Água & Online
O Regulamento Tarifário do Serviço de Resíduos Urbanos (RTR) vai ser revisto e a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) tem estado a promover uma consulta prévia a entidades interessadas, nomeadamente aquelas que terão de aplicar as novas regras. Para já, EGF e ESGRA têm visões diferentes quanto à harmonização do reporte dos sistemas e à forma como devem ser estabelecidos os valores de contrapartida, segundo apurou o Água&Ambiente Online . Por seu lado, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) elege como principal preocupação a fixação das tarifas em alta dos sistemas multimunicipais, defendendo a necessidade de uma “reavaliação do modelo económico” em vigor.
ESGRA: harmonização do reporte ignora diferenças estruturais
A revisão do RTR surge num contexto de reforço das competências da ERSAR, que passará a definir os valores de contrapartida que as entidades gestoras do SIGRE – Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens pagam aos sistemas pelos materiais recicláveis recolhidos. Isto “exige o reforço e harmonização de reporte de informação”, vinca o regulador no documento de abertura do procedimento de revisão deste regulamento, cuja primeira versão foi aprovada em 2014 e posteriormente alterada em 2018. Contudo, os sistemas de gestão de resíduos urbanos (SGRU) não estão todos de acordo neste ponto.
Para a EGF, que gere 11 concessionárias multimunicipais, abrangendo 174 municípios, “as exigências de reporte devem ser as mesmas para todas as entidades, diferenciando apenas entre sistemas em alta e em baixa, garantindo comparabilidade real”. O aumento da “transparência perante municípios e cidadãos” é um dos benefícios destacados pela empresa, que salienta, contudo, a importância de esta harmonização ser acompanhada por um esforço de “simplificação e digitalização, para reduzir custos administrativos e melhorar a qualidade da informação”, defendendo ainda que seja previsto “um período de adaptação”. “Uma uniformização das exigências de reporte ignoraria diferenças estruturais e legais entre entidades”, entende a ESGRA
Por seu lado, a ESGRA – Associação para a Gestão de Resíduos, que representa sistemas intermunicipais, considera que “uma uniformização das exigências de reporte ignoraria diferenças estruturais e legais entre entidades”, desde logo o facto de haver entidades abrangidas pelo regime de contratação pública, que estão, por isso, “sujeitas à aplicação de procedimentos de contratação que envolvem maior complexidade, prazos mais longos e menor flexibilidade”, como explana no documento enviado em resposta às questões da ERSAR.
No entender da associação, “foi feita uma opção política” de atribuir a gestão de resíduos urbanos em alta “a entidades com naturezas distintas e sujeitas a obrigações diferenciadas” — de um lado, as concessões, do outro, as empresas municipais ou intermunicipais e associações de municípios — sendo que “o foco da regulação económica” incide nas tarifas do serviço de resíduos urbanos prestado “por entidades de natureza privada que agem em defesa dos acionistas (p.e., sistemas multimunicipais) e não por entidades públicas que agem em defesa dos munícipes e possuem autonomia tarifária”. Assim, para os sistemas intermunicipais, esta uniformização “acarretaria um aumento da complexidade e necessidade de reforço dos atuais recursos para vir a dar resposta a um nível de exigência que surgiu para acautelar preocupações subjacentes à prestação do serviço público de gestão e tratamento de resíduos urbanos por entidades privadas”. Não obstante, a ESGRA considera “útil” a comparabilidade entre entidades gestoras, “desde que baseada em sistemas simples, que não se traduzam em mais uma carga burocrática sobre os serviços”.
EGF: definição de VC deve reconhecer diferenças operacionais
O próprio modelo de fixação dos valores de contrapartida não é consensual entre os SGRU. A ERSAR questiona, no documento de abertura de procedimento, se a definição destes valores deve ter em conta diferenças operacionais entre entidades gestoras (se têm uma maior ou menor cobertura de serviço de recolha seletiva, se fazem a recolha por ecopontos ou através de um serviço porta-a-porta, etc.) ou, se, pelo contrário, deve ser admitido um valor médio de custo de serviço.
Definição dos valores de contrapartida deve reconhecer as diferenças operacionais entre entidades, defende a EGF
Para a ESGRA, não há razão para alterar o modelo atual — que estabelece valores, para cada material, diferenciados em três grupos, consoante a tipologia da área de intervenção de cada sistema: rural, medianamente urbano ou urbano —, entendendo que este modelo “salvaguarda suficientemente os custos de contexto das diferentes entidades gestoras”. Aplicar outro modelo afigura-se inviável de implementar a curto e médio prazo, por não existirem, atualmente, “os instrumentos e as condições que permitam identificar com rigor muitas das diferentes variáveis que influenciam os custos em cada sistema”, argumenta a associação. Expressa ainda receio de que “a fixação de valores individuais possa gerar fragmentação e obrigar a negociações individuais, o que pode ser desvantajoso e até pernicioso”.
Já a EGF defende justamente a evolução para um modelo que reconheça as diferenças operacionais entre entidades, que assente “em custos reais de investimento e operação suportados por cada empresa”, e sustentado por “um mecanismo de alocação transparente”, que assegure “que cada entidade apenas recebe a receita necessária para cobrir custos eficientes”. “A correta determinação dos valores de contrapartida é essencial para garantir o cumprimento da responsabilidade alargada do produtor”, justifica a empresa.
Em declarações ao Água&Ambiente Online , o presidente da ESGRA, Paulo Praça, não nega que esse possa vir a ser um caminho no futuro, mas entende que é prematuro promover mais uma alteração ao modelo, quando o que está em vigor foi confirmado ainda em 2024: “Este sistema, que acabámos de aprovar há menos de um ano, foi aprovado nestes termos, porque se considerou que ele seria equitativo e justo para as várias partes”. “Estar já a antecipar reformulações é complexo”, nota.
Por seu lado, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) espera é que se mantenha a “trajetória positiva” aberta pelo último despacho de definição dos VC, publicado em 2024, que fixou os valores para este ano, “equilibrando o necessário ajustamento e adequação aos custos reais suportados pelos municípios e sistemas com a recolha seletiva e triagem de embalagens e resíduos de embalagem”.
ANMP preocupada com tarifas em alta
Mas “a grande preocupação dos municípios prende-se com a definição das tarifas dos serviços de gestão de resíduos urbanos de titularidade estatal geridos por entidades de capitais maioritariamente privados”, salienta Luísa Salgueiro, presidente da ANMP, tendo a associação alertado a ERSAR e a tutela “para a insustentabilidade de mais impactos nos municípios, como os do último período regulatório 2022-2024”. “Temos insistido na necessidade de ser efetuada uma reflexão e reavaliação do modelo económico atualmente em vigor, no cálculo das tarifas (em alta) reguladas, posteriormente aplicadas aos municípios”, explica. “Temos insistido na necessidade de ser efetuada uma reflexão e reavaliação do modelo económico atualmente em vigor, no cálculo das tarifas (em alta) reguladas, posteriormente aplicadas aos municípios”, sublinha Luísa Salgueiro
Recorde-se que, no último período regulatório, as tarifas reguladas dos sistemas multimunicipais, geridos pela EGF, sofreram aumentos entre 10 e 65% em dois anos, e ainda mais significativos, quando comparados com o período anterior a 2022. Quanto às outras questões levantadas pela ERSAR, na abertura do procedimento de revisão, a ESGRA mostrou-se recetiva a que as entidades gestoras garantam disponibilidade de tesouraria para fazer face a imprevistos, mas quanto a serem fixadas regras para a repartição das receitas tarifárias, já entendem que “extravasa” o papel do regulador. Ainda assim, nota Paulo Praça, “temos de esperar por uma versão completa do regulamento” para podermos “fazer uma pronúncia mais efetiva e detalhada”.
Por seu lado, a EGF encara a revisão como uma “uma oportunidade para soluções mais ágeis, transparentes e alinhadas com boas práticas internacionais e com as exigências do PERSU 2030”. Entre as questões que a empresa considera prioritárias, destacam a “autonomia operacional e flexibilização na realização dos investimentos”, havendo uma “responsabilização por resultados através de um sistema eficaz de incentivos à eficiência”. Também defendem a revisão do saldo regulatório, “garantindo transparência e previsibilidade na sua recuperação”, e a “promoção da partilha de infraestruturas”, acompanhada de incentivos à eficiência. E propõem a possibilidade de “revisão de parâmetros regulatórios durante o período” regulatório, “em casos excecionais”. Após a fase de consulta prévia a entidades interessadas, a ERSAR irá apresentar o projeto de regulamento tarifário do serviço de resíduos urbanos, que será depois sujeito a consulta pública.