Jornal de Notícias
Autotanques abastecem dezenas de aldeias em Trás-os-Montes. Famalicão desliga rega dos jardins e poupa milhões Reservas no vermelho em 22 Albufeiras Onda de calor agrava situação. Algarve fecha piscinas municipais e Nordeste transmontano aciona autotanques. Comissão da seca reúne hoje
Autotanques abastecem dezenas de aldeias em Trás-os-Montes. Famalicão desliga rega dos jardins e poupa milhões A onda de calor que assolou o país nestas duas últimas semanas – sendo a mais intensa e extensa a ocorrer em julho desde 1941 – veio agravar a situação de seca meteorológica que ocupa todo o território. E impactar nas reservas hídricas: a 18 de julho, 22 albufeiras tinham disponibilidades inferiores a 40% do seu volume total. Dados que serão hoje analisados pela Comissão Permanente da Seca, numa altura em que estão no terreno 78 medidas para mitigar os efeitos das seca. No Algarve, em agosto as piscinas municipais estarão fechadas; e no nordeste transmontano, abastecem-se já várias aldeias com recurso a camiões-cisterna. Olhando às disponibilidades de água em albufeiras, a análise da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) feita no dia 18 diz-nos que, em apenas sete dias, verificou-se uma diminuição do volume armazenado em 14 bacias hidrográficas. Sendo que em 39% das 57 albufeiras monitorizadas as reservas eram inferiores a 40%. E apenas uma albufeira registou uma variação positiva face a 11 de julho. Com destaque para a barragem de Bravura, no Barlavento, a 12%, mesmo depois de, em fevereiro, ter sido determinado o seu uso exclusivo para abastecimento humano. No mês passado, recorde-se, face a período homólogo do ano passado, as reservas de água no Algarve estavam 25% abaixo. Contudo, como explica ao JN o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve, regista-se “um acréscimo de 15% no consumo face a 2019, que foi o melhor ano de sempre”. Razão pela qual as piscinas municipais públicas serão encerradas em agosto – e, eventualmente, em setembro – e os dias de rega reduzidos. Num duplo sentido, diz António Pina: “Poupança efetiva de água e despertar consciências”. Quanto ao golfe, o vice-presidente da APA havia explicado ao JN estarem a ser regados dois campos com águas das ETAR com tratamento adicional para usos não potáveis, num milhão de hectómetros cúbicos (hm3). Sendo o objetivo fechar o ano nos 4hm3. Cinco em situação crítica Com cinco barragens em situação crítica, no nordeste transmontano são já várias as aldeias a serem abastecidas por camiões-cisterna (injeção de água em reservatórios), concretamente em Mogadouro e em Macedo de Cavaleiros (ler reportagem na página ao lado). De acordo com o último relatório de monitorização da seca, em maio foram reportadas 436 operações de abastecimento com recurso a autotanques. Num “aumento de 53% comparativamente à média de igual período de anos anteriores” e com Bragança (66), Coimbra (58) e Vila Real (46) a registarem o maior número. No final de junho, 96,3% do território encontrava-se nas classes de seca mais graves. Sendo que a extrema ocupava 28,4%, em particular na região Sul e nalguns locais do interior Norte e Centro. Contactado, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera remeteu para hoje uma atualização dos dados. Que serão analisados na reunião interministerial desta tarde, que terá como palavra de ordem a poupança. Vertida numa campanha nacional de sensibilização. Porque, como avisou o ministro Duarte Cordeiro, “temos de nos habituar a viver com menos água”. —– Um terço do território em seca prolongada Como cá, também Espanha enfrenta uma situação grave, com um terço do território em situação de seca prolongada. De acordo com o Ministério para a Transição Ecológica, em junho a “situação piorou, principalmente, nas bacias do Guadiana, Douro e Minho-Sil”. A 19 de julho, as albufeiras espanholas estavam a 43,22%, valor que compara com uma média a dez anos de 62,94%. Com as bacias hidrográficas do Douro a 48,41% e a do Guadiana a 27,48%. Ainda esta semana teve lugar uma reunião técnica entre Portugal e Espanha ao abrigo da Convenção de Albufeira. Segundo foi possível apurar, os caudais acordados estão a ser cumpridos. Em Conselho de Ministros, o Executivo espanhol aprovou, na terça-feira, as Diretrizes Estratégicas sobre Água e Alterações Climáticas com vista a uma melhor gestão e resiliência até 2030. —– Há dezenas de aldeias abastecidas por autotanques Trás-os-Montes Até a nascente de Azibeiro secou. Macedo e Mogadouro com planos de mitigação em curso Glória Lopes Não há memória de uma seca tão forte e prolongada em Trás-os-Montes. Até a nascente de Azibeiro, na União das Freguesias de Podence e Santa Combinha, em Macedo de Cavaleiros, esvaziou. Há duas semanas que a aldeia passou a ser abastecida com água da albufeira do Azibo, transportada em autotanques dos bombeiros. “A situação é histórica. Nunca antes esta nascente, que é muito forte, tinha falhado”, explica João Alves, presidente da Junta, que foi apanhado de surpresa pela falta de água. “Em duas ocasiões, os 30 habitantes da localidade abriam a torneira e não saía nada ao final do dia. Fechamos a distribuição durante a noite para recuperar a captação, mas a nascente não tem força”, refere o autarca. No concelho de Macedo de Cavaleiros há nove aldeias, segundo Rui Vilarinho, vice-presidente da Câmara, cujas captações são reforçadas por autotanques há mais de um mês. “Temos mais três ou quatro localidades a chegar à situação crítica e vão precisar que lhes levemos a água. Os autotanques dos bombeiros transportam 20 mil metros cúbicos, mas é preciso abastecer a cada dois dias. A situação vai agravar-se em agosto, quando o consumo aumenta com o regresso dos emigrantes”, realça o autarca. Aliviar os Bombeiros A albufeira do Azibo tem água em quantidade, o que dá alguma tranquilidade ao Executivo Municipal, que vai adquirir um autotanque para aliviar os bombeiros. Os veículos da corporação estão integrados no dispositivo de combate aos incêndios florestais. “O transporte de água ocupa vários meios humanos, materiais e muito tempo. Temos três veículos só para ir levar a água, mas precisamos deles para o combate aos fogos”, “O rio Angueira vai secar. O plano será ir buscar água a Miranda do Douro. Em dois ou três meses, vamos gastar mais de 200 mil euros” conta João Venceslau, comandante dos Bombeiros de Macedo de Cavaleiros. Em Mogadouro, antes que a água faltasse nas torneiras, o município pôs em marcha um plano de reforço das nascentes das localidades mais pequenas, várias com explorações agropecuárias. Atualmente, há 15 aldeias que estão a ser abastecidas diariamente por cisternas, como Vilarinho dos Galegos, Ventozelo e Vila de Ala. Mas a maioria só carece de reforço duas ou três vezes por semana. Outro concelho em grandes dificuldades é o de Carrazeda de Ansiães, onde a barragem de Fonte Longa já estava em estado crítico antes do verão. A Câmara quer ir buscar água ao Tua, a partir de agosto, e tem uma estratégia de mitigação. Em Alfândega da Fé, a barragem de Sambade só tem 35% do volume habitual. Fonte da Câmara garante que deve chegar até ao final do ano. Ainda assim, estão a recorrer às albufeiras destinadas ao regadio, como a de Estevainha. Em Alijó, o gabinete de comunicação indicou que “pontualmente estão a levar água a algumas aldeias” e têm em marcha uma campanha para sensibilizar para a poupança. —– Empresas vão poder reutilizar águas residuais sem pedir licença Novo pacote de medidas simplifica licenciamentos ambientais e promove um melhor uso dos recursos hídricos. Diploma em discussão pública até setembro Famalicão desliga a rega automática e poupa 63 milhões de litros Volume de água dá para abastecer mais de Rita Neves Costa | rita.n.costa@jn.pt sociedade@jn.pt O Conselho de Ministros aprovou ontem um pacote de reforma e simplificação dos licenciamentos ambientais. Entre as novas medidas, que estarão em discussão pública até 15 de setembro, está a maior facilidade de reutilização das águas residuais pelas empresas e a eliminação da obrigatoriedade de possuir uma avaliação de impacto ambiental em determinadas situações, como em parques eólicos ou na instalação de painéis solares. Numa sessão de apresentação de mais uma etapa do Simplex, programa de modernização e simplificação da Administração Pública, João Tiago Silveira, presidente do grupo de trabalho para a reforma dos licenciamentos, anunciou que os privados poderão reutilizar as águas residuais (sujeitas a tratamento) sem que tenham de pedir uma licença ao Estado. Bastará apenas fazer uma comunicação prévia com um prazo, para usar a água reciclada na lavagem de equipamentos, de vias urbanas, nos autoclismos ou no combate aos fogos. A novidade foi enaltecida por Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e da Ação Climática, que reforçou que 2022 “é o segundo ano mais seco desde 1931”. “Não o fizemos para a rega [norma para reutilização de águas residuais] porque há uma diretiva comunitária específica e que implicará que, mais tarde, avaliemos como fazer essa transposição”. Menos pareceres O primeiro-ministro António Costa apontou que a reutilização de águas residuais vai permitir responder a uma “mudança estrutural” no clima, a da seca severa. “Todos os dias desperdiçamos água ao lavar os dentes, não podemos deitar mais água para o mar”, afirmou. O chefe do Governo reforçou que só as águas residuais “capazes de ser utilizadas” serão reaproveitadas, sem colocar em causa a saúde pública. O pacote de medidas, financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência, irá trazer outras importantes mudanças na área das avaliações de impacto ambiental. Por exemplo, para modernizar uma linha férrea deixará de ser necessário o parecer. Uma situação que mereceu o comentário de António Costa. “Uma linha férrea a funcionar melhor será um ganho ambiental”. No caso de projetos de centros eletroprodutores de energia solar, quando a área ocupada pelos painéis solares for inferior a 100 hectares, será eliminada a obrigatoriedade de avaliação de impacto ambiental (AIA), mas poderá ser “necessária uma análise caso a caso”, explicou João Tiago Silveira. Algo semelhante se passará nos parques eólicos, que instalem mais equipamentos, e deixarão de precisar de uma AIA. “Na maioria das situações”, acrescentou. —– Renovação Uma licença ambiental necessita de ser renovada a cada dez anos, mas o pacote de medidas do Governo prevê a eliminação desta renovação, desde que não haja alterações substanciais da instalação industrial, por exemplo. —— Conferência Está prevista a criação de uma conferência procedimental para a instrução de processos, ou seja, uma entidade que dirá aos particulares quais os prazos, documentos e informações que precisam de entregar no âmbito de um licenciamento. —– Reporte único Há 24 regimes que obrigam ao reporte de informação, contudo está prevista a criação do Reporte Ambiental Único, para agregar toda a informação apenas num sítio, de forma automatizada e mais simples. —– Comunicação prévia O Governo prevê eliminar a licença para certas obras relacionadas com recursos hídricos, como a construção de infraestruturas hidráulicas. Será preciso fazer apenas uma comunicação prévia. —– Prazo A entidade responsável pelo procedimento é obrigada a decidir sobre o processo, mesmo que não tenha recebido os pareceres atempadamente. —– Famalicão desliga a rega automática e poupa 63 milhões de litros Volume de água dá para abastecer mais de 100 mil habitações num dia normal de consumo Alexandra Lopes Medida -Cerca de seis meses depois de ter desativado todos os sistemas de rega automáticos do concelho para “minimizar os efeitos” da seca, a Câmara Municipal de Famalicão estima ter poupado 63 milhões de litros de água, o que equivale a um volume capaz de abastecer mais de 100 mil habitações familiares num dia normal de consumo. A medida adotada pela Autarquia famalicense ainda está em vigor e abrange uma centena de sistemas de rega que são abastecidos com água da rede pública, instalados em vários parques, jardins, praças, rotundas e edifícios. Atualmente, a rega é feita de forma “manual e mais controlada”. Captações Subterrâneas Entretanto, foram reativadas algumas captações de águas subterrâneas, nomeadamente poços existentes nos espaços verdes do concelho, sendo que a Câmara Municipal de Famalicão está a “implementar soluções mais sustentáveis que permitem a utilização mais regrada de água”, como é a aposta em plantas autóctones, prados de sequeiro e prados floridos, cujas necessidade de água não é tão elevada. Em comunicado, o presidente da autarquia, Mário Passos, alerta ser “urgente mudar a forma” como se utiliza a água e apela aos famalicenses para que “continuem a fazer um esforço para reduzir o consumo diário deste recurso”. Em curso está uma campanha de sensibilização e incentivo à poupança e valorização da água nas várias plataformas do município, na comunicação social local e regional e em outdoors de Famalicão. Combate às perdas na rede O combate a perdas na rede de abastecimento é também uma das preocupações do município. Recentemente, a Câmara Municipal colocou equipamentos de medição e controlo do caudal e da pressão da água pública para combater as perdas na rede de abastecimento. “Com esta medida, a autarquia pretende reduzir, significativamente, as perdas de água no sistema de abastecimento, contribuindo para uma maior eficiência ambiental e económica do município”, destaca.