Jornal de Negócios
De acordo com a ERSAR, as tarifas cobradas aos municípios na gestão dos resíduos devem aumentar 25% em 2024, o que tem de ser refletido nas faturas da água das famílias. Se isso não acontecer, o regulador quer poder intervir para cumprir a lei.
A Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) admite poder vir a ter um papel mais interventivo junto dos municípios portugueses para garantir que estes cumprem a lei e refletem nos preços a pagar pelas famílias – na fatura mensal da água – o real aumento dos custos com o serviço de gestão de resíduos urbanos. Em causa está a previsão para 2024, por parte do regulador, de um disparo “entre os 20% e 25% nas tarifas aplicadas aos municípios”. É apenas neste contexto que a ERSAR ainda “mantém a sua competência para determinar as tarifas em alta a aplicar pelas entidades gestoras com capitais maioritariamente privados” (como as empresas do universo EGF, que pertencem ao grupo Mota-Engil).
Por sua vez, cabe depois às autarquias a obrigação por lei de transpor diretamente para a conta de água dos seus munícipes o aumento nos seus próprios custos com a gestão de resíduos. No entanto, isto nem sempre acontece (por escolha política e sobretudo nas entidades sob gestão direta do poder local), gerando prejuízos avultados ano após ano, desde 2012. De acordo com os dados mais recentes, de 2021, nesse ano os prejuízos dos municípios só com os serviços de gestão de resíduos urbanos ascenderam a 106,4 milhões de euros (ainda mais do que os 95 milhões registados em 2020). O valor deste défice em 2022 só será conhecido em fevereiro de 2024, quando a ERSAR publicar o volume 1 do Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal (RASARP).
“Esta tendência tem-se mantido, ou mesmo piorado, o que reflete a necessidade de a ERSAR poder ter uma maior intervenção nesta matéria, respeitando a autonomia municipal, mas com instrumentos que assegurem o cumprimento da legislação pelos decisores municipais”, avançou fonte oficial do regulador ao Negócios. Desde 2021 que a ERSAR não pode impor aos municípios os preços a cobrar pelos serviços de abastecimento e saneamento de água e gestão de resíduos, mas é conhecida a vontade do regulador em ter uma mão mais pesada junto do poder local. Sobre os “aumentos significativos” esperados para o próximo ano nas tarifas de gestão dos resíduos urbanos, a mesma fonte diz que refletem “o acréscimo dos investimentos previstos para dar resposta às exigências do setor”.
Em causa estão as novas regras já aprovadas pelo Governo, mas ainda a aguardar publicação em Diário da República, para que possam entrar em vigor a 1 de janeiro. Entre as medidas do novo regime legal de gestão de fluxos de resíduos – UNILEX – está a “obrigatoriedade de implementação da recolha de biorresíduos, já a partir do próximo ano, pelas entidades municipais, o que implica um reajuste nas operações e a aplicação de sistemas de faturação dependentes da quantidade de resíduos indiferenciados produzidos”, mais conhecidos como sistemas “pay as you throw” ou poluidor-pagador. Em cima da mesa está também uma reavaliação, por parte do Governo, dos “instrumentos relativos à contribuição no âmbito da responsabilidade alargada dos produtores” no âmbito do Sistema Integrado de gestão de Resíduos de Embalagem (SIGRE).
Do lado das empresas que recolhem, separam e tratam os resíduos em cada município é esperado que os valores de contrapartida pagos pelas embalagens de plástico, vidro e papel quase dupliquem em 2024 (de 105 para 205 milhões de euros), depois de terem estado inalterados durante sete anos (apenas com uma atualização de 12% entre outubro e dezembro de 2023). No entanto, isto é contestado pelas entidades gestoras, como a Sociedade Ponto Verde, que já veio avisar que a medida “vai ter um impacto brutal sobre os produtores e sobre os consumidores”.
De acordo com os dados do RASARP 2022, o grau de cobertura dos gastos dos municípios com a gestão de resíduos é “insatisfatório”, tendo em conta que 168 entidades gestoras não estão a recuperar os custos que têm com a prestação deste serviço aos cidadãos, por via da fatura da água. Destas, a esmagadora maioria (96%), opera em modelo de gestão direta pelos municípios. Há ainda 48 entidades gestoras que nem sequer reportam este indicador. Em Portugal, a região centro é a que tem o menor nível médio mensal de encargos tarifários com os resíduos (4,3 euros/10 m3), estando o Algarve no extremo oposto (7,5 euros/10 m3). “Este serviço apresenta um nível de cobertura dos gastos deficitário em todas as regiões, sendo a média nacional de 76 %, ou seja, em termos globais os gastos totais com a prestação do serviço não são integralmente recuperados”.