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Rui Lanceiro, Associado da Pinto Ribeiro Advogados
A política de resíduos é central para a construção de uma economia circular e para a transição para um modelo económico ecológico e sustentável. No entanto, trata-se de uma área em que Portugal apresenta ainda resultados longe do desejável e, por vezes, também das metas fixadas pela União Europeia. Nos últimos dois anos, o enquadramento normativo foi profundamente alterado. O seu sucesso depende da concretização no terreno.
O primeiro passo foi a adoção de uma nova geração de instrumentos de planeamento, redefinindo orientações estratégicas, prioridades, metas e ações a implementar, com a aprovação do Plano Nacional de Gestão de Resíduos 2030 (PNGR 2030), em março de 2023, e a sua concretização através do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos 2030 (PERSU 2030) e do Plano Estratégico para os Resíduos Não Urbanos 2030 (PERNU 2030).
Posteriormente o enquadramento legislativo foi objeto de uma revisão global, com o Decreto-Lei n.° 24/2024, de 26 de março, que alterou o Regime Geral de Gestão de Resíduos (RGGR) e do Regime Jurídico de Deposição de Resíduos em Aterro, bem como do Regime Unificado de Fluxos Específicos (UNILEX). Comecemos pelas más notícias. Tratando-se de uma área reconhecidamente complexa, estas alterações não ajudaram a sua simplificação: continuamos a ter uma profusão de diplomas difíceis de navegar. Para além disso, estes regimes, que tinham sido alterados no âmbito do designado Simplex Ambiental, em fevereiro de 2023, já sofreram uma alteração posterior, em maio deste ano. Esta flutuação legislativa, dificilmente explicável, não ajuda à segurança jurídica dos operadores.
Independentemente disto, o Decreto-Lei n.° 24/2024 representa um passo central para a construção de uma efetiva economia circular, completando a transposição da recente alteração à Diretiva Quadro dos Resíduos e concretizando as opções tomadas nos Planos referidos. A este nível, estabelece-se o procedimento de aprovação dos planos municipais, intermunicipais e multimunicipais de resíduos (PAPERSU), que depende do cumprimento de objetivos mínimos, a fixar pela Autoridade Nacional de Resíduos. Revê-se a metodologia de determinação da Taxa de Gestão de Resíduos (TGR) a aplicar às entidades gestoras, que será determinada em função do custo médio associado à recolha e tratamento dos fluxos de materiais, e prevê-se a devolução aos municípios de 30% do valor pago a título de TGR, caso demonstrem o investimento em projetos que promovam a reciclagem de biorresíduos.
Central para a alcançar as metas de reciclagem de resíduos de embalagens é a concretização no UNILEX do Sistema de Depósito e Reembolso (SDR) de embalagens de bebidas não reutilizáveis, de acordo com a Diretiva (UE) 2019/904, relativa à redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente. Foi relativamente à necessidade de designação e licenciamento de uma entidade gestora do SDR que o posterior Decreto-Lei n.° 34/2024, de 17 de maio, veio criar um regime simplificado. Criam-se também dois novos regimes de responsabilidade alargada do produtor (RAP): para a gestão de mobílias, colchões e respetivos resíduos, e para resíduos de autocuidados de saúde.
Por fim, é revisto o modelo económico de determinação dos valores de contrapartida (VC) pagos pelas entidades gestoras SIGRE aos municípios e Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU), atribuindo novas funções a este respeito à ERSAR bem como relativamente ao mecanismo de alocação e compensação do fluxo específico de embalagens e resíduos de embalagens, que fomente a recolha de materiais para reciclagem. Com esta verdadeira “revolução” do sector, será necessário agora um enorme esforço de implementação dos diversos agentes e operadores do sector para tentar dar resposta às ambiciosas metas fixadas.