Vida Económica
Hugo Monteiro | Associado coordenador de Comercial e Contratos da PRA – Raposo, Sá Miranda S Associados, Sociedade de Advogados
É inegável o efeito da ação humana no meio que nos envolve, sendo particularmente evidentes os fenómenos meteorológicos progressivamente mais intensos e frequentes, com forte impacto na economia e sociedade, na saúde humana e no ambiente, de forma tendencialmente perene. O desenvolvimento do princípio do poluidor-pagador, em particular em atividades consideradas de risco real ou potencial tem constituído uma preocupação do legislador comunitário (Diretiva 2004/35/ CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004 (posteriormente alterada pela Diretiva n.° 2006/21/ CE, do Parlamento Europeu e do Conselho) como forma de mitigar danos ambientais e consequentemente do legislador nacional (Decreto-Lei n° 147/2008, de 29 de julho.) Considerando-se como danos ao ambiente os danos que afetem significativamente os recursos hídricos, os danos causados ao solo e às espécies e habitats naturais e protegidos, criou-se obrigação não só de reparação dos mesmos, como de prevenção, em caso de ameaça iminente, através de um regime de responsabilidade subjetiva e objetiva dos operadores destinado a ressarcir os lesados pelos danos ambientais, bem como de responsabilidade administrativa, para reparação dos danos causados ao próprio meio ambiente.
O regime estabelecido, de responsabilidade objetiva (também denominada de responsabilidade pelo risco) determina a imputabilidade das entidades beneficiárias de um conjunto de atividades consideradas como perigosas — em particular as relacionadas com a gestão de resíduos, descargas poluentes ou outras matérias perigosas — acarreta a necessidade de o operador apresentar garantias para cobrir tais responsabilidades. Existindo vários mecanismos adequados a tal desiderato — como a garantia bancária, a participação em fundo ambiental ou a constituição de fundos próprios reservados, a transferência do risco para o mercado segurador é, atentas as várias soluções disponibilizadas, provavelmente o meio mais desenvolvido e capaz de fazer face a eventuais sinistros.
De igual forma e em sentido inverso, o mercado segurador desempenha um especial relevo na proteção de bens jurídicos das ações climáticas, desde as soluções mais estabelecidas e comuns das apólices multirrisco, aos contratos de seguro mais específicos e customizados, em particular os seguros de colheitas para garantir a produção agrícola, incluindo soluções mais avançadas como os seguros paramétricos, que não necessitam do apuramento rigoroso do impacto dos eventos subjacentes, muitas vezes de difícil quantificação.
Dando seguimento ao previsto na Lei de Bases do Clima – Lei n.° 98/2021, de 31 de dezembro, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões apresentou no início deste ano a primeira edição do Relatório anual de Exposição ao Risco Climático dos setores Segurador e dos Fundos de Pensões, com um enfoque na exposição a riscos climáticos de transição por via de títulos de dívida pública, dívida privada e títulos acionistas e a exposição a riscos climáticos físicos por via de coberturas seguradoras comercializadas no domínio de negócio segurador Não Vida. Das principais conclusões de tal relatório releva uma exposição a níveis moderados de riscos climáticos de transição por parte dos setores segurador e de fundos de pensões e afiguram-se resilientes a medidas regulatórias que impulsionem a redução da emissão de gases com efeito de estufa, ou forcem compensações adicionais pelas mesmas.
Já relativamente à exposição a riscos climáticos físicos por via de coberturas seguradoras, os seguros dos ramos Incêndios e Outros Danos em Coisas são identificados como os mais expostos às alterações climáticas, sendo que esta linha de negócio se encontra sujeita a riscos tanto agudos como crónicos, tendo a maior parte das coberturas contempladas a possibilidade de suster efeitos decorrentes das alterações climáticas. O que se poderá revelar crucial para fazer face a fenómenos com efeitos devastadores como os ocorridos em maio deste ano no Quénia, Bangladesh e no Estado do Rio Grande do Sul, no Brasil.