Água&Ambiente online
Vera Eiró, presidente da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), afirmou ao Água&Ambiente Online que a reposição das competências tarifárias do regulador, que vai voltar a fixar as tarifas em todos os sistemas de titularidade estatal e regulamentar, avaliar e auditar a fixação e aplicação de tarifas nos sistemas de titularidade municipal, não põe em causa a autonomia local e será orientada pelo princípio da “estabilidade tarifária”.
O Decreto-Lei n.º 77/2024, publicado a 23 de outubro em Diário da República, restabelece os estatutos da ERSAR, revogados em 2021. “A competência de definição das tarifas ao nível municipal mantém-se com os órgãos autárquicos, respeitando-se o núcleo essencial da autonomia local”, afirmou Vera Eiró, reiterando que a intervenção do regulador respeitará esta autonomia. As competências renovadas permitirão uma aplicação rigorosa da lei: “Para a adequada implementação é fundamental que haja alguém que monitorize, fiscalize e garanta o seu cumprimento”.
A estabilidade tarifária, um princípio “há muito seguido pela ERSAR”, será também aplicado às novas competências, e garantirá previsibilidade para consumidores e entidades gestoras, com o “gradualismo nos ajustamentos tarifários”.
“Relativamente às competências tarifárias de sistemas municipais, a ERSAR volta a ter competências para emitir regulamentos tarifários que definam as regras gerais a aplicar pelos municípios”, detalha a presidente da ERSAR. Esta regulação, que inclui a possibilidade de emitir instruções em casos de violação reiterada da lei, prevê sempre uma abordagem gradual nos ajustamentos tarifários, respeitando os princípios da entidade reguladora, sublinha Vera Eiró.
A presidente da ERSAR também enfatizou a importância da eficiência operacional neste campo: “O próprio aumento dos custos operacionais não é algo absoluto e válido para todas as entidades”, afirmou, sugerindo que áreas como a redução de perdas de água e eficiência energética devem ser otimizadas para ajudar a mitigar os custos.
Uma vez que as recentes alterações refletem um retorno ao modelo estipulado pela Lei n.º 10/2014, em vigor até 2020, Vera Eiró antecipa “que muito pouco mude”, salientando que as alterações vão permitir a continuidade da supervisão no setor.
Com o Decreto-Lei n.º 77/2024, a ERSAR reforça a sua capacidade de supervisão e considera estas alterações fundamentais para “criar mecanismos que clarifiquem e apoiem as entidades de titularidade municipal a cumprir a legislação”. Vera Eiró prevê que as alterações trarão “regras mais claras”, “um agente que monitorize a aplicação dessas regras” e fiscalização para garantir o seu cumprimento.
Recuperação dos poderes tarifários da ERSAR é fundamental para evitar conflitos de interesse, afirma Diogo Faria de Oliveira
Diogo Faria de Oliveira, Administrador da Defining Future Options, considera a devolução dos poderes tarifários à ERSAR como um passo essencial para o setor da água e enfatiza o impacto positivo de um regulador independente na definição das tarifas em alta dos sistemas de titularidade estatal.
Isto porque, desde que o Governo assumiu, em 2021, o poder de fixação das tarifas em alta, Diogo Faria de Oliveira aponta que se gerou “um conflito de interesses” devido à tripla função do Governo como acionista, concedente e regulador. “O Governo é simultaneamente acionista das Águas de Portugal, concedente dos sistemas multimunicipais, concessionário dos sistemas multimunicipais, e é o Governo que estabelece as políticas para o setor e atribui subsídios”, destaca, defendendo que o restabelecimento das competências da ERSAR mitiga esse conflito.
Diogo Faria de Oliveira vê como essencial o facto de a ERSAR ter recuperado o poder de emitir instruções vinculativas para sistemas municipais que não se conformem com a lei. Destaca também o papel do Conselho Tarifário, que agora emite parecer sobre instruções vinculativas, como uma “prudência” adicional, garantindo uma aplicação ponderada das normas.
Para o administrador da Defining Future Options a recuperação das competências permitirá ao regulador apoiar a sustentabilidade financeira das entidades gestoras. “Com estas novas regras, estão reunidas as condições para gradualmente se recuperar” a cobertura financeira, explica, promovendo uma evolução sustentada. Além disso, Oliveira acredita que a eficiência das entidades também será incentivada. “O setor não tem tido grande evolução, embora se tenham injetado fundos significativos”, observa, reforçando o papel da ERSAR na promoção de práticas de gestão mais eficazes.
Quanto à autonomia municipal, esta mantém-se intacta, considera o especialista, já que os municípios ainda têm o poder de aprovar tarifas.