JORNAL DE NEGÓCIOS
Os resíduos orgânicos são responsáveis por 40% do lixo produzido em Portugal e a recolha seletiva pelos municípios é obrigatória há sete meses. No entanto, a maioria ainda acaba em aterro ou incineração, mostra um inquérito recente da ERSAR.
Restos de alimentos das refeições, cascas e caroços de frutas e legumes, cascas de ovos, borras de café, flores e folhas secas. Estes são alguns exemplos de biorresíduos, que em Portugal dizem respeito a cerca de 40% do lixo urbano produzido. No país, o desperdício alimentar representa a principal fonte de resíduos orgânicos: 1,9 milhões de toneladas, ou cerca de 180 kg por pessoa, o terceiro valor mais elevado da UE.
E apesar de ser obrigatória a sua recolha seletiva desde 31 de dezembro de 2023 (separada do restante lixo, tal como já acontece com as embalagens de vidro, papel e plástico), a esmagadora maioria dos biorresíduos continua a ser enviada para incineração ou deposição em aterro. A prova é dada pelo mais recente inquérito de diagnóstico feito no primeiro semestre de 2024 pela Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR) junto de 236 entidades gestoras. Entre elas estão empresas de resíduos urbanos como a Amarsul, Lipor, Suldouro, Tratolixo e Valorsul, que abrangem quase 50% da população.
Diz a ERSAR que se regista uma “fraca implementação” desta obrigação: das 185 entidades que responderam ao inquérito apenas 79 (43%) dizem já ter operacional um sistema de recolha de resíduos biodegradáveis das cozinhas das famílias e dos restaurantes, da transformação industrial de alimentos, de jardins e parques. “As 79 entidades com projetos de recolha de biorresíduos cobrem 52% do número de alojamentos do território continental. No entanto, como a maioria não disponibiliza este serviço em toda a sua área de intervenção geográfica, apurou-se que apenas 15% dos alojamentos do país estão cobertos”, conclui a entidade reguladora, sublinhando que este cenário coloca em risco o cumprimento das metas de reciclagem até 2030.
“Estamos muito longe das metas e não vamos conseguir cumpri-las. Os resíduos foram um não assunto durante demasiado tempo. Alguém os recolhia e mandava para aterro, ou incinerava, por isso os cidadãos não viam como um problema. É um setor negligenciado”, diz Ismael Casotti Rienda, da associação ambientalista Zero.
“Municípios não levam a sério” o tema
O inquérito da ERSAR mostra que 65 entidades gestoras cumpriram a data de 31 de dezembro de 2023, enquanto 14 começaram a recolher biorresíduos só em 2024, com recurso a programas de financiamento do Fundo Ambiental e POSEUR (82%). Em termos de tipos de recolha, predominam os contentores dedicados, por proximidade (58%) ou porta a porta (49%). Já no uso de sacos com cores diferentes para cada tipo de resíduo, este método abrange 15% e a recolha porta a porta em sacos apenas 10%.
O estudo do regulador revela ainda que 33 entidades gestoras optaram pela compostagem comunitária (245 equipamentos), enquanto 53 preferiram soluções domésticas (43.482 compostores em casa). Quanto à faturação, 20% usa o sistema “pay as you throw”, enquanto 67% optou pela indexação ao consumo de água. No segmento não doméstico são 77 as entidades gestoras que recolhem biorresíduos. O canal HORECA é o mais representativo (94%), seguido dos estabelecimentos de ensino (77%) e das IPSS (72%).
Por outro lado, as 106 entidades gestoras que revelaram não ter ainda implementado a recolha de biorresíduos, apontam como impedimentos a falta de apoio financeiro (75%) e de recursos humanos (72%). A não adesão da população também é uma das principais dificuldades identificadas. O responsável da Zero diz que “os municípios ainda não estão a levar a sério” o tema, apontando, no entanto, bons exemplos a seguir: Ovar, Maia, São João da Madeira, Fornos de Algodres, entre outros concelhos.
Face aos resultados do inquérito, a ERSAR conclui que é “crucial estabelecer um processo contínuo de monitorização e avaliação”. E alerta que a recolha dos biorresíduos vai exigir “avultados investimentos” por parte dos municípios e pode fazer aumentar as tarifas para as famílias e empresas. A solução passa pelo uso das receitas provenientes da venda dos materiais (fertilizantes) e da energia (biogás) resultantes dos sistemas de tratamento de resíduos orgânicos.
A ERSAR recomenda também a criação de “estímulos financeiros”, com sistemas de faturação baseados nos resíduos produzidos e separados. Os incentivos devem ser descontos diretos nas tarifas dos serviços de gestão de resíduos, que continuam a ser pagas na conta da água: 7,96 euros, em média, numa fatura de 31,79 euros. “Os munícipes acham que já pagam muito pelos resíduos, mas a tendência é para que os tarifários venham a aumentar com os biorresíduos”, remata o ambientalista.