Jornal de Notícias
Há treze albufeiras abaixo de 40% da capacidade Seca severa ou extrema em 91% do território. É das piores de sempre Percentagem de território em seca extrema, a mais grave, triplicou em 15 dias. Há 13 albufeiras abaixo dos 40% de capacidade Joana Amorim Com valores de temperatura máxima acima da média e de precipitação muito abaixo do normal, a seca continua a alastrar-se. A 15 de fevereiro, 90,8% do território estava em situação de seca severa ou extrema, das piores de que há registo. Com as chuvas da semana passada a terem pouco impacto nas albufeiras. Um quinto está abaixo dos 40% da sua capacidade. De acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), em apenas 15 dias a proporção de território em seca extrema (a mais grave) triplicou para os 38,6%. Concretamente, em toda a região Sul e em alguns locais dos distritos de Bragança e Castelo Branco. Comparando com as secas de 2005 – a mais intensa – e de 2018, o IPMA constata que, em termos de grau de severidade a 15 de fevereiro, esta é já superior. Se em período homólogo de 2005 a seca severa e extrema ocupava 77,3% do território, e em 2018 86,1%, atualmente está nos 91% (52,2% severa e 38,6% extrema). Mesmo recuando a 1944/45, quando o país viveu a seca mais longa, “até fevereiro esta situação de seca meteorológica é uma das mais severas, uma vez que o défice de precipitação entre outubro e fevereiro em 2022 é superior à da situação de seca meteorológica de 45”, explicam ao JN. A que não é alheio o ano quente e seco que estamos a viver. Até dia 15, o valor médio de precipitação correspondeu a 7% do normal (série 1971-2000). Fazendo com que 2021/2022 esteja a ser o “ano hidrológico mais seco quando comparado com os outros anos de seca” deste século. Quanto às temperaturas, nos primeiros 15 dias deste mês os valores de máxima do ar foram “quase sempre superiores ao valor normal mensal”. Destacando-se os “dias 2 e o período de 7 a 11, com valores médios próximos de 20.º”. A precipitação registada de 13 a 15, em especial no litoral Norte, foi insuficiente. A 14 de fevereiro, um quinto das 61 albufeiras monitorizadas tinham disponibilidades hídricas inferiores a 40% do volume total e nove superiores a 80%. Face à semana anterior, o volume armazenado diminuiu em nove bacias hidrográficas e subiu em cinco. A bacia do Lima estava a 18% e a do Barlavento a 14,5%”. Passividade do país Uma situação “grave”, mas que “está anunciada”, diz, ao JN, Filipe Duarte Santos, perito em alterações climáticas. Criticando a passividade. “Aquilo que é preocupante é que o país podia ter feito mais para estar precavido contra esta situações”. Exemplificativo disso mesmo, desmonta, é o facto de o “Painel Científico da Estratégia Nacional para as Alterações Climáticas, que funciona na Agência Portuguesa do Ambiente, ter estado mais de um ano sem reunir”. Pandemia? “Sim, mas as secas não estão atentas às pandemias”. Um “quase fait-divers” para demonstrar que “nunca pensamos muito em ter novas disponibilidades hídricas”. Como? A reciclagem de águas residuais urbanas em Portugal é inexpressiva, diz. Quando em Singapura, “ilha cuja área é um quarto da Área Metropolitana de Lisboa e tem 5,5 milhões de habitantes, se recicla 40% e 10% da água é dessalinizada”. Lembrando que Espanha “dessaliniza cinco milhões de metros cúbicos de água por dia”. Acresce, revela Rui Cortes, especialista em recursos hídricos, que as medidas previstas pela Comissão da Seca, criada em 2017, não estão a ser aplicadas. Em causa, “a definição, para cada bacia, dos níveis de seca e das medidas a aplicar”. Neste momento, vinca o professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, “não estão a ser implementadas”. Desde a “rega dos jardins, à lavagem de automóveis e às piscinas”, explicita. “Numa situação de seca muito grave, isso é que é assustador”. —– Rui Rio acusa Governo de ter estado “a dormir” Líder do PSD defende que Executivo deveria ter mandado parar mais cedo produção de energia O presidente do PSD, Rui Rio, acusa o Governo de ter permitido à EDP continuar a produzir energia na Barragem do Alto Lindoso, apesar da situação de seca. De visita àquela central hidroelétrica, Rio afirmou que a ação do executivo PS contribuiu para que esta atinja nesta altura a cota mais baixa da sua história (começou a operar em 1992). Uma acusação feita no mesmo dia em que a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, solicitou no Conselho de Ministros da Agricultura e Pescas, em Bruxelas, um conjunto de medidas para minimizar os efeitos da seca que se vive no país (ver caixa). “Estamos na pior situação que alguma vez esta barragem teve na sua história. Isto mostra que o Governo esteve a dormir e não esteve a tempo e horas atento, para não permitir que a EDP tivesse produzido mais energia do que aquela que era possível produzir face à situação de seca em que estamos”, declarou Rui Rio, junto à albufeira do Alto Lindoso, de onde se avista que o caudal do rio Lima é quase inexistente em algumas zonas. “O Governo tinha possibilidades de mandar parar, não digo a tempo e horas porque não há tempo e horas quando estamos neste patamar de seca, mas muito antes da EDP parar. Se a EDP não tem parado, ainda era pior”, sublinhou. Para travar os efeitos da seca na Península Ibérica, foi pedida a ação de Bruxelas. A ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, refere que as medidas reclamadas “revestem-se de particular pertinência” tendo em conta também o agravamento dos preços das matérias-primas para alimentação animal. Afirma que este é um cenário que “coloca em risco um grande número de explorações, não só porque poderão ficar sem pastagens para alimentar o seu gado, como também porque poderão deixar de ter capacidade para o alimentar com rações”. —– O que a ministra da Agricultura pediu a Bruxelas Entre as medidas reclamadas a Bruxelas, estão adiantamentos para outubro dos pagamentos diretos e das medidas de superfície no desenvolvimento rural, levantamento de obrigações relativamente a terrenos em pousio ou sobre áreas de maior sensibilidade e apoios financeiros diretos no âmbito do regulamento da organização comum dos mercados dos produtos agrícolas. —– Água da chuva retida sai “pronta a beber” dos fontanários Criado em 1954, sistema assenta num lajedo natural que recolhe a água e a conduz para depósitos onde é filtrada Viver com escassez de água é algo a que as gentes das aldeias serranas de Porto de Mós estão habituadas. Ao longo de décadas, desenvolveram estratégias para reter a água da chuva, através de simples pias, da canalização dos beirados para cisternas ou dos designados Telhados de Água da Mendiga e de Serro Ventoso. Aqui, a chuva é recolhida através de um lajedo natural, do tamanho de um campo de futebol, e conduzida para depósitos, passando depois por várias fases de filtragem, até chegar aos fontanários “própria para consumo”. “É boa, mas boa. Vem aqui muita gente encher garrafões, até de fora”, atesta Lúcio Vicente, com 67 anos, tantos quantos têm os Telhados de Água da Mendiga. Tesoureiro da União de Freguesias (UF), que junta também o Arrimal, conhece como poucos o funcionamento do sistema. O pai trabalhou na sua construção e ele foi, durante anos, responsável pela casa dos filtros, a partir da qual a água sai “pronta para beber”. A qualidade é controlada pela Câmara, através de “análises regulares”, explica Francisco Baptista, presidente da UF. Vão lá encher garrafões Zulmira Costa, de 83 anos, já perdeu a conta aos garrafões que encheu no fontanário. Só o peso da idade a impede agora de recorrer à fonte. “Já me custa vir cá a cima, mas antes vinha mais do que uma vez por dia. O gado também bebia desta água”, recorda, apontando para a pia construída do noutro lado da estrada preparada para os animais. Mais em cima, há outra. “As pessoas vinham serra abaixo com o gado. Para evitar que atravessassem a estrada nacional, fez-se a pia junto à igreja”, diz Lúcio Vicente. José Manuel Neto, de 77 anos, invoca a memória do sogro, Manuel Baptista Amado, ex-presidente da junta e um dos mentores do projeto. “Inspirou-se no sistema de cisterna. Antigamente, quando se construía uma casa na serra, fazia-se um poço ao lado para aproveitar a água das chuvas”, relata o comerciante, lamentado que esse “costume” se tenha perdido. Natural de Serro Ventoso, freguesia que seguiu o exemplo da Mendiga, José Neto revela que, inicialmente, a ideia “não foi bem aceite pelas autoridades”. Mas a resistência dos organismos oficiais não demoveu os promotores. “A laje estava lá. Foi só tapar algumas fendas. Construíram-se dois grandes depósitos, cada um com capacidade para um milhão de litros. Tudo à força de braços. Demorou uma meia dúzia de anos, mas a obra fez-se”, relata Lúcio Vicente. A inauguração aconteceu em 1954 e nas décadas seguintes, os Telhados de Água foram o único meio de abastecimento daquelas povoações. Com a rede pública, há cerca de 30 anos, os sistemas mantiveram-se a funcionar e ainda hoje são utilizados pelas populações locais e até por gente de fora que ali vai encher garrafões.