Visão
“É a investir na sustentabilidade que vamos fazer a economia crescer” O ministro do Ambiente acredita que a atual crise energética deve ser um aviso para se avançar mais na descarbonização e, com isso, até se criar um novo modelo de desenvolvimento económico, capaz de gerar mais riqueza e empregos. Quanto às alterações climáticas, avisa que Portugal é um dos países mais ameaçados na Europa. “Perdemos 13 quilómetros quadrados de praias nos últimos 30 anos”, lembra
Com o clima a aquecer, vamos continuar a ter fogos. “O que não podemos é ter grandes incêndios, e para isso temos de transformar a paisagem”, diz João Pedro Matos Fernandes, 54 anos, ministro do Ambiente e da Ação Climática, em vésperas de partir para Glasgow, onde vai participar na COP26, a Cimeira do Clima em que se vai tentar alcançar um acordo num plano para se reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Em vésperas da cimeira de Glasgow, o mundo está mergulhado numa crise energética que dá o retrato exato do quanto somos dependentes dos combustíveis fósseis. Será que na COP26, mais uma vez, os lideres mundiais vão adiar as grandes decisões para o futuro, por estarem apenas preocupados com os problemas do presente? Não, porque aquilo que está a criar esta crise energética é a dependência que o mundo ainda tem dos combustíveis fósseis. No caso de países como Portugal, isso é ainda mais evidente, porque não só não temos nem queremos ter nem explorar qualquer combustível fóssil, até porque temos água, sol e vento para podermos produzir 100% da eletricidade que consumimos. Já produzimos 60%, e é também por isso que temos hoje o terceiro preço mais baixo da eletricidade no mercado grossista da Europa. Eu sei que o preço é alto, mas é sempre só isso que é noticiado. Não é noticiado que Portugal, precisamente por já ter esta penetração de renováveis, tem amortecido o preço da eletricidade. Não acredita, então, que os altos preços da energia no mercado internacional sejam um entrave a uma COP bem-sucedida? Antes pelo contrário. Quanto maior for a percentagem de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis, mais baixo será o preço da eletricidade. Tiradas as amortizações, qual é o preço da produção de eletricidade a partir do solar ou do vento? Zero! Não tem custo algum. Mas estamos a ver alguns países a voltar ao carvão em força. A China anunciou-o… Mas isso é devido ao preço do gás. Não tem nada que ver com a descarbonização. E o preço do carvão já está igualmente a bater recordes. Também é mentira, como já nos tentaram vender, que isto [o preço da energia] cresceu muito por causa da taxa de carbono. É falso: a taxa de carbono representa 10% a 15% do aumento. É verdade que a taxa de carbono no início deste ano andava pelos €25 e, no outro dia, ultrapassou os €60, mas façamos uma média de €45-€50 por tonelada de C02. Ora, quando se produz eletricidade a partir do solar, quanto se paga de taxa de carbono? Zero. Vento? Zero. Barragem? Zero. Portanto, o crescimento da taxa de carbono é mais uma razão para todos investirmos na energia renovável. Voltando à COP26. Parte para a cimeira como um otimista irritante ou como um pessimista realista? Parto com a consciência da emergência de ter de correr bem. A emergência climática é uma evidência e, por isso, os países têm, uma vez por todas, de dar o passo seguinte a Paris. E este é o momento. O Acordo de Paris é claro quando diz que, a cada cinco anos, todos países, ou as partes, têm de ser mais ambiciosos. E com preocupação que eu confesso que, olhando para todas as partes, só 119 é que já entregaram a sua nova NDC [Contribuições Determinadas Nacionalmente -planos de redução de emissões] e 75 ainda não o fizeram. Isto não é um bom começo. E dou-lhe três exemplos de países que ainda não a entregaram: África do Sul, índia e China. São três enormes economias. Isso não é um bom presságio. Agora, nós temos de acabar rapidamente o livro de regras que resulta de Paris, e é óbvio que, por exemplo, os mecanismos de transparência têm de ser iguais para todos os países. Depois, temos a dimensão do financiamento, e este vai ser o grande tema, para que possamos apoiar quem mais necessita. Sabemos, obviamente, que há países que terão uma muito maior responsabilidade financeira do que nós, e o regresso dos EUA ao Acordo de Paris é… … Uma boa notícia? Quando o sr. Trump saiu do Acordo de Paris, eu disse que a democracia americana é muito mais do que a sua administração, e, aliás, alguns estados e cidades americanas sempre se mantiveram no Acordo de Paris… Mas a parte do financiamento cabe ao país, e aqui o regresso dos EUA é muito significativo, porque de outra forma ia ser mesmo complexo encontrar as verbas necessárias. Não teme que a tensão crescente entre a China e os EUA possa ter influência negativa nas negociações? Nenhum de nós é ingénuo. Os acordos em torno do clima são também reflexo das boas relações que os países têm nesses mesmos momentos. E, nesse aspeto, Paris foi de facto um momento excecional. Mas eu não sei o que mais pode ser pedido no sentido da responsabilização dos Estados. Não sei que mais evidências são necessárias. A Turquia ratificou o Acordo de Paris depois dos trágicos incêndios deste verão. É óbvio que o ideal é que não fosse preciso haver incêndios para que isso acontecesse, mas a escatologia também dá, às vezes, um empurrão na direção certa. Xi Jinping ainda não confirmou a sua presença na COP. Se a China não for representada pelo seu Presidente, isso é logo à partida uma derrota para a cimeira? Logo à partida não é. Estamos a falar de um acordo multilateral, e a China tem os seus compromissos de redução de emissões. Se é indiferente o Presidente da China estar ou não estar? Não, não é. É muito importante que ele esteja, como é importante que todos os líderes mundiais estejam para dar o seu compromisso. Na COP de Copenhaga, em 2009, Barack Obama apareceu no final e acabou por perturbar as conversações, ao fazer acordos bilaterais, nomeadamente com a China, deixando a UE de fora… O papel do Presidente Obama foi essencial no Acordo de Paris. Mas Copenhaga foi um flop… E Quioto foi um acordo entre os ricos. As conclusões de Copenhaga são do mais básico paternalismo, com os ricos a dizerem aos outros o que estes deviam fazer. Por isso é que Paris é, de facto, tão excecional. O Laurent Fabius [presidente da COP de Paris] ficará para a História como o grande artífice do Acordo, que nasceu daquilo que é o entendimento dos povos e a evidência do lado da Ciência de que o planeta está a aquecer, mas o papel da diplomacia francesa merece todo o crédito. E acredita que a Europa vai conseguir falar a uma só voz ou alguns países do Leste Europeu poderão… De uma forma muito seca: sim, a Europa vai falar a uma só voz e já tirou as suas conclusões. Resumidamente, o que será um sucesso para esta COP26 e o que será um fracasso? Um sucesso será a conclusão do livro de regras no que diz respeito às ações voluntárias, à transparência… Será certamente um acordo em torno daquilo que são as necessidades de financiamento, reconhecendo que essas necessidades não podem ser só destinadas à mitigação mas também têm de incluir, e sobremaneira, a adaptação. E é garantir que todos os países vão entregar as suas NDC, o seu compromisso nacional, significativamente mais exigente do que as que apresentaram em Paris. O que os países europeus fizeram antes de Paris, e essa foi a minha estreia como ministro do Ambiente, foi uma luta sem quartel para que a União Europeia se comprometesse com uma redução de 40% das emissões até 2030. E agora, tendo havido de facto muita discussão, a luta foi menor, sendo nós muito mais ambiciosos: a nossa NDC passa de uma redução de 40% de emissões para pelo menos 55% em 2030. É esta expectativa que temos relativamente aos outros países, até porque: todos nos lembramos de que em Paris ficou acordada uma meta máxima de 2 QC e uma ideal de 1,5 QC. Porém, se somarmos tudo o que está em todos os compromissos voluntários, o planeta vai acabar por aquecer mais de 3 °C. Foi na presidência portuguesa da UE que se aprovou a Lei do Clima, que oficializa a neutralidade climática do bloco europeu em 2050 (e uma redução de 55% em 2030). Considera que esta foi uma vitória absoluta ou teria sido melhor se todos os Estados-membros ficassem comprometidos individualmente com as metas, em vez de ser um objetivo coletivo? A Lei do Clima é uma lei da Comissão Europeia e, portanto, tem de haver aqui um objetivo solidário. Por isso, só faz sentido que a lei se aplique ao conjunto dos países, os quais têm funcionado solidariamente com os 55% de emissões. Isso quer dizer que há países que vão ter uma redução de emissões superior a esse valor e outros nem tanto. Mas a discussão teve mais que ver com a neutralidade para 2050: se devia ser da União Europeia ou de cada um dos países. E o mandato que tínhamos do Conselho Europeu era muito claro: devia ser da União Europeia, numa perspetiva de solidariedade, visto que há países para os quais isso é extraordinariamente difícil, como Malta, Chipre… Mas vamos ter, em conjunto, emissões negativas a partir de 2050. Custa-me dizer que foi um absoluto sucesso, não é a minha linguagem, mas foi um sucesso muito grande. Somos o primeiro continente no mundo a comprometer-se com a neutralidade carbónica em 2050. É um fator de orgulho. Portugal foi o primeiro país do mundo a anunciar a neutralidade carbónica para 2050. Entretanto, já temos muita compaidiia, e vários vão mais longe: Áustria e Islândia apontam para 2040; Finlândia, 2035; Noruega, 2030. Não conseguimos ser mais ambiciosos? Ser neutro em carbono na Finlândia é muito mais simples do que em Portugal. Veja-se a dimensão florestal da Finlândia [as florestas atuam como sumidouro de C02]. Não há comparação prática… Mas podemos comparar-nos com a Áustria… … Agora, podemos é perguntar se Portugal pode ser neutro em carbono antes de 2050? Pode. Mas acho que não devemos andar sempre a mudar as nossas metas. Nós já reduzimos 26% das nossas emissões e temos de reduzi-las em 85% até 2050. Isto é um esforço enorme. Quando nós transformámos o Roteiro para Neutralidade Carbónica em três fatias de dez anos, nomeadamente através do PNEC, o Plano Nacional de Energia e Clima para 2030, dissemos coisas como esta: nós queremos chegar a 2030 com 8 a 9 gigawatts de eletricidade produzida a partir de fonte solar; há três semanas, a ERSE [Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos], de forma completamente independente (confesso só soube pelo jornal), disse que, com o que está em curso e licenciado, vamos atingir esse número em 2025. Quando fizemos o roteiro, dissemos que a refinaria de Sines tem de estar encerrada antes de 2040, e a GALP entregou-nos um documento técnico em que dizia ser impossível. Ora, fechou em abril de 2021… Dissemos também que deixaríamos de ter produção de eletricidade a carvão, em Portugal, a partir de 2023. Enganámo-nos: foi em 2021. A maior central, a de Sines, já está fechada e a do Pego fecha no dia 30 de novembro. As coisas estão a acontecer mais depressa. E eu quero acreditar que, quando se fizer a revisão do Roteiro para a Neutralidade Carbónica, dez anos depois de 2018, concluiremos que antes de 2050 já seremos neutros. Tem essa ambição? A ambição é enorme. É reduzir as nossas emissões em 85%! Isto faz-se sem o esforço de todos? Não. Faz-se com um investimento de dois mil milhões de euros a mais, além do business as usual, porque assim só reduziríamos as nossas emissões em 65%. Por outro lado, quando fizemos o roteiro, só tivemos em conta tecnologias que sabíamos maduras ou que estavam a amadurecer claramente. Pergunta: qual é a componente de eletricidade produzida a partir da energia das ondas ou das marés até 2050? Zero. Mas até 2050 vai haver certamente. Pensámos em aviões elétricos? Não. Pensámos em aviões mais eficientes, mas os elétricos vão aparecer, se calhar, em menos de dez anos. A tecnologia vai dar-nos uma ajuda para conseguirmos antecipar as metas de descarbonização. Está preparado para dizer aos portugueses que os combustíveis definitivamente não podem baixar, por causa dos nossos compromissos climáticos? Não, nem isso faz sentido. O preço dos combustíveis é ditado no mercado global, que obviamente tem mais que ver com a oferta do que com a procura. Não me atrevo a fazer previsões sobre o preço dos combustíveis. Eu insisto no seguinte: quanto mais dependermos da eletricidade e quanto mais eletricidade provir de fontes renováveis, mais seremos capazes de combater a crise da energia. Esta não devia, então, ser a altura de lançar programas mais ambiciosos para, por exemplo, apoiar a compra de veículos elétricos? O que são programas mais ambiciosos? Neste momento, €135 milhões estão a ser pagos no programa dos edifícios eficientes, para a melhoria da eficiência energética das habitações; €160 milhões estão a começar a ser pagos para o combate à pobreza energética, para que cem mil famílias possam fazer os seus investimentos e melhorar a eficiência energética das suas casas, para terem mais conforto e uma fatura energética mais baixa. Nós temos posto, a cada ano, cinco milhões de euros do Fundo Ambiental para o apoio à aquisição de veículos elétricos. Eu até já disse uma coisa que vai ao contrário da pergunta (mesmo que neste momento não seja muito oportuno dizê-lo, e estou disponível para pensar melhor): os apoios não devem crescer, porque o normal é que se banalize a aquisição dos veículos elétricos. Quando cheguei a ministro, só 1% dos veículos novos eram elétricos e, neste momento, são 16%. A verdade é que as pessoas que compram veículos elétricos são, na sua maioria, aquelas que têm maiores rendimentos. Não deveria ser criado um programa para ajudar as famílias com menores rendimentos a trocar de carro, uma vez que são elas as que têm mais dificuldades em pagar o combustível aos preços atuais? Foi coisa em que nunca pensei. Quem fixa o preço é o mercado, e nós estamos a apoiar a compra desse mesmo veículo. Parece muito complicado poder fazer isso, porque o veículo vai sempre custar o mesmo. Podia ser feito através de um cheque-veículo elétrico para essas famílias… Nós estamos a apoiar a 100% a eficiência energética nos edifícios. É aí que nós sentimos que devemos acudir. Ter um veículo, com todo o respeito, por muito importante que possa ser para muitas pessoas, é uma coisa menos emergente do que o conforto dentro de uma casa. Portugal está exposto às alterações climáticas em três domínios principais: erosão costeira, risco de incêndio, devido às ondas de calor, e falta de água. O que está a ser feito para se minimizar estes impactos – até para não se repetir, por exemplo, o que vimos na Alemanha, este ano, com inundações que pareciam impossíveis no país mais desenvolvido da Europa? Portugal está mais exposto do que a média europeia às alterações climáticas. Por um lado, por causa da seca no Sul do País e, por outro, pela subida do nível médio das águas do mar. Portugal perdeu 13 quilómetros quadrados de praias, nos últimos 30 anos! É um número impressionante. Não vou falar dos planos de contingência da Proteção Civil, mas sei o que devemos fazer para minimizar o efeito destes eventos: só usar soluções de base natural. Fizemos intervenções em mil quilómetros de rios e ribeiras, que são excelentes linhas corta-fogo, só com soluções de base natural; nas praias, deixámos de construir esporões e passámos a fazer recargas com areia e a reforçar os cordões dunares. E temos de ser muito rigorosos com os instrumentos de gestão do território. Não pode haver ocupação do leito de cheia. Eu sei bem o aqui-d’el-rei que foi há dois anos quando eu disse que, paulatinamente, as casas do Baixo Mondego teriam de ser deslocalizadas… Fui acusado de não ter coração. Mas, sim, temos mesmo de fazer recuar algumas das casas, não há volta a dar. Há planos para avançar com essas decisões que serão, naturalmente, impopulares? Relativamente ao Litoral, o Ministério do Ambiente tem mais responsabilidades. Os programas de ordenamento da orla costeira são executados por nós e têm, de facto, a previsão de recuo de um conjunto de casas que não pode estar aí. Estamos a falar de uma pequena parcela de Aver-o-Mar, na Póvoa do Varzim, de Pedrinhas, de Cedovém, em Esposende, em Paranhos, em Espinho… Alguns desses aglomerados têm de ser deslocalizados. O plano está aprovado. Quanto às margens das ribeiras, isso é diferente: aí já cabe muito às autarquias, que têm de respeitar os locais onde existem cheias. Infelizmente, o risco de cheias é cada vez maior. O facto de chover menos em Portugal não reduz em nada o risco de existência de cheias, porque a água, quando vem, vem toda de uma vez. Há alguma situação dessas, de catástrofe iminente, que lhe tire o sono? Não. Aquilo que fizemos vai ajudando. Todo o sistema de alerta, que não existia, ajuda-nos a perceber muito melhor, com horas de antecedência, uma eventual ocorrência de cheias. Além disso, a articulação com Espanha nos rios principais é hoje feita ao segundo. Outro problema desta transição, face às alterações climáticas, é que vamos reformular indústrias e criar disrupções no tecido económico. Isso nem sempre é compreendido pelas pessoas. Teme revoltas? Que as pessoas digam que este País tão pequeno está a ir depressa demais? Confesso que fico satisfeito quando me acusam de ir depressa demais. O meu sonho é ter um título no jornal a dizer: “O ministro do Ambiente defende o ambiente”. É a melhor acusação que me podem fazer. Esta transformação, que é essencial, tem de ser feita em democracia. E fazê-lo em democracia obriga a tomar medidas à procura da maior aceitação popular possível. Mas, primeiro, temos um bom começo: Portugal é o país da Europa onde as pessoas têm uma consciência mais aguda do que são as alterações climáticas. A escatologia dos incêndios de 2017 ainda está muito presente na nossa memória. Portanto, há uma base de aceitação popular para esta transformação. Segundo, apesar de os arautos do carvão, do petróleo e do gás natural continuarem a dizer que ambiente e economia estão de costas voltadas… Ou, enfim, o prof. Jorge Braga de Macedo dizer uma coisa inacreditável, que temos de ir com calma nisto da descarbonização… Bom, isto é, com todo respeito, uma palermice. Nós não podemos crescer com os instrumentos do passado, nem nos podemos reindustrializar pensando na utilização de combustíveis fósseis e de matérias-primas baratas. Manifestamente, a descarbonização é essencial para se criar emprego qualificado, riqueza e bem-estar. Aqueles que acham que o ambiente e a economia estão de costas voltadas não têm razão. É a investir na sustentabilidade que nós vamos fazer a economia crescer, e cumprindo com as nossas metas ambientais. Eu sei que às vezes pede-se ao ministro do Ambiente para não falar disto, que lhe fica bem ser agnóstico relativamente ao crescimento da economia. Eu não sou. Eu sou pelo crescimento da economia. E é investindo na sustentabilidade, em materiais que possam durar mais tempo, noutras formas de consumir e de produzir, na eletricidade a partir de fontes renováveis, em novas formas de mobilidade sustentáveis que a economia vai crescer e gerar empregos mais qualificados, numa sociedade cada vez mais exigente. Como podemos avançar na contabilidade carbónica das empresas – exatamente com o mesmo rigor com que olhamos para os seus relatórios de contas? Tenho muito boa opinião sobre o caminho que a indústria portuguesa está e vai fazer. A indústria está consciente de que, se não reduzir dramaticamente as suas emissões, vai ficar fora do mercado. Isso é muito claro. Gosto muito das conversas que tenho com os industriais, mesmo os daqueles setores mais pesados. Aliás, as verbas para o próximo ciclo comunitário, incluindo o PRR, destinadas à indústria são para a descarbonização e para o aumento da economia circular. É para aí que o dinheiro está canalizado, e também para a transição justa. É essencial criarmos aqui condições para, como aconteceu em Leça da Palmeira e em Sines, apoiar do ponto de vista social quem está nesses territórios. Noutros sítios, na indústria com muitas emissões mas que ainda está pujante, temos de ser capazes de apoiar essa mesma transformação para, por exemplo, deixar de ter um forno a fuelóleo e passar a ter um elétrico. É nessa transição que podem nascer as crises… Mas quem andar mais depressa é quem vai ter vantagem. A Europa lidera o mundo na transição digital? Não. Perdemos para os americanos e para os chineses. Mas é o continente mais comprometido com o combate às alterações climáticas, num compromisso com o cidadão, num compromisso político e num compromisso legislativo. E este vai ser mesmo o segundo driving force de transformação da economia no mundo. O PNEC prevê, até 2030, uma capacidade instalada de 7 GW de fotovoltaico centralizado (parques solares) e de 2 GW descentralizado (em edifícios e espaços urbanos). Mas já começámos a ver casos em que os parques chocam com os valores naturais, florestais ou agrícolas. Não faria sentido uma aposta maior no descentralizado do que no centralizado? Aquilo que vamos ocupar se fossem os 9 GW seria 0,15% do território. Conseguir 2 GW nos telhados das casas, nos parques de estacionamento, nos telhados das indústrias é mais difícil de conseguir 7 GW nas solar farms. Todos os investimentos são bem-vindos e necessários, e vamos ter um crescimento muito grande da produção de fotovoltaico nos prédios, nas coberturas das indústrias, dos armazéns e dos centros de logística. Mas é essencial termos uma capacidade concentrada de produção de eletricidade. Estes parques têm de ficar em algum sítio. E todos eles, quando têm mais de 50 megawatts, têm avaliação de impacto ambiental. Estive recentemente na inauguração do maior parque do País, num solo esquelético na serra do Caldeirão: são 300 hectares com imensos corredores verdes no meio, com ovelhas a fazer de sapadores, a comer a erva… O Roteiro para a Neutralidade Carbónica prevê uma diminuição significativa da área ardida. Mas os cenários das alterações climáticas para Portugal apontam para um aumento exponencial do risco de incêndio. Está a contar com um milagre ou tem um plano espetacular na manga? É verdade que a redução da área ardida se faz em condições progressivamente mais difíceis, mas ela é essencial para sermos neutros em carbono. Há países que têm sumidouros de origem geológica, superestáveis, mas o único sumidouro de Portugal é de origem florestal. Precisamos de garantir a redução da área ardida para assegurar a estabilidade dos nossos sumidouros. Acredito firmemente na política para a paisagem que temos definida. Portugal tem seis milhões de hectares de floresta, matos e pastagens, e nós sabemos que temos de intervir em 1,2 milhões, ou seja em 20% dessa área, para assegurarmos que conseguimos ter a paisagem-mosaico que contraria definitivamente os grandes incêndios. Portugal é um país de clima mediterrânico que vai ter sempre fogos. O que não podemos ter é grandes incêndios, e para isso temos de transformar a paisagem. É o que estamos a fazer com os planos de paisagem em curso. Um já está aprovado, e dele está a nascer um conjunto de áreas integradas de gestão de paisagem. Já há mais de 50 contratadas e temos dinheiro para pagar cerca de cem. Ora, não faz sentido pagar para plantar, só faz sentido pagar para plantar e gerir. Ou seja: todos os apoios que serão dados para a reflorestação de árvores autóctones têm de ser feitos sempre com a perspetiva de haver contratos a 20 anos para remunerar os serviços de ecossistema -para pagar o diferencial entre o rendimento bruto e aquilo que é o serviço público prestado. Aqui não se plantam eucaliptos, plantam-se outras árvores que vão ter menor rendimento, e o diferencial tem de ser pago. Aqueles que são responsáveis pelo ar puro que respiramos e pela água boa que bebemos têm direito a uma compensação financeira por esse encargo. Como vê Portugal daqui a 10 anos? Com menos costa? Com melhor floresta? Vejo um País que vai ter mais de 80% da sua eletricidade a ser produzida a partir de fontes renováveis; um País muito mais eletrificado e onde o preço da eletricidade será mais baixo. Vejo um País que inverteu o paradigma do eterno importador de energia para passar a ser um exportador de energia, nomeadamente de renováveis e de hidrogénio verde. Vejo um País que aproveitou o lítio para concentrar cá algumas indústrias de ponta no domínio da mobilidade elétrica. Vejo um País que vai consumir menos água do que consome atualmente. E sobretudo vejo Portugal como um país onde já houve alguma transformação de comportamentos relativamente à mobilidade, mas não tanto como podemos imaginar, num cenário como o do Espaço 1999, mas onde manifestamente a utilização do transporte coletivo e da mobilidade suave vai ser muito mais intensa do que é hoje. Mas vejo Portugal como um país em que as pessoas vão perceber realmente o valor do capital natural. Vão perceber que esse capital natural é essencial, entre outras coisas, para combater as zoonoses que resultam em pandemias como esta da qual ainda não saímos. A valorização do capital natural e da biodiversidade será mesmo o grande tema pós-Paris, pós-mitigação e adaptação. —— “Quem quiser confundir a crise climática com a crise energética está a confundir os portugueses” A ERSE propôs uma descida de 3,4% das tarifas da eletricidade. Como será possível esta descida? O que a sustenta? É possível por duas razões. Primeiro, porque o Governo colocou o dinheiro certo no sítio certo, no sentido de reduzir o défice tarifário e de contribuir com a alocação das verbas disponíveis, para que se pudesse baixar o tarifário de acesso às redes. Estas almofadas de €810 milhões têm esse objetivo. Mas também conseguimos chegar aqui pela grande aposta nas renováveis. Quem quiser confundir a crise climática com a crise energética está a confundir os portugueses. A crise energética é consequência de o gás estar a um preço muito elevado. A redução do preço da eletricidade decorre do facto de 60% já ser produzida a partir de fontes renováveis, que são a forma mais barata de se produzir eletricidade. Foi assim que conseguimos que a eletricidade, no caso dos consumidores domésticos do mercado regulado, reduzisse em 3,4%. Não sei o que vai acontecer no mercado não regulado, mas deverá acompanhar a tendência. O desconto de 10 cêntimos por litro até um máximo de 50 litros por mês é o bálsamo possível para se lidar com uma emergência? É, de facto, um desconto que tem o objetivo de ir à procura da justiça. No último ano, não houve nenhum aumento de impostos, mas, como o combustível está mais caro, o Estado teve uma maior receita de IVA. O que começámos por fazer foi devolver aos portugueses o IVA cobrado a mais, sob a forma de ISP. Agora, reconhecendo que os combustíveis têm atingido preços preocupantes, que complicam a retoma económica e dificultam a deslocação das pessoas, decidimos fazer este desconto de dez cêntimos por litro, não só para os particulares mas também para os transportes coletivos. Por que razão o Governo se decidiu pelo modelo do IVAucher, em vez de baixar o ISP? Muitos contribuintes, porventura os mais necessitados deste apoio, podem ter dificuldades em lidar com as burocracias eletrónicas, nomeadamente com o registo no site do IVAucher. Essa é uma decisão do Ministério das Finanças e foi certamente uma decisão ponderada. —– “Não consigo entender por que razão a palavra lítio se transformou num palavrão” Está preparado para a contestação à exploração do lítio? Não consigo entender por que razão a palavra lítio se transformou num palavrão. Estas pessoas sabem para que serve o feldspato? Usa-se na cerâmica. Existem neste país 30 e tal pedreiras de feldspato exatamente iguais às do lítio, e todos convivem bem com elas. O lítio é essencial para a digitalização e para a descarbonização. A reserva de eletricidade a partir de fontes renováveis faz-se essencialmente em baterias elétricas. Por isso, há de facto um bem público maior na exploração do lítio. Mas quer avançar com a extração de lítio? Este Governo não tem nenhum projeto de fomento mineiro, ao contrário do governo de Passos Coelho – inconsequente, mas teve. Temos um projeto metalúrgico: queremos pegar no metal, refiná-lo em Portugal, fabricar as células de baterias, reciclá-las, tirar da terra o mínimo lítio possível mas em quantidade suficiente. A Europa só tem 9% das suas matérias-primas críticas, ou seja: os outros 91% vêm de fora. A crise energética também é filha disso mesmo, desta enorme dependência. Em cada sítio vamos obviamente fazer uma avaliação do impacto ambiental, e em alguns sítios não haverá exploração de lítio, porque os bens ambientais locais são mais relevantes. O Governo não quer explorar o lítio a todo custo, mas tenho alguma dificuldade em ter respeito intelectual por quem, a todo o custo, não quer que se explore. Isso eu não consigo entender. Põe o lítio ao nível do sol e do vento como um bem que temos? Ponho, sim. Mas com uma diferença: a produção da eletricidade só é feita quando há sol e vento. Portanto, é essencial haver baterias para se poder armazenar energia. E isso só se faz com baterias a lítio