Jornal de Negócios
Fenómeno de desvio de materiais dos equipamentos eléctricos entregues para recolha pode estar a ser agravado pela crise internacional das matérias-primas, assinala o Electrão. Três em cada quatro equipamentos elétricos usados colocados na via pública ou nos circuitos municipais para posterior recolha em Portugal vão parar ao mercado paralelo, sem chegar às unidades de tratamento para descontaminação e reciclagem, revela um estudo, divulgado esta sexta-feira. Essa foi a conclusão a que chegou o Electrão depois de, ao longo dos últimos dois anos, ter seguido o rasto de 104 eletrodomésticos usados. Em cada um dos aparelhos, distribuídos por 33 concelhos e 10 distritos, foi colocado um GPS, o que permitiu monitorizar o seu percurso em tempo real. “A esmagadora maioria destes equipamentos usados foi detectada, via GPS, em locais onde não existem operadores de gestão de resíduos licenciados para os descontaminar e reciclar. Há ainda equipamentos encaminhados para operadores licenciados depois de terem seguido um percurso alternativo com passagem por casas particulares e outros locais que não estão associados à gestão de resíduos”, explica a entidade, num comunicado enviado às redações. Tal significa, portanto, que “apenas cerca de 25% dos aparelhos integraram o circuito formal e foram encaminhados para unidades licenciadas para a reciclagem destes equipamentos”, enfatiza a entidade gestora, com responsabilidade acrescida na gestão de equipamentos elétricos em fim de vida, já que detém uma quota de mercado superior a 60%. O Electrão monitorizou as tipologias de artigos mais procuradas pelo mercado paralelo, dado o valor dos seus componentes, como é o caso dos frigoríficos, torres de computadores, máquinas de lavar e fogões. A lista dos equipamentos desviados e respectivos destinos foi comunicada à Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT), a entidade responsável pelas acções de fiscalização, de forma a possibilitar a identificação dos agentes e circuitos do mercado paralelo, adianta a Electrão. A monitorização de artigos elétricos usados através de GPS é uma iniciativa do Electrão que arrancou, em 2020, com o projeto “Weee-Follow”. Na primeira fase, que decorreu entre 2020 e 2021, foram distribuídos 73 GPS em 12 dos concelhos mais populosos das áreas de Lisboa e Porto. A análise dos percursos permitiu concluir que três em cada quatro equipamentos usados foram desviados para o mercado paralelo. A iniciativa do Electrão inspirou depois um projecto de âmbito nacional que serviu de base à campanha nacional de fiscalização, dinamizada com o envolvimento das autoridades ambientais e das restantes entidades gestoras, indica. E, nesta segunda fase do projeto, que teve lugar entre dezembro de 2021 e março deste ano, a Electrão distribuiu 31 GPS por um total de 27 concelhos, maioritariamente fora dos grandes centros urbanos, com os resultados recolhidos a confirmarem então a mesma tendência. Embora a amostra seja menor, assinala a entidade gestora, “permitiu concluir, igualmente, que a maioria dos electrodomésticos deixados para recolha na via pública e circuitos municipais continua a ser desviada”. “O flagelo do mercado paralelo também se regista em zonas mais interiores do país. Em 31 equipamentos apenas 11 terão seguido o circuito formal. Há, no entanto, zonas cinzentas já que em alguns casos os electrodomésticos foram encaminhados para espaços municipais, de onde poderiam ter seguido para reciclagem, mas perderam o sinal de GPS no local apesar de terem bateria. Pelo menos 20 electrodomésticos (65%) foram desviados”, detalha o Electrão na mesma nota. “O problema do mercado paralelo é um fenómeno que não é novo, o Electrão já o sinalizou na Agenda Nacional dos Eléctricos. O crescimento desta realidade vem dificultar o cumprimento da missão do Electrão e também os resultados de reciclagem a nível nacional”, alerta o CEO do Electrão, Pedro Nazareth, citado na mesma nota. Para o mesmo responsável, “para que Portugal possa atingir as metas nacionais, muito ambiciosas, é necessário apostar em acções concertadas que visem o reforço da fiscalização de forma a minimizar o impacto do mercado paralelo na reciclagem de equipamentos eléctricos usados”. Do lado do Electrão, indica a sociedade, tem sido feito um esforço para minimizar o problema, através da recolha de equipamentos eléctricos usados porta-a-porta, em alguns pontos da Área Metropolitana de Lisboa, em complemento com a recolha municipal na via pública. Crise das matérias-primas propicia desvio Em face dos dados recolhidos, o Electrão observa que “a crise das matérias-primas no mercado internacional pode estar a agravar o fenómeno de desvio de materiais dos equipamentos elétricos usados”. “O problema do fornecimento de materiais, que começou a sentir-se durante o auge da pandemia, intensificou-se depois da invasão da Ucrânia por parte da Rússia, já que estes dois países são também grandes fornecedores de matérias primas, incluindo metais”, realça. A entidade gestora deste fluxo de resíduos dá o exemplo do alumínio ou do cobre, materiais “valiosos” e “cada vez mais procurados nos circuitos informais”. O desvio levanta também outros problemas, designadamente de saúde ou ambientais, já que estes equipamentos usados têm também componentes perigosos. “Ao serem desviados das unidades de reciclagem, que garantem a sua descontaminação, estes equipamentos eléctricos são transformados em sucata metálica, em processos que não acautelam a protecção da saúde humana e do ambiente”, alerta.