Ambiente Magazine
01/02/2025
“Tem de se trabalhar muito em comunicar o valor da água e a perceção do valor da água aos consumidores
António Cunha, CEO Aquapor
“Tem de se trabalhar muito em comunicar o valor da água e a perceção do valor da água aos consumidores”
A Ambiente Magazine esteve à conversa com o CEO da Aquapor, António Cunha. Esta empresa, em Portugal, é responsável por 11 concessões de serviços de água e saneamento, abrangendo 27 municípios. Também prestando serviços especializados de operação e manutenção no setor e consultoria, a Aquapor foi adquirida pelo grupo francês SAUR, que tem reforçado as competências do negócio. Nesta entrevista compreenda a dimensão da empresa, o estado atual das Águas no país e o processo de construção da dessalinizadora no Algarve. Recursos humanos, inovação e falta de concessões são outras temáticas em destaque.
Como se apresenta a Aquapor?
A Aquapor é a empresa privada líder na gestão de concessões municipais de água e tratamento e drenagem de águas residuais. Através das suas 11 concessões, é atualmente responsável pelo abastecimento de água destinada ao consumo humano para mais de um milhão de habitantes, e no saneamento já serve dois milhões de habitantes. Além das concessões municipais de abastecimento de água, temos uma atividade que tem vindo a crescer bastante, que é a operação e manutenção de infraestruturas hidráulicas, como ETA’s e ETAR’s.
Aqui, atuamos com a Luságua, que disponibiliza ainda um conjunto de serviços, nomeadamente, de engenharia e de telegestão. A Luságua cresceu bastante em 2024, na medida em que adquirimos mais duas empresas, a CTGA e a Enviman. Já o montante de turnover de receitas da Aquapor é de 165 milhões de euros, estimado para o ano de 2025. Neste momento (2024), estamos perto dos 150 milhões, o que representa um crescimento de 17% em relação a 2023. Para 2025, prevemos um crescimento na ordem dos 15%.
A Aquapor, no próximo ano, pretende adquirir mais concessões?
Esse é um dos nossos objetivos, mas naturalmente que a aquisição de novas concessões dependerá sempre do enquadramento de mercado. A Aquapor está atualmente, em conjunto com outras entidades do setor, a trabalhar para que sejam implementadas algumas mudanças estratégicas no nosso país. Por que razão não há mais concessões, por que deveria haver mais concessões e o que é que isso pode trazer de benéfico ao setor, por exemplo.
O mercado das concessões está estagnado. Exemplo disso é o facto de a última concessão adquirida pela Aquapor, no Sul, em Vila Real de Santo António, ter ocorrido em 2019. O que o Porto tem estado a fazer é tentar prorrogar os seus contratos de concessão. Porquê? Não só porque da parte dos municípios tem havido algum interesse em reduzir as tarifas, como também porque há uma necessidade de atualizar os planos de investimento.
É importante confrontar os municípios com esta nova realidade, que cada vez é mais assertiva no âmbito do aumento das necessidades de tratamento e da qualidade da água. Existem novas regras europeias, novas preocupações, as alterações climáticas, a questão da economia circular ao nível da reutilização das águas residuais. Há toda uma série de realidades que obrigam a que sejam revistos os planos de investimento destes contratos de concessão. Neste quadro, temos um conjunto de negociações para prorrogar os contratos, porque estão limitados a 30 anos, apesar de existir um entendimento de que pode ir um pouco além.
E esse interesse é mútuo?
O interesse é mútuo, embora seja importante notar que o interesse é maior por parte dos municípios. Quando estamos a falar de empresas do Grupo Águas de Portugal ou de modelos ao serviço do Estado, os investimentos podem ser amortizados em 50 anos. No caso das concessões, estão limitados a 30 anos. Ora, isto faz muita diferença. Nós conseguimos praticar uma tarifa muito menor quando o prazo de amortização desses investimentos é maior. Esta é uma das desigualdades do setor.
Quando se comparam tarifas praticadas entre municípios e, sobretudo, com empresas privadas, verificamos uma discrepância grande. E uma das razões é, desde logo, essa. O prazo de amortização dos investimentos faz com que as tarifas que pratiquemos tenham de ser maiores. Outro dos fatores tem a ver com a subsidiação que muitos destes municípios recebem. De acordo com um estudo do Fundec, nos últimos dez anos foram subsidiados cerca de 1.4 milhões de euros ao setor público, enquanto o setor privado não teve qualquer subsídio. E, finalmente, o terceiro motivo prende-se com o facto de ainda existirem municípios que praticam tarifas que não cobrem os custos.
Algumas entidades gestoras defendem um aumento da tarifa ao consumidor exatamente para essa cobertura de custos, mas também referem que isso depende de uma educação ao consumidor sobre a importância de pagar mais. Como vê esta situação?
Não podemos esquecer que muitas vezes há um interesse eleitoral e político em manter as tarifas baixas, o que também acaba por perturbar a possibilidade de as tarifas serem adequadas para permitir pagar os gastos de exploração e os investimentos necessários. Não se pensa nos investimentos que têm de ser feitos no médio e longo prazo para assegurar a sustentabilidade. Por exemplo, um dos grandes problemas que o setor atravessa é a renovação da rede. Ao não fazer esta renovação, é óbvio que as gerações futuras vão receber uma rede obsoleta, que não só leva ao aumento das perdas de água, como pode levar a uma degradação que se põe em causa a qualidade da água. É evidente que substituir a rede não é uma medida muito popular, porque é algo que não é visível. Contudo, é de extrema importância e não deve ser descurado.
Não se vê…
Não se vê. Só que esta rede pode trazer problemas de saúde pública e perdas de água, numa altura em que vamos ter cada vez mais secas severas. Aliás, em 2024, percebemos, no início do ano, que o Algarve ficou praticamente sem água. E isto acontece também porque não se cuida devidamente da gestão da eficiência hídrica. Ou seja, gerir bem e com eficiência, com uma boa aplicação dos recursos, evitando estas perdas de água, é outro desafio no setor.
Mas voltando à questão das tarifas, um estudo do Fundec define que as tarifas vão ter de aumentar, a médio prazo, 40%, para se poderem fazer os investimentos necessários. Por isso, consideramos que também tem de se trabalhar muito em comunicar o valor da água e a perceção do valor da água aos consumidores. Tem de se dizer às pessoas que têm de poupar água, mas que também têm de pagar o custo da preservação do recurso. Isto significa pagar uma tarifa que permita investir para termos boas infraestruturas, bem geridas e sem perdas de água.
Assim, a maneira mais eficiente é aumentar o custo da água, e criar tarifas que são progressivas à medida que se vai aumentando no escalão. Para quê? Para as pessoas não consumirem mais do que os 8 ou 10 metros cúbicos. Quem consumir mais do que isso é penalizado, tal como acontece com os impostos. Além disso, a ministra do Ambiente sugeriu uma ideia nova, devido à crise do Algarve, que consiste em penalizar os municípios que não atingem indicadores de perdas de água considerados razoáveis.
Por outro lado, o município não devia poder praticar tarifas abaixo do custo, porque não só está a desinvestir no setor, como não está a caminhar para a sustentabilidade. Uma entidade pública tem perdas superiores a 30%, e que em alguns casos vão até mais de 50%, e uma entidade privada, por via da concessão, a par destas entidades que mencionei, consegue atingir os 10%. Até há pouco tempo ninguém prestava muita atenção a isto, mas com o fenómeno das secas, começou a falar-se muito da questão da poupança de água. E tão importante como as pessoas pouparem água, é as entidades que a gerem também conseguirem fazer esta poupança.
E qual pode ser o papel da ERSAR neste contexto?
O atual Governo quer voltar a fazer com que a ERSAR dê um parecer vinculativo na fixação das tarifas. Hoje em dia, os municípios podem fixar os preços que querem, mas o Governo quer colocar outra vez o regulador no centro desta decisão. E nós achamos muito bem que assim seja, porque é uma forma de, de uma vez por todas, criar esta distorção no setor e valorizar de facto o recurso.
Outra decisão do Governo foi a dessalinizadora no Algarve, sendo a Aquapor uma parte interessada neste projeto. Qual é a prioridade desta iniciativa?
Esta estação de tratamento vai permitir, numa primeira fase, 16 milhões de metros cúbicos adicionais por via de água dessali-nizada – o que curiosamente é o montante de água que todo o Algarve perde. Nós demoramos 10 a 20 anos a reduzir perdas de 45% para 10%. Como é que agora, em um, dois, três anos, admitindo que o Algarve está em risco, vamos buscar estes 16 milhões? A nossa visão tem a ver com o que poderíamos chamar de mix hídrico, que significa que para estar seguro tenho de reutilizar água, tenho de reduzir perdas e de fazer uma boa gestão das barragens – porque só assim é que se consegue satisfazer as necessidades de consumo humano, por um lado, e da atividade económica, por outro, já que o Algarve tem uma atividade enorme no turismo e agricultura. Para satisfazer todos estes usos numa zona de alto stress hídrico, temos de ter a possibilidade de recorrer a várias fontes. Ou seja, é inviável resolver o problema só através da redução das perdas de água, especialmente na situação em que se encontra.
E esta água dessalinizada será mais cara?
O custo de não ter água para proporcionar o desenvolvimento destas atividades económicas é muito maior do que o aumento do custo de água que vai resultar, obviamente, deste mix hídrico. É inviável pensarmos como conseguir reutilizar a água toda, porque isso implicava ter redes paralelas, e é inviável pensar que os municípios vão reduzir 30% das suas perdas.
Qual será o destino dessa água: apenas consumo humano ou servirá também o turismo e a agricultura?
Essa questão será da responsabilidade da Águas do Algarve, que será o distribuidor em alta, portanto não me posso pronunciar sobre como é que esse mix será feito.
Mas será pertinente usar essa água para regar campos de golfe, por exemplo?
Em teoria, a água será toda a mesma, há um mix e há que majorar a questão do preço. Um campo de golfe também terá direito a esta água, desde que se satisfaçam as necessidades e não se ponha em perigo o consumo humano. Se estamos a apostar no turismo e no crescimento das atividades económicas, precisamos de água. Com a dessalinizadora, esse modelo de desenvolvimento económico do Algarve pode prosseguir, satisfazendo o turismo, satisfazendo o consumo humano, e a agricultura, desde que não seja posta em causa a quantidade de água. Uma das preocupações com a dessalinização era o impacto ambiental que a mesma traria. Isto foi amplamente discutido.
E o tempo de construção, que é de 2 a 3 anos, considera que é um tempo recorde para poder fazer isto?
Sim, é um tempo recorde e já assim é apertado. Tudo isto foi feito com as restrições ao nível do financiamento do PRR, portanto todo este projeto atrasou. Mas como se costuma dizer, mais vale tarde do que nunca.
Se o Algarve voltar a passar por um stress hídrico nos próximos tempos, será ainda mais urgente este projeto começar a funcionar?
Provavelmente, quando acontecer outra seca, as pessoas que criticaram o projeto vão entender as suas mais-valias.