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A pressão insustentável sobre os aterros, a escassez de financiamento e a ausência de decisões estratégicas claras estão a colocar o setor dos resíduos urbanos numa situação que os próprios responsáveis classificam como de “emergência”. Foi este o tom dominante da audição conjunta da ESGRA, da EGF e da AVALER na Comissão de Ambiente e Energia, esta terça-feira, onde os dirigentes Paulo Praça, Marta Neves e Fernando Leite alertaram os deputados para a necessidade de medidas imediatas e estruturais.
Paulo Praça, presidente da ESGRA, abriu a sessão com uma mensagem inequívoca: sublinhou que Portugal deposita em aterro entre 57% e 59% dos resíduos, sendo que dos 35 aterros existentes apenas 13 dispõem de mais de 20% de capacidade livre. “Isto só por si demonstra bem a necessidade que temos de avançar no setor”, declarou. Para o dirigente, é imperativo implementar de forma eficaz o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030), bem como o Plano Terra), mas isso não chega: é preciso um “plano de emergência” que assegure a curto prazo capacidade de resposta. Paulo Praça apelou também a maior clareza na legislação, nomeadamente “dos conceitos e das responsabilidades”.
A vice-presidente da EGF, Marta Neves, centrou a sua intervenção nos investimentos necessários. Recordou que o PAPERSU — planos apresentados por municípios e sistemas multimunicipais — prevê mais de três mil milhões de euros de investimento, valor que considera subavaliado, dado que não inclui substituições de equipamentos nem projetos de valorização energética como a quarta linha da Valorsul. “O que foi apresentado até agora como valor de financiamento público é, manifestamente, insuficiente para este desafio que temos pela frente”, frisou, advertindo que as empresas terão de triplicar a sua atividade sem meios proporcionais. Para a responsável, urge definir com clareza a repartição entre financiamento público, privado e contrapartidas da responsabilidade alargada do produtor. “Achamos e apelamos a que esta reflexão seja uma reflexão conjunta, extremamente necessária”, insistiu.
Já Fernando Leite, presidente da AVALER, fez um diagnóstico severo: “Estamos numa situação em que é necessário atacar aquilo que é uma emergência. Nós estamos a regressar ao Portugal do antes do ano 2000”. O dirigente lembrou que apenas os sistemas com valorização energética — Porto, Lisboa e Terceira — conseguem já cumprir a meta europeia de menos de 10% de deposição em aterro. Sublinhou a importância de reconhecer que nem tudo é reciclável e que a incineração, além de produzir eletricidade de forma contínua, permite recuperar metais valiosos e utilizar escórias como subproduto para construção. Fernando Leite destacou ainda que a fraqueza da governança tem sido um dos maiores entraves: a dispersão de competências entre APA, ERSAR, Governo e CCDR criou bloqueios, atrasando decisões essenciais. Defendeu, por isso, uma nova visão de modelo misto, onde a cooperação com o setor privado traga tecnologia e capacidade de investimento.
Do lado dos deputados, o PSD reconheceu atrasos e falhas de execução nos últimos anos. Paulo Lopes Marcelo admitiu que Portugal estagnou na última década e que muitas metas “não saíram do papel”, prometendo empenho para “recuperar o tempo perdido” e assegurar que os investimentos chegam efetivamente ao terreno. Já o PS, pela voz de Pedro Vaz, assumiu que o cumprimento das metas depende de um “reforço muito significativo de investimento” e questionou se o modelo nacional de responsabilidade alargada do produtor garante um contributo financeiro suficiente por parte de fabricantes e importadores. Outros partidos, como o Chega e a Iniciativa Liberal, insistiram na necessidade de encarar os resíduos como recurso e de avançar com reformas estruturais, nomeadamente a valorização energética e a operacionalização do sistema de depósito e retorno.
Em resposta, Marta Neves alertou que a situação é mais grave do que os números oficiais deixam antever. “Neste momento não temos mais capacidade de aterros, em 2028 esgotaremos a capacidade de alguns dos nossos principais aterros, nomeadamente na área metropolitana de Lisboa”. Defendeu que Portugal precisa de decidir, sem mais adiamentos, se quer investir em novas centrais de incineração, à semelhança do que outros países europeus têm feito.
Na parte final, Fernando Leite retomou a urgência de soluções concretas, citando o professor do Instituto Superior Técnico, João Quinhones Levy: “Para alcançarmos as metas não precisamos de mais planos, precisamos apenas de ações efetivas, que se baseiem em três pontos fundamentais. Recolhas de resíduos porta a porta, a introdução do sistema PAYT, e a valorização energética da fração resto”.