Jornal de Negócios
Passar de uma economia linear para um modelo circular é uma jornada que exige o esforço de toda a sociedade. Sucessivos governos, setores empresariais e consumidores são convocados a fazer a transição para o novo paradigma. Por cá, o plano está no papel e em execução desde 2017. Já os números mostram que temos um longo caminho pela frente. O mundo está em revolução para se tornar mais sustentável, numa corrida contra o tempo imposta pelas cada vez mais acentuadas alterações climáticas. Na trajetória mundial para uma economia circular, Portugal está a fazer o seu caminho, tendo implementado várias políticas e estratégias nos últimos anos para potenciar esta transição. O enquadramento político nacional para a economia circular é o Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal, aprovado em Conselho de Ministros em novembro de 2017, e cujo objetivo consiste em definir uma estratégia nacional para a economia circular assente na produção e eliminação de resíduos e nos conceitos de reutilização, reparação e renovação de materiais e energia. Porém, uma coisa são os planos, outra é a realidade acompanhar esses planos. No que toca à produção de resíduos per capita, por exemplo, dados do Eurostat mostram uma produção crescente de resíduos em Portugal, uma vez que em 2013 cada cidadão produzia 440 kg de lixo por ano e este valor foi sempre aumentando até 2019, quando atingiu os 513 kg per capita/ano, acima da média da UE, que é de 502 kg. Já no que toca à reciclagem, Portugal reciclou, em 2019, 28,9% dos seus resíduos, muito abaixo da média da UE, que no mesmo ano reciclou 47,7% dos resíduos. Temos de ter em conta que as metas europeias apontam para uma taxa de reciclagem de 55% em 2025, de 60% em 2030 e de 65% em 2035. Outro dado a reter prende-se com a taxa de circularidade – a percentagem de matéria-prima oriunda da reutilização ou reciclagem reintroduzida na economia. Em Portugal, é de apenas 2,3% e a média europeia é de 11,8%. Os números mostram-nos assim que o caminho é longo. Para Susana Fonseca, membro da direção da associação ambientalista ZERO, a reciclagem é uma componente vital na transição para uma economia circular, mas há muito mais a fazer: “Para conseguirmos ter um impacto real no combate às alterações climáticas será fundamental trabalharmos o conceito de economia circular no seu todo, e não apenas a dimensão do conceito que não implica mudança estrutural, como é o caso da reciclagem. Será fundamental agirmos na prevenção, reduzindo a quantidade de recursos que mobilizamos, garantindo que os produtos colocados no mercado estão pensados para serem duráveis, reparáveis, reutilizáveis, atualizáveis, passíveis de remanufatura, sem substâncias perigosas e de fácil reciclagem.” Empresas na dianteira A transição cria desafios, mas também oportunidades. O Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal estima 36 mil empregos diretos criados até 2030 relacionados com atividades de economia circular. Neste caminho desafiante, já há várias empresas e organizações que se conseguiram modernizar e transformar o seu modelo de negócio para se adequarem à economia circular. Sandra Rafael, investigadora do CESAM e do Departamento de Ambiente e Ordenamento da Universidade de Aveiro, dá conta de vários exemplos: “Ao nível das telecomunicações, por exemplo, desenvolveram-se alguns procedimentos em processos de recuperação e reutilização de equipamentos terminais. No setor agroalimentar, há já empresas que apresentam soluções para estimular a produção de hortícolas em ambiente urbano. Na indústria transformadora, destaca-se a substituição de materiais não renováveis por cortiça, um material de origem biológica.” Estas são apenas algumas referências, mas são já vários os agentes de mudança em plena ação em Portugal. Podemos encontrar vários exemplos de circularidade no portal Eco.nomia.pt, criado pelo Governo para ser um espaço de partilha de conhecimento e divulgação sobre o novo paradigma. Uma mudança em que todos são convocados. Mas para Andreia Barbosa, vice-presidente da associação Circular Economy Portugal, “é fundamental regular, fiscalizar e sancionar o funcionamento do mercado para que a reutilização dos materiais se torne a escolha económica certa para todos os atores. Enquanto os materiais virgens forem mais baratos e acessíveis, não há circularidade possível.” Além disso, para se mudar o paradigma, é preciso “criar empregos para o clima, que permitiriam acelerar a transição gerando postos de trabalho e oportunidades”, finaliza.