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Ministra do Ambiente diz que novas barragens no Algarve não são prioritárias, mas o Governo quer avaliar. “Temos de ter o maior rigor científico nas avaliações de impacto ambiental”, afirma.
Ao anunciar o alívio das restrições no consumo de água no Algarve, o Governo viu os ambientalistas acusá-lo esta semana de “irresponsabilidade”, de passar a ideia de que a “a seca acabou”. A ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho, rejeita essa ideia e diz não ter ilusões sobre a seca acabar. “A água vai ser sempre um bem escasso no Algarve. Temos de viver com essa situação e, por isso, estamos a fazer investimentos, a pensar no futuro”, disse, em entrevista ao PÚBLICO.
A revogação das restrições impostas por uma resolução de Fevereiro do Governo de António Costa vai permitir o uso de mais 20 hectómetros cúbicos (hm3) de água no Algarve. A agricultura foi a área com o maior alívio: a redução de consumo de 25% passará para 13%. Turismo e golfe e o sector urbano sofriam cortes de 15% na resolução de Fevereiro, que passarão para 13% e 10%, respectivamente. Estas decisões devem ser formalizadas no Conselho de Ministros da semana que começa a 10 de Junho, adiantou a ministra, numa conversa no seu gabinete.
A decisão de aliviar as restrições no uso da água, ainda que tomada com o Verão à porta, fundamenta-se “em dados técnicos e científicos”, assegurou Maria da Graça Carvalho. O cenário escolhido considera que temos reservas para um ano de água para o consumo público no Algarve, frisou.
“Olhando para a situação meteorológica e hidrológica, houve, em todo o país, uma recuperação bastante acentuada das albufeiras. No Algarve, menos, mas houve uma evolução”, começou por dizer, no seu gabinete no ministério. “No ano passado, tínhamos as albufeiras no Algarve a cerca de 23%. Este ano temos a 43%. No resto do país, era a 63% em 2021, e temos agora 88%. De Janeiro a Março, o Algarve recuperou 80 hm3 de água”, contabilizou.
Sublinhou, no entanto, que há volta atrás. “Vamos continuar a monitorizar e, em Agosto, iremos ver qual é a situação. As medidas serão ajustadas de dois em dois meses”, assegurou. “Isto não é facilitismo ”, defendeu Maria da Graça Carvalho. É abrir uma oportunidade para a economia algarvia recuperar. “É para as pessoas que mais pouparam, muitas deixaram de plantar , muitos campos de golfe não puderam ser regados”, disse.
Os agricultores tiveram a maior redução das restrições, e estavam já a ameaçar levar os seus protestos para as ruas. Houve uma cedência do Governo? “Não, não é isso. Beneficiam tanto como as outras actividades económicas. Mas a distribuição do consumo de água no Algarve é 57% para agricultura, 34% urbano (um terço do qual é turismo) e 6% para o golfe”, responde a ministra, dizendo que a desproporção é aparente.
Combater as perdas
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou também em Faro na quarta-feira um reforço de 103 milhões de euros nos investimentos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a água no Algarve. Com uma mensagem de urgência: “A palavra de ordem é executar. O PRR só está executado a 5%. Isto não pode continuar”, afirmou Maria da Graça Carvalho.
Mesmo antes dos 103 milhões de reforço, os 237 milhões de euros que já estavam previstos do PRR “correspondem a mais 76 hectómetros cúbicos de água disponível”, contabilizou a ministra, explicando que isto equivale ao consumo urbano de um ano. “Estes projectos são vitais”, e têm prazo obrigatório de conclusão até 2026, reforçou. “Não é já uma questão só do financiamento vir ou não vir para Portugal. É uma questão de ter ou não ter água”, frisou a ministra.
Há uma hierarquia do que é mais urgente para tornar a região do Algarve mais resiliente à escassez de água. “A primeira prioridade é poupar, a segunda é reutilizar, e a terceira aumentar a capacidade das instalações que existem”, sublinhou Maria da Graça Carvalho.
No topo, mesmo no topo, está a redução das perdas de água. “Eu sei que é uma coisa invisível, mas é muito urgente. Temos perdas de 35% a nível nacional e 30% no Algarve. Se conseguíssemos reduzir as perdas para metade ou para 10%, ganhávamos muito…”, disse a ministra. Há 44 milhões de euros para a reabilitação da rede urbana no Algarve, mas só foram aprovadas candidaturas no valor de 27,2 milhões. “Os municípios ainda estão atrasados. Têm de acelerar.”
Mas o Algarve vai precisar de mais. “O que está em curso poderá não ser suficiente para resolver a situação do Algarve e precisaremos de instalações novas, como a dessalinizadora, que já está em curso”, reconheceu.
Pensar em barragens
É por isso que está em curso a avaliação do potencial da bacia hidrográfica de Alportel – a pensar numa nova barragem. “A Agência Portuguesa do Ambiente diz-nos que poderia ser interessante, porque, além da reserva de água, viria resolver os problemas das cheias em Tavira”, explicou.
O Governo está também a acompanhar o estudo de viabilidade da barragem da Foupana , lançado por uma associação de regantes. “Todos os projectos têm que passar por um estudo muito rigoroso de impacto ambiental , e têm de ter em conta medidas de mitigação ”, afirmou a governante.
Apesar de haver quem considere não fazer sentido novas barragens, quando as actuais já têm falta de caudais, à partida, o Governo não tem uma posição definida: “Nem a favor nem contra. É um princípio que temos de seguir, o do maior rigor científico nas avaliações de impacto ambiental destes projectos”, declarou a ministra.
Há um calendário para concluir até ao segundo trimestre de 2026 a captação do Pomarão , que serviria para enviar água do Guadiana através de uma conduta até à barragem de Odeleite, no Algarve, um percurso de 36 km. Mas falta ainda definir um projecto, haver negociações com Espanha, dizem críticos.
“Já estão a decorrer conversações com Espanha. Pediram-nos mais informação. Temos o objectivo de marcar muito em breve com a ministra da Transição Ecológica espanhola”, disse Maria da Graça Carvalho. O que “não está em cima da mesa”, assegurou, é ceder água de Alqueva ao Sul de Espanha.
O Governo está a empenhar-se ainda na elaboração de uma estratégia nacional para a água , que se chamará A Água que nos Une . “Agora olhámos para o Algarve, mas a seguir temos de olhar para a costa atlântica do Alentejo, a zona do Mira. Nas águas subterrâneas há zonas de Trás-os-Montes, margem esquerda do Tejo. Tudo isso tem que ser visto num conjunto. Por isso este título, a água que une”, disse Graça Carvalho.
“O Plano Nacional para a Água tem que ser agora revisto, mas vai ser feito em paralelo com um projecto a que o ministro da Agricultura deu o nome de Rega”, adiantou. Sem adiantar pormenores, a ministra garantiu que vai também continuar o processo de elaboração de uma nova Lei da Água – cuja conclusão o anterior Governo prometeu repetidamente, sem sucesso. Um objectivo era tornar as águas subterrâneas “um recurso público”, para facilitar a fiscalização e monitorização do seu uso.