PÚBLICO
São produzidos 430 milhões de toneladas de plástico todos os anos. O plástico é o tema do Dia da Terra, que se assinala hoje
Para nos salvarmos das alterações climáticas, queremos gastar cada vez menos petróleo e gás natural, de modo a limitar as emissões de gases que aumentam o efeito de estufa. Por isso, há quem diga que “os plásticos são o plano B da indústria dos combustíveis fósseis”, como defende Judith Enck, presidente da organização Beyond Plastics. Ou seja, este sector pode ser aquele que permitirá a expansão das empresas de combustíveis fósseis. E, talvez por isso, estejam a ser tão difíceis as negociações para um possível tratado global sobre os plásticos.
Esta semana começa em Ottawa, no Canadá, a quarta ronda de negociações para elaborar um tratado para controlar a poluição dos plásticos, que decorrerá entre amanhã e 29 de Abril. O assunto é tão importante que este foi o tema global escolhido para o Dia da Terra deste ano, uma iniciativa norte-americana que se alargou a todo o mundo e que se assinala hoje, 22 de Abril: o planeta contra os plásticos é o lema da campanha que exige uma redução de 60% na produção de plásticos até 2040. Crucial para controlar a poluição por plástico é que se consiga negociar um tratado, com valor vinculativo, até ao fim de 2024, objectivo definido após a aprovação de uma resolução, em 2022, na assembleia do Plano das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA). Mas há muitos receios de que não chegue a bom porto, ou de que seja muito diluído, ao ponto de se tornar ineficaz.
Forças de bloqueio
Um pequeno grupo de países produtores de combustíveis fósseis tem impedido o avanço deste tratado, denunciam organizações internacionais de defesa do ambiente. “Até agora, as negociações foram ao encontro dos interesses de países de baixa ambição, incluindo Arábia Saudita, Rússia e Irão, que têm usado questões processuais para evitar que o resto do mundo avance”, declararam, em comunicado, Graham Forbes e Sarah King, porta-vozes dos Estados Unidos e do Canadá da campanha contra a poluição por plásticos da Greenpeace.
A última reunião, em Novembro, em Nairobi, no Quénia, foi considerada um desastre. Dali devia ter saído uma segunda versão do rascunho do tratado, mas apenas se produziu uma versão ainda mais extensa do primeiro documento. “É um claro aviso de que permitir que aqueles que querem bloquear o progresso mantenham um debate interminável é uma receita para a inércia e o desastre”, comentou Carroll Muffett, presidente do Centro de Lei Internacional Ambiental, notando que em Nairobi estiveram também 143 lobbyistas de empresas de combustíveis fósseis – um aumento de 36% em relação à ronda de negociações anterior.
“Ainda é possível chegar a um tratado forte, mas só se os negociadores reconhecerem e confrontarem a campanha coordenada do sector da indústria de combustíveis fósseis e petroquímica para evitar que haja progressos”, salientou Muffett, em comunicado. Definir se as decisões serão tomadas por consenso ou por uma maioria de três terços é um passo fundamental para fazer avançar o tratado e ainda não foi dado. “O consenso é um princípio global na diplomacia global”, escrevem três analistas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Consenso e eficácia
“Mas, num assunto complexo como a poluição por plástico, em que algumas nações beneficiam do aumento da produção de plástico e outras sofrem de forma desproporcional, é difícil chegar a consenso”, sublinham Sulan Chen, Mirja Neumann e Murat Okumah, do PNUD.
A experiência com a negociação de outros tratados ambientais mostra que depender apenas do consenso pode atrasar o progresso “e resultar em compromissos que reduzem a eficácia”, dizem. “A julgar pela última ronda de negociações, isto pode acontecer ao tratado dos plásticos”, avisam os especialistas em poluição por plásticos do PNUD. Um tratado “aguado” significaria reduções e acções voluntárias – como no Acordo de Paris – e não obrigatórias – como no Protocolo de Montreal destinado a proteger a camada de ozono -, dizem vários analistas.
Poderia ser, também, um tratado que previa agir apenas no fim da cadeia de vida dos plásticos, ou seja, na reciclagem. Só que apenas 9% dos plásticos já produzidos são reciclados – porque é impossível, devido à sua composição, ou então porque fazer produtos novos é mais barato. Por isso, a maior parte acaba em aterros. “Prevendo-se que a produção de plásticos triplique até 2060, se não se tomarem medidas, e com a taxa de reciclagem abaixo de 10%, a ciência diz-nos que agir só no fim da cadeia não vai acabar com a poluição”, escrevem os analistas do PNUD.
Apoio popular
O mundo produz cerca de 430 milhões de toneladas de plástico todos os anos, e mais de dois terços desta quantidade são produtos de uso único, isto é, de usar uma vez e deitar fora, transformando-se instantaneamente em lixo, segundo números de um relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente de 2023. Se nada se fizer, a quantidade de plástico produzida pode triplicar até 2060, alerta o PNUA. Muito desse lixo plástico acaba nas linhas de água; só em 2019, “dois milhões de camiões do lixo de poluentes plásticos foram deitados nos oceanos do planeta”, diz o relatório da organização ambientalista internacional WWF.
Sondagens internacionais recentes realizadas pela WWF e pela Greenpeace mostram que há um grande apoio para a redução do uso de plástico. Na da Greenpeace, 82% dos inquiridos em 19 países é a favor de cortar a produção de plástico. Na da WWF, feita em 32 países, concordava-se em que o futuro tratado deveria proibir os plásticos descartáveis, como copos de bebidas, por exemplo, que representam 70% da poluição de plástico que há nos oceanos.
Os países de médios e baixos rendimentos, que não têm meios para regular a produção de plásticos nem para reciclar – e muitas vezes importam o lixo, tornando-se o aterro dos resíduos dos países mais ricos – são quem mais sofre com esta poluição: os custos para estas nações podem ser oito vezes maiores do que nos países de altos rendimentos, estima um relatório da WWF.
—–
O barato tem custos muitos elevados
Os plásticos são considerados produtos baratos, mas têm custos sociais elevados. Para começar, 99% são produzidos usando petróleo, o que provoca emissões de gases com efeito de estufa. Depois, os estragos causados pela poluição de plástico e as necessidades de limpeza podem ascender a 3700 biliões de dólares (cerca de 3470 biliões de euros) — o que é mais do que o produto interno bruto (PIB) da Índia, diz um relatório da World Wildlife Fund (WWF).
Os produtos químicos usados nos plásticos e o longo tempo que persistem no ambiente ou se acumulam nos tecidos vivos de muitos organismos, mesmo nas profundezas dos oceanos, e nas nossas próprias células — foram encontrados microplásticos até no leite materno — tornam os plásticos um risco muito importante para a saúde humana e para os ecossistemas. O bisfenol A (BPA), usado em garrafas, latas de conserva e brinquedos, é considerado um perturbador da actividade das nossas hormonas. Um milhão de pessoas morre todos os anos nos países mais pobres por causa de problemas de saúde relacionados com a poluição por plástico, diz a WWF.
—–
Planeta prateado
Maria Amélia Martins-Loução, Bióloga, professora catedrática de ciências da Universidade de Lisboa, presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia
No Dia Internacional da Terra, comemorado todos os anos a 22 de Abril, continuamos a acompanhar a evolução do planeta. Jan Zalasiewicz, presidente da Subcomissão de Estratigrafia do Quaternário, considera que o funcionamento natural do planeta desapareceu, de forma acentuada e irrevogável, a partir de meados do século XX. De acordo com a hipótese de Gaia, proposta por James Lovelock e defendida por Lynn Margulis, o Homem era a única ameaça à resiliência que o planeta oferecia. A biosfera, estreitamente ligada e em interacção contínua, formava um sistema complexo, único e auto-regulado. Só o Homem podia quebrar essa capacidade, e já o fez.
Em pouco mais de 70 anos, o ser humano conseguiu alterar a composição da atmosfera, transformou a superfície terrestre, usa mais de metade da água doce corrente e de acesso fácil, cortou e desconfigurou os rios com a construção de barragens, esgotou ou diminuiu a população de peixes, em particular das zonas costeiras e passou a produzir fertilizantes que fixam muito mais nitrogénio do que é naturalmente fixado. Não há registo semelhante nos marcos da evolução do planeta.
Todas estas marcas deixadas pelo Homem ao longo do tempo são o corolário das alterações climáticas, que já tanto se fazem sentir. A ansiedade climática origina problemas de saúde, a poluição atmosférica mata mais do que os media comunicam e as medidas e investimentos em energias renováveis são compreendidas e aplaudidas pela sociedade. A independência e a autoprodução energética são a grande aposta da Europa e de Portugal, em particular. Os projectos de energia renovável fotovoltaica em solos de baixo rendimento agrícola, nas barragens ou em zonas rurais abandonadas já alteraram fortemente a paisagem. Estão instalados em zonas semiáridas, com uma forte exposição solar, sem água acessível e barata. São os eucaliptais do século XXI.
Noutras zonas do país, e em projectos offshore, são os moinhos de energia eólica com impactes conhecidos nos ecossistemas terrestres e sem se conhecer ou prever os verdadeiros impactes nos ecossistemas marinhos. O interesse dos proprietários e das empresas alia-se ao dos governos. O importante é avançar na transição “verde”, economicamente rentáveis, com a criação de “empregos verdes”. Em poucos anos, Portugal, a “pequena casa lusitana” como Orlando Ribeiro intitulava, será maioritariamente uma paisagem de ferro, silenciosa, espelhada. É uma verdadeira transição de uma imagem azul vista do espaço para uma imagem ofuscante e “prateada”.
Se há três ou quatro anos havia uma leve esperança de que a valorização económica do produto interno bruto teria de entrar em conta com a salvaguarda dos recursos naturais, actualmente as ameaças à segurança interna da Europa afastaram essas boas intenções. Assim como os engenheiros do ambiente e os físicos alertam para os riscos catastróficos da alteração do clima, os ecólogos denunciam já a catástrofe real da extinção em massa. Não estamos a falar da extinção de espécies, porque isso sempre sucedeu ao longo da evolução, com a substituição de outras. Falamos da perda a pique do livro da vida: a diversidade de organismos que se tem perdido a uma escala de décadas e não de milhares de anos.
Tenho dito e repetido: crise climática e perda de biodiversidade estão interligadas. O clima afecta a variabilidade genética, a riqueza de espécies e a estabilidade dos ecossistemas. A perda de biodiversidade e a baixa resiliência dos ecossistemas afecta o clima: deixam de ser sumidores e passam a emissores de dióxido de carbono. Os ecossistemas seminaturais que ainda restam no nosso país, os bosques ou matas urbanas e as zonas costeiras estão a saque de investidores e à mercê do oportunismo dos municípios. A identificação e declaração de zonas críticas que põem em causa a saúde ou segurança humanas, que deviam estar sujeitas a medidas especiais de protecção e salvaguarda, são facilmente ignoradas, gerando “acidentes” como quedas de falésias ou diminuição de linha de costa pelo contínuo desrespeito pelos sistemas dunares.
Até agora, o Homem tem sabido superar todas as catástrofes, melhorando a inteligência artificial e continuando a sua ambição de conquista de outros planetas. É a superespécie do planeta. De acordo com o registo geológico e a evolução da vida, as extinções em massa levam ao desaparecimento dos fracos e ao enfraquecimento dos fortes. Ou seja, é bom não esquecer que à medida que a transição do planeta, de um azul-esverdeado para prateado, é acelerada o agente causador passa também a vítima. Seremos capazes de o evitar?