Jornal Economico online 12/11/2022
Associações e regulador entendem que as verbas devem ser distribuídas por todo o país e não apenas destinadas a algumas regiões e em áreas como a reabilitação das infraestruturas de distribuição de água. Rodolfo Alexandre Reis Os valores previstos pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para o sector das águas são suficientes? Eduardo Marques Presidente da associação das empresas portuguesas para o sector do ambiente (AEPSA) O PRR prevê escassos fundos para o sector das águas e direcionados para três regiões – Alentejo, Algarve e Madeira – o que está longe de resolver os problemas estruturais do sector. As necessidades de financiamento verificadas, quer a nível de eficiência, quer a nível de reabilitação de ativos, não se resolvem com estes fundos. De acordo com o Novo Plano Estratégico PENSAARP 2030, no cenário considerado mais recomendável são necessários cerca de 5.500 M€ de investimentos nesta década. A AEPSA entende que a melhor forma de garantir os financiamentos será através de uma melhor gestão, que liberte margens para os investimentos e não ser subsídio dependente de fundos comunitários, O setor da água, se for convenientemente gerido e se for efetivamente percecionado o real valor da água, tem todas as condições para criar riqueza e ser economicamente sustentável. Carlos Coelho Presidente da Comissão Diretiva da associação portuguesa dos recursos hídricos (APRH) O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) engloba 20 componentes. A componente C9 (Gestão hídrica) abrange a execução de alguns projetos específicos, incluídos no Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve (200 M€), a construção do Aproveitamento hidráulico de fins múltiplos do Crato (120 M€) e os projetos do Plano de eficiência e reforço hídrico dos sistemas de abastecimento e regadio da Região Autónoma da Madeira (70 M€). Estes projetos permitirão a Portugal estar mais bem preparado para as incertezas hidroclimáticas e mudanças climáticas, que os cientistas têm vindo a alertar, contudo não respondem às necessidades totais. O PRR não abrange investimentos relevantes na área da reabilitação das infraestruturas de distribuição de água, que apresentam perdas de água significativas, e outros investimentos, designadamente a construção de eventuais outras centrais dessalinizadoras (para além da prevista para o Algarve, já incluída no PRR), e outras novas infraestruturas de armazenamento de água (e.g. Alvito, na bacia do Tejo, e Foupana, no Guadiana). A reabilitação das barragens existentes, origens de água importantes, e investimentos na melhoria de funcionamento das ETAR não estão também contemplados no PRR. Por fim, o investimento no esforço de monitorização dos recursos hídricos, está igualmente ausente, dificultando a melhoria da gestão dos recursos hídricos e disponibilidades reais. Rui Godinho Presidente do Conselho Diretivo da associação portuguesa de distribuição e drenagem de águas (APDA) Não. Os investimentos previstos são claramente insuficientes, como expressámos na Consulta Pública em março de 2021. O PRR só abrange, no que respeita à Gestão Hídrica, intervenções para duas regiões do País, o Algarve e a Madeira e a construção da barragem do Crato, com um valor total previsto de 441 milhões de euros, que correspondem apenas a menos de 2,7% do volume de investimentos previstos. Ficaram de fora do PRR quaisquer intervenções no Ciclo Urbano da Água e a Gestão dos Recursos Hídricos no resto do País. Na prática, mais de 92% da população portuguesa ficou excluída da intervenção do PRR neste âmbito. E, se o PRR tem a ambição de assegurar um território simultaneamente competitivo e coeso, esse desiderato não será alcançável no que respeita ao Ciclo Urbano da Água. A APDA propôs que o PRR fosse revisto no sentido de acolher uma afetação complementar de fundos da ordem de 1000 milhões de euros, para além da já prevista de 441 milhões de euros. Esta alocação de fundos permitiria atingir objetivos muito mais amplos do que os acolhidos na versão aprovada e cobrir metade da verba de 2000 milhões de euros prevista no Programa Nacional de Investimentos 2030, para as cinco componentes que integram o Ciclo Urbano da Água: “Promoção da reabilitação de ativos”, “Aumento da resiliência dos sistemas de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de drenagem de águas pluviais; “Transição para a Economia Circular”, “Melhoria da qualidade das massas de água” e “Descarbonização do sector”. Vera Eiró Presidente da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) É importante notar que o financiamento externo, seja através do PRR, seja através de outro mecanismo de financiamento comunitário, não obstante ter sido fundamental nos últimos 25 anos para assegurar a evolução das infraestruturas do setor da água, se destina a alavancar o financiamento próprio assegurado pelos serviços de águas e acelerar os investimentos necessários. As perdas de água são uma questão operacional para a qual as entidades gestoras devem, no longo prazo, procurar assegurar as receitas necessárias para investir na renovação e reabilitação das redes de abastecimento e de saneamento que, apesar de enterradas, requerem uma adequada manutenção e renovação. Por isso, procurando responder à questão, os valores previstos no PRR destinam-se apenas à região do Algarve e poderão beneficiar apenas as entidades gestoras dessa região, no contexto em que foi identificada como uma das mais críticas em termos de escassez hídrica. Nessa região, essas verbas são um dado que deve ser considerado para ajustar as decisões das entidades gestoras no curto prazo, acelerar investimentos na redução de perdas, mas que devem ser acompanhadas por decisões no mais longo prazo para manter as infraestruturas em bom estado e com um nível de perdas de água reduzido. Para as demais regiões existirão outros mecanismos de financiamento comunitário e nacional que poderão complementar as receitas próprias no financiamento destes investimentos para reduzir as perdas de água. Pedro Perdigão CEO do Grupo INDAQUA Os valores previstos pelo PPR para o sector da água podem ser ajustados, contudo, falham, sobretudo, na sua abrangência territorial. Seria de extrema importância fazer chegar estas verbas a todo o país e não apenas às regiões do Alentejo, Algarve e Madeira, que, apesar de prioritárias, não são exclusivas na necessidade de incentivos à eficiência. Ao contrário do que tem acontecido com outros mecanismos de financiamento nacionais e comunitários, é necessário reforçar o rigor não só na atribuição (para que sejam devidamente utilizados para corrigir e combater as grandes problemáticas do setor), mas, sobretudo, na execução destes apoios, com objetivos quantitativos claros e sanções previstas para os incumprimentos. Miguel Allen lima CEO da ARQUILED O PRR tem uma dotação de 390M€ para a gestão hídrica, o que representa menos de 3% do plano, para um sector crítico para o país, além de só considerar algumas regiões. Note-se que o país continua numa situação grave de seca (55% em seca severa e 45% em seca extrema, segundo dados do IPMA, em agosto). A água é um recurso cada vez mais escasso e, com as alterações climáticas, com tendência a piorar. Por isso, acreditamos que o sector deveria ter uma dotação maior do PRR.