Jornal de Negócios
Mais procura e melhores salários. Empregos verdes vêm para ficar O mercado de trabalho vai mudar na próxima década. Enquanto algumas profissões se perdem, há novas a surgir: são verdes, com salários “chorudos” e com muita procura. Diana Gomes Secas, inundações e incêndios. Os alarmes têm soado sobre as consequências da crise climática e, além dos fenómenos ambientais, esta poderá causar a perda de 72 milhões de empregos até 2030. Mas nem tudo são más notícias: há 24 milhões de novos empregos a surgir nos próximos nove anos e a procura já está a aumentar (com salários a condizer). São os “empregos verdes” que, de acordo com a Comissão Europeia, “dependem do ambiente ou são criados, substituídos ou redefinidos (em termos de competências, métodos de trabalho, etc,) no processo de transição para uma economia mais verde. Em Portugal, as empresas começam a revelar essa necessidade e há já procura por profissionais especializados em sustentabilidade. Neste contexto, apostar numa carreira em sustentabilidade pode ser um tiro certeiro tendo em vista um futuro que se prevê mais “verde” e lucrativo. A área industrial (manufatura, alimentar ou energia) é tendencialmente aquela onde a procura por este tipo de perfis é maior, mas “há uma variedade crescente de empresas à procura destes profissionais, desde as áreas da construção civil, tecnologia, retalho até à banca”, afirma fonte oficial da empresa de recrutamento Randstad ao Negócios. Sublinha que, por enquanto, há poucas com experiência ou formação na área, o que leva a que haja “uma tendência para os salários serem mais altos do que em outros perfis”. Além de uma compensação financeira, há também o incentivo de alinhar com as prioridades da organização. Os candidatos são “cada vez mais criteriosos na escolha de uma empresa que tenha nas suas prioridades o tema da sustentabilidade”, segundo o grupo de recrutamento Egor. Procura vai da indústria ao setor financeiro O setor financeiro é um daqueles em que a procura aumentou, com gestoras de ativos a redirecionarem os investimentos e bancos a prepararem testes de stress com critérios ambientais, sociais e de governo de sociedades (ESG, na sigla em inglês). Desde consultores ambientais, analistas de risco ESG ou assistentes de investimento ESG a diretores de sustentabilidade: são muitas as funções pretendidas. Gonçalo Vieira foi uma das pessoas que viram neste novo mercado uma oportunidade de carreira. Apesar de ser um fator atrativo, não foi o salário competitivo o que mais pesou na hora de escolher a carreira como analista ESG. Inicialmente tinha sido contratado por uma empresa de investimentos para a área de Legal e Complicance, mas passadas poucas semanas foi-Die dada a oportunidade de participar na criação de unia estrutura ESG de raiz. “Aprendi muito durante esse processo e decidi, em seguida, aceitar o desafio para dar os meus primeiros passos enquanto analista ESG – e aqui estamos, passados três anos”, conta Gonçalo Vieira, ao Negócios. Entre as principais funções que desempenha está a realização de uma avaliação financeira com base em fatores ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês), tendo como objetivo, entre outras coisas, avaliar as práticas da entidade e reduzir os seus impactos sociais e ambientais. Formação académica limitada Para aprofundar o conhecimento em matéria de sustentabilidade. Gonçalo Vieira procurou a formação da Federação Europeia de Sociedades de Analistas Financeiros CEFFAS, na sigla em inglês), tornando-se certified ESG analyst (ou CESGA). Este novo programa – que resulta exatamente do aumento da procura por profissionais especializados – visa fornecer a “formação necessária para a avaliação, medição e integração eficientes de questões ESG na análise de investimentos”. Apesar da perspetiva de reforço dos empregos verdes, a formação académica é limitada. E as universidades parecem estar a ser lentas na resposta à tendência. Por um lado, poucas licenciaturas têm programas curriculares com cadeiras obrigatórias de sustentabilidade e, por outro lado, não existe ainda nenhuma licenciatura em sustentabilidade a nível nacional. “O que temos hoje são cursos para executivos (MBA), mestrados, pós-graduações que têm um custo elevado. Corremos o risco de não estar a preparar os jovens para o futuro, e apenas as elites com algum poder de compra se conseguem posicionar”, alerta Sofia Santos, economista especializada em finanças sustentáveis que coordena o programa executivo “Sustainability – A Corporate Journey” no ISEG. Em alternativa, há um curso executivo de Gestão Sustentável na Porto Business. Quanto a pós-graduações e mestrados, o ISEG oferece uma pós-graduação em Gestão de Sustentabilidade e o ISCTE um mestrado em Estudos do Ambiente e da Sustentabilidade, por exemplo. PRR dá pontapé de saída na transição climática Mesmo sem uma ampla oferta a nível formativo, a procura por profissionais especializados na área da sustentabilidade tem vindo a crescer, embora esse movimento seja menos acelerado do que no resto do mundo. Santos antecipa, ainda assim, uma “rápida” transição no mercado de trabalho. “Durante os próximos cinco anos haverá uma grande mudança principalmente se o dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) cumprir com a taxonomia e com os requisitos ambientais.” Para aceder às verbas comunitárias, o PRR português prevê que 47% do dinheiro tenha como fim a sustentabilidade ambiental. Além disso, qualquer projeto que receba dinheiro comunitário terá de medir impactos ambientais e de mostrar como está a contribuir para o ambiente, o que implicará que as empresas tenham uma equipa de profissionais especializados em sustentabilidade a trabalhar isso. “O PRR pode ter um papel importantíssimo na aceleração dos empregos verdes desde que, de facto, seja cumprido aquilo que está nas entrelinhas”, sublinha a economista. As legislações europeias em matéria ambiental são o “empurrão” que faltava para a transição climática e, consequentemente, também para o mercado de trabalho. Só as mudanças na produção e uso de energia com o objetivo de alcançar a meta de 2 ºc, prevista no Acordo de Paris, poderão levar à criação de cerca de 18 milhões de empregos verdes a nível mundial até 2030. A novas funções propriamente ditas poderá juntar-se uma vaga de substituição de antigas posições por outras ligadas à sustentabilidade. O aumento dos carros elétricos no parque automóvel poderá levar, por exemplo, à substituição dos mecânicos por engenheiros eletrotécnicos.