Jornal de Negócios
São responsáveis por 75% das emissões de gases de efeito de estufa no mundo. E, por isso, são também o epicentro da transição para a sustentabilidade. Portugal entra nesta engrenagem com desafios particulares, a diferentes velocidades e com algumas boas práticas que já estão a dar frutos. Em pleno Ano Europeu das Cidades Mais Verdes, Lisboa, Cascais, Guimarães, Aveiro e Valongo destacam-se nesta corrida. Atualmente, mais de metade da população mundial vive em centros urbanos, um valor que deverá chegar aos 70% em 2050. As cidades e as áreas metropolitanas são, por isso, o motor do crescimento económico, contribuindo para cerca de 60% do PIB mundial, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Mas se é aqui que está a movimentação, também é aqui que se geram as maiores emissões de CO2. As cidades são responsáveis por 75% das emissões de gases com efeito de estufa, apesar de apenas ocuparem 3% do território no planeta. Por tudo isto, as cidades têm e terão de ser o epicentro da transformação verde do planeta. “É nas cidades que se joga o tudo ou nada para alterarmos o rumo dos acontecimentos. É com as autarquias que se consegue criar uma relação de proximidade com os cidadãos para se adotarem novos hábitos de vida e de consumo e é com as autarquias que se consegue estabelecer uma relação de compromisso com os governos centrais e as organizações internacionais”, começa por referir Jorge Cristino, gestor público e autor do livro ‘A Missão das Cidades no Combate às Alterações Climáticas’. Os desafios são inúmeros por todo o globo. No caso de Portugal, por se situar na zona geográfica do Mediterrâneo, o país está muito exposto à seca e tem na gestão da água um dos seus principais desafios. Mas não só. Para Jorge Cristino, os fardos de Portugal passam também pelo “ordenamento do território, onde a excessiva impermeabilização e artificialização das áreas urbanas, o abandono das áreas florestais e a ausência de um bom uso do solo para uma agricultura biológica e de proximidade representam enormes desafios. É urgente valorizarmos o capital natural e quantificarmos os serviços de ecossistema.” “A isto acrescenta-se o facto de termos um modelo económico assente num excesso consumo de recursos e baixa circularidade e a elevada dependência energética dos combustíveis fósseis”, refere. Em 2015, foi publicada a Estratégia Cidades Sustentáveis 2020 com as opções orientadoras de desenvolvimento sustentável. Mas as críticas apontam para a necessidade de algo mais prático como uma estratégia nacional efetiva. O Governo tinha-se comprometido a lançar a Estratégia Nacional de Smart Cities até ao final de 2021, mas as eleições antecipadas viriam a atrasar o processo. Recentemente, a DECO analisou as medidas dos 308 municípios para enfrentarem as alterações climáticas e concluiu que apenas 81 estão preparados para este desafio e que 55 não têm qualquer plano de adaptação. Entre as autarquias que têm plano, 172 aderiram a planos intermunicipais. Ainda assim, há boas práticas já em andamento, seja na gestão da água, dos resíduos, na criação de espaços verdes, na promoção de uma mobilidade mais ecológica, na implementação de uma gestão mais inclusiva ou através da eficiência energética. Exploramos algumas destas iniciativas… As boas práticas portuguesas Lisboa foi Capital Verde Europeia em 2020, galardão atribuído anualmente a uma cidade europeia com mais de 100 mil habitantes que seja um exemplo em termos de sustentabilidade ambiental, social e económica. São muitas as frentes de combate da capital às alterações climáticas. Como, por exemplo, os esforços para aproveitar águas residuais tratadas e para aumentar os espaços verdes, tendo como meta 25% em 2022. Na área da mobilidade, o passe acessível que permite viajar em transportes nas 18 autarquias da Área Metropolitana de Lisboa ajuda a retirar carros da estrada e a promover a descarbonização. Em termos de reconhecimentos, Valongo também trouxe um galardão europeu para Portugal e ostenta em 2022 o título Folha Verde da Europa. Os projetos municipais de eficiência energética, a implementação de hortas biológicas urbanas e o sistema de recolha de resíduos porta-a-porta foram alguns dos pontos tidos em consideração pelo júri para a atribuição deste galardão a Valongo. Torres Vedras também havia sido distinguida em 2015 nesta categoria atribuída a cidades com menos de 100 mil habitantes. Continuando o périplo, quando se fala em cidades sustentáveis em Portugal surge sempre Cascais como exemplo em vários domínios. O município foi um dos primeiros a dar seguimento ao repto europeu para a transição verde com o Plano Estratégico de Cascais face às Alterações Climáticas, em 2009. Reforçou o compromisso municipal nesta área com o Plano de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas – concluído em 2017 e a ser executado até 2030 – com 82 medidas nas ais diversas áreas. E que medidas são essas? Por exemplo, a aposta no hidrogénio verde para uma mobilidade mais sustentável; a renaturalização das ribeiras de Cascais para a redução do risco de cheias; a redução de resíduos em aterro com o aumento de equipamentos de recolha e reciclagem; a promoção de projetos piloto como o iREC, que testa um sistema de incentivo para embalagens de bebidas; ou o restauro das florestas de algas para conservação da biodiversidade marinha. “O caminho para um concelho ambientalmente mais sustentável está já em curso: as medidas implementadas para a mobilidade, eficiência energética, gestão e valorização de resíduos, gestão florestal, infraestrutura verde urbana e novas tecnologias e cadeias de valor indicam que estamos nesse caminho. A grande meta é atingir uma cidade mais verde e azul, onde a economia é mais circular e a descarbonização é uma realidade. Mas a sustentabilidade ambiental é mais do que isso, é um compromisso com a coesão social, com o emprego verde, com a saúde e o bem-estar públicos e com as gerações futuras”, refere Joana Pinto Balsemão, vereadora de Ambiente da Câmara Municipal de Cascais. Já Guimarães assumiu o desígnio da sustentabilidade em 2014. Em 2020, a cidade recebeu a distinção “100 Cidades Inteligentes” atribuída pela Comissão Europeia. Agora, o município quer ser um Laboratório de Futuro e está a trabalhar em projetos transformadores em 12 setores desafiantes para as cidades. Sofia Ferreira, vereadora do Ambiente do município, sintetiza o que está a ser feito: “Guimarães tem procurado estabelecer como prioridades as ações em áreas transversais como a natureza e biodiversidade, nomeadamente através de projetos que contribuam para a melhoria da qualidade das linhas de água e das suas margens (Ecovias) ou indutores de proteção e conservação da biodiversidade (Plano de Ação de Biodiversidade)”, explica. Na área dos resíduos, o município aposta nos projetos PAYT, RRRCICLO, nomeadamente pelo “início da recolha de biorresíduos ou de reforço da transição de uma economia linear para uma economia circular (mercado sem plástico, recolha e valorização de pontas de cigarros e pastilhas elásticas etc.)”. E, na área da mobilidade, “através da nova concessão de transportes e do reforço da frota elétrica nos transportes coletivos urbanos”. Tecnologia em prol da sustentabilidade A tecnologia surge como um meio facilitador de toda esta transformação, recolhendo e agregando dados que facilitem a governação dos municípios. Nesta linha, Aveiro também surge destacada graças à iniciativa Aveiro Tech City, que pretende transformar a cidade e a região num laboratório de teste de soluções por parte de novas empresas, projetos e serviços, que ajudem as entidades de governação a recolher e partilhar informação relevante sobre novas formas de gerir as cidades. No caso de Guimarães, a vereadora do Ambiente, Sofia Ferreira, dá conta ao Negócios de que a tecnologia também está no centro da ação. “A cidade está a conceber e implementar sistemas inteligentes de monitorização, gestão integrada dos subsistemas urbanos e outros endpoints que potenciem a obtenção de dados inteligentes em tempo real de suporte à tomada de decisão e o acesso a insights importantes que potenciem o desenvolvimento de uma base de conhecimento dos fenómenos da cidade com vista a otimização do planeamento sustentável e a melhoria da qualidade de vida”, adianta. Também no caso de Cascais a tecnologia facilita a governação e surge como resposta a muitos dos desafios. Neste sentido, o município já tem “uma rede de monitorização meteorológica com dados disponíveis gratuitamente em tempo real, uma rede de medição de ruído e qualidade do ar, apps de promoção de mobilidade sustentável, processos de gamification e ainda uma vasta rede de sensores ambientais para otimizar a recolha de resíduos e gestão ambiental em meio urbano”, explica ao Negócios Joana Pinto Balsemão. Dada a complexidade do tema, Jorge Cristino, autor do livro ‘A Missão das Cidades no Combate às Alterações Climáticas, considera que “as cidades portuguesas estão a evoluir muito bem”. “Passo a passo, estamos a conseguir criar cidades mais sustentáveis, mais inteligentes e mais resilientes.” De qualquer forma, toda esta transição necessária e urgente é “um sistema de equações complexo, para o qual é necessária uma visão integrada e multidisciplinar, uma governança multinível”, conclui.