Comunidade Intermunicipal do Algarve – Amal e não está posta de parte a possibilidade das câmaras virem a adquirir a maioria do capital da empresa”. Da parte dos privados, a resposta solicitada pelo PÚBLICO vem em sentido contrário. “A administração não prevê devolver a gestão aos municípios”.
Ismael Casotti revela, por outro lado, que existem “planos para uma nova linha de incineração no Algarve”. Os ambientalistas dizem que essa solução, em complemento aos aterros, “faz ainda menos sentido” na medida em que é “ilegal colocar biorresíduos em aterro e também não podemos queimar tudo”. De resto, a falta de cumprimento das metas propostas pela Comunidade Europeia, no caso da reciclagem de embalagens – papel, cartão, vidro, plástico e metal – fez com que o governo português pagasse no ano passado quase 200 milhões de euros. Dinheiro que poderia “ser investido em infra-estruturas para melhorar a reciclagem”. Mas, em em vez disso, sublinha o ambientalista, “ponderam criar uma incineradora e gastar mais 2500 milhões de euros a nível nacional em novas linhas de incineração”.