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O Relatório Anual de Resíduos Urbanos (RARU) 2023 sublinha que a gestão de resíduos em Portugal enfrenta desafios significativos, especialmente no que diz respeito à elevada dependência dos aterros, que continua a aumentar. Em 2023, 57% dos resíduos urbanos gerados foram depositados em aterro em Portugal continental e ilhas, contra 55% em 2022. Este dado coloca o país longe da meta imposta pela União Europeia de reduzir a deposição em aterro para 10% até 2035.
Entres os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) existentes em Portugal Continental, 17 dos 23 encaminham mais de 60% do total dos resíduos que recebem para aterro, número que se mantém desde 2022.
O relatório também revela que 35% dos resíduos depositados em aterro não passaram por pré-tratamento adequado, violando a Diretiva Aterros, verificando-se o mesmo desde 2022.
A maior deposição em aterro foi agravada pela interrupção prolongada na operação da instalação de valorização energética da VALORSUL, responsável por tratar uma grande parte dos resíduos urbanos. A sua manutenção, que durou mais de quatro meses, resultou no envio de grandes volumes de resíduos para aterro, afetando sobretudo o sistema Tratolixo, é referido no relatório.
Talvez em resultado desta situação, verificou-se uma diminuição nos resíduos encaminhados para valorização energética, que foram cerca de 12%, o correspondente a aproximadamente 640 mil toneladas de resíduos, enquanto em 2022 esse valor foi de 15%.
Produção de resíduos urbanos aumenta 14 mil toneladas
A produção total de resíduos urbanos em Portugal atingiu 5 338 milhões de toneladas em 2023, com 5 064 milhões de toneladas produzidas em Portugal continental, resultando numa capitação de 505 kg per capita. Este valor é ligeiramente inferior à média da União Europeia, que se situa nos 513 kg por habitante. A variação foi mínima em comparação ao ano anterior, registando-se um aumento de 0,28%, ou seja, 14 mil toneladas.
Preparação para reutilização e reciclagem piora
Em termos de preparação para reutilização e reciclagem, o desempenho de Portugal está igualmente aquém das metas. Em 2023, apenas 32% dos resíduos urbanos foram preparados para reutilização ou reciclados, ficando 23 pontos percentuais abaixo da meta de 55% estabelecida para 2025. O valor de 32% é ainda 1% inferior ao desempenho obtido em 2022.
Evolução negativa na recolha seletiva
Os números do RARU 2023 indicam que a maioria dos materiais com potencial de reciclagem continua a ser desperdiçada. O relatório revela que 76% dos resíduos recolhidos em 2023 (77% em 2022) foram indiferenciados, mantendo-se a taxa de recolha indiferenciada elevada quando comparada com a da recolha seletiva, “desígnio que é crucial inverter”, aponta o RARU. Como é igualmente referido no relatório, este é um “indicador que ao longo dos anos não tem evoluído positivamente, apesar dos investimentos efetuados”.
Já a recolha seletiva, que em 2023 foi de 23%, registou uma subida de 2%, face aos 21% em 2022.
A recuperação de plásticos, metais e biorresíduos a partir da fração indiferenciada foi muito baixa, com apenas 23% dos plásticos recuperados, tal como em 2022.
A recolha seletiva de papel/cartão representou 18,36% do total dos resíduos urbanos (19,18% em 2022), com uma taxa de contaminação de 6%, o que significa que 94% do material recolhido estava apto para retoma. Já o vidro representou 16,68% da recolha seletiva (18,13% em 2022), também com uma contaminação de 6%, causada principalmente por fragmentos de vidro e outros materiais de difícil separação. Tanto o papel/cartão como o vidro apresentavam uma taxa de contaminação inferior a 10% em 2022.
No que toca aos plásticos e metais, a recolha seletiva atingiu 11,58% do total (11,6% em 2022), com uma taxa de contaminação de 15% (14% em 2022), sendo o papel/cartão e os biorresíduos os principais contaminantes.
Recolha de biorresíduos com as boas notícias
A recolha seletiva de biorresíduos tem vindo a crescer, com 168 dos 278 municípios de Portugal Continental a implementar sistemas específicos, um aumento face aos 144 municípios em 2022, tendo sido recolhidas seletivamente 33 230 toneladas, o que representa uma subida de 19% em relação ao período homólogo.
Ainda no que concerne à recolha seletiva, os biorresíduos representam 8,17% do universo dos resíduos urbanos. Os resíduos verdes (recolhidos em separado) representam 10,51%. Em 2022, esses valores eram de 7,24% e de 9,97%, respetivamente. Quanto à composição física dos resíduos urbanos de recolha indiferenciada, os biorresíduos são os que representam a maior fatia, com 46,69%, o que significa uma diminuição face a 2022 (47,66%). O relatório enfatiza a necessidade de aumentar a recolha seletiva de biorresíduos para desviar uma maior quantidade de materiais orgânicos da recolha indiferenciada.
Portugal conta atualmente, tal como no ano precedente, com 26 instalações de tratamento de valorização orgânica, sendo que 6 delas são dedicadas exclusivamente à recolha seletiva de biorresíduos.
Em 2023, o quantitativo de composto produzido registou uma subida, em cerca de 35%, quando comparado com o ano transato. Se considerarmos apenas a fração de biorresíduos recolhidos seletivamente, este aumento é de 51%.
Mais produção de combustíveis derivados de resíduos
O RARU 2023 também destaca um aumento na produção de Combustíveis Derivados de Resíduos (CDR). Em 2023, foram encaminhadas 1 127 toneladas de resíduos para a produção de CDR, resultando na produção de 927 toneladas, destinadas sobretudo à valorização energética na indústria cimenteira. Estes números refletem uma aposta crescente na valorização energética de resíduos, em contraste com as 186 toneladas produzidas em 2022.
O RARU apela a uma ação concertada entre os intervenientes do setor, com investimentos urgentes em infraestruturas de recolha seletiva e tratamento, para que o país possa avançar na transição para uma economia circular.
“O setor dos resíduos urbanos estagnou, não apresentando os indicadores, no ano de 2023, evolução positiva”, conclui o relatório.