Jornal de Negócios
A partir de 2035, Portugal só poderá enviar para aterro 10% dos resíduos urbanos, mas está ainda nos 56%. A Sociedade Ponto Verde alerta para um “grave problema de esgotamento” dos aterros e o Governo admite a “identificação de novos locais”, com os municípios
Bárbara Silva
De acordo com as estimativas da Sociedade Ponto Verde (SPV), estão a ser enviadas para aterro “cerca de 31 milhões de euros em embalagens que poderiam ser valorizadas e recicladas”. Para Ana Trigo Morais, CEO da SPV, esta realidade “representa uma enorme perda de valor económico, com grande impacto ambiental” para o país. “Portugal tem um grave problema com o esgotamento dos aterros existentes, sendo urgente olhar para a meta de 2035, em que só poderão ser enviados para aterro 10% do total dos resíduos urbanos, sublinha. Questionado pelo Negócios, o Governo não revela as atuais taxas de capacidade dos mais de 30 aterros nacionais, mas fonte oficial do Ministério do Ambiente e da Ação Climática (MAAC) garante estar a “acompanhar a situação com os sistemas de tratamento de resíduos, com vista a elaboração dos planos de contingência que contemplem a identificação dos novos locais” para a construção de aterros. O próprio secretário de Estado do Ambiente, Hugo Pires, já admitiu que, a médio prazo, muitos aterros no país vão chegar ao seu limite, não pondo de parte que novas infraestruturas tenham de ser construídas.
No entanto, a mesma fonte do MAAC sublinha que para isso “é fundamental o envolvimento dos municípios, para que haja sucesso nas soluções a aplicar nos seus territórios”. Mais importante ainda, diz o Governo, é “apostar no desvio de resíduos dos aterros”, por forma a “conseguir prolongar o seu tempo de vida”. Também a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) já alertou para o risco de as “estimativas de esgotamento de capacidade” dos aterros terem de ser “antecipadas”. De acordo com os dados do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030), em 2021 Portugal já só tinha disponível 24% da capacidade de deposição em aterro, equivalente a 15,4 milhões de toneladas. Os dados mais recente da APA, também de 2021, revelam que apenas 21% dos resíduos urbanos foram recolhidos seletivamente e 14% enviados para reciclagem, enquanto 56% seguiram para aterro. No caso dos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos, o problema é ainda mais gritante: as metas ditam a recolha e reciclagem de 65%, mas em 2021 esta percentagem não foi além dos 14,5%.
Para inverter esta tendência, os ambientalistas aguardam a publicação do novo Regulamento Geral de Gestão dos Resíduos, o qual fará a atualização – para valores muito superiores aos atuais – da taxa (TGR) aplicada por incumprimento das metas das Entidades Gestoras de Fluxos Específicos de Resíduos. A legislação já foi aprovada pelo Governo e, de acordo com fonte do MAAC, está neste momento em Belém para ser promulgada pelo Presidente da República. Neste momento, por cada tonelada de resíduos que segue para aterro (quando podia ter sido reciclada), as entidades gestoras têm de pagar uma multa (taxa de incumprimento) no valor de de 30% de uma TGR de 30 euros. Ou seja, apenas nove euros por tonelada. “As entidades não cumprem as metas traçadas pelo Governo e pagam uma taxa irrisória. É como passar na Ponte 25 de Abril sem pagar a portagem e pagar 10 cêntimos de multa”, disse ao Negócios Rui Berkemeier, membro do Conselho Geral da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável.
Com a nova legislação que está na calha para entrar em vigor, este valor de penalização deverá aumentar muito significativamente a partir de 2025, já que neste ano as entidades gestoras passarão a pagar pelo envio para aterro o mesmo custo que teriam com o tratamento dos mesmos resíduos. “Basta ver os valores pagos atualmente com a recolha seletiva e triagem de uma tonelada de embalagens (no caso do plástico o valor médio atual é de 684 euros), para se perceber que com esta nova TGR as entidades gestoras seriam fortemente penalizadas quando não cumprissem as metas das suas licenças e talvez, assim, as começassem a cumprir”, frisou Berkemeier. A Zero propôs ao Governo um aumento parcial e gradual desta taxa de incumprimento já a partir de 2024, para que as entidades gestoras possam adaptar-se.
No que diz respeito à Taxa de Gestão de Resíduos, também a Sociedade Ponto Verde defende “que a sua aplicação deve ser revista e a receita orientada para os investimentos necessários na melhoria dos sistemas, assumindo o Fundo Ambiental a responsabilidade pela alocação da receita desta taxa”, disse ao Negócios Ana Trigo Morais. Face à nova legislação para os resíduos, a SPV diz esperar que, “a partir de 2024, o país seja capaz de investir significativamente no setor e cumprir as metas de reciclagem de resíduos urbanos”. “As mudanças pecam por tardias porque deixam Portugal na cauda da Europa, com desempenhos muito insuficientes, sobretudo quando nos preparamos para a obrigação de cumprir novas metas em 2025 e 2030”, remata Ana trigo Morais.