O Jornal Económico
Empresas de águas e resíduos admitem apresentar queixa contra o Estado
devido à medida que prevê o financiamento de resgates de concessões.
A Associação das Empresas Portuguesas
para o Setor do Ambiente
(AEPSA) está a estudar a possibilidade
de avançar com uma queixa
na Comissão Europeia contra o
Estado português. A razão? Uma
medida que consta da proposta do
Orçamento do Estado (OE) para
2021 que prevê empréstimos pelo
Fundo de Apoio Municipal (FAM)
para “pagamento a concessionários
decorrente de resgate de contrato
de concessão de exploração e
gestão de serviços municipais de
abastecimento público de água, de
saneamento de águas residuais ou
de gestão de resíduos urbanos”.
“Esta situação, da qual não se conhece
paralelo noutros países da
comunidade europeia, de estrangulamento
de um setor gerador de
riqueza nacional que dá emprego a
milhares de trabalhadores e onde
grandes grupos económicos internacionais
fizeram avultados investimentos,
é de todo insustentável”,
disse ao Jornal Económico (JE) o
presidente da direção da AEPSA,
Eduardo Marques. “A associação
está a ponderar o envio de uma
queixa a Bruxelas contra o Estado
Português, como já fez no passado,
também por razões de concorrência,
e onde obteve total sucesso”,
segundo o responsável.
A proposta estabelece que o empréstimo
pode ser concedido desde
que se verifiquem várias condições,
incluindo que o resgate “determine
a extinção de todas as responsabilidades
do município para
com o concessionário”; que o empréstimo
para resgate seja precedido
de “parecer do membro do Governo
responsável pela área das finanças”;
que a “verba destinada ao
pagamento do resgate esteja refletida,
por um valor igual ou superior,
na conta do município relativa
ao exercício de 2020”.
Os empréstimos podem ter a
duração máxima de 35 anos e podem
ser recusados pelo ministro
das Finanças se “concluir que as finalidades
para as quais o FAM foi
criado não se coadunam com a
concretização do referido empréstimo
e o prejudicam”.
Analisando a medida, o líder da
AEPSA considera-a “lesiva dos interesses
nacionais. Vai no sentido
da extinção de um setor económico
com mais de 25 anos, que investiu
mais de 1,2 mil milhões de euros
no abastecimento de água e saneamento
em Portugal”.
Para Eduardo Marques, esta medida
“é uma forma errada de utilização
de fundos públicos que, não
reduzindo tarifas, é potenciadora
da degradação da qualidade do serviço
e corresponde apenas a uma
antecipação dos cash-flows futuros
previstos contratualmente para
pagamento das indemnizações
consequentes de resgates”. O líder
da AEPSA também alerta para os
“custos reputacionais e de perda de
confiança” dos “financiadores internacionais
que investem globalmente
nestes setores de capital intensivo,
e numa época em que se
preveem necessidades muito avultadas
de investimento” devido a
“fenómenos como o aquecimento
global”.
Por sua vez, o ministério do
Ambiente, que tutela o setor das
águas, disse que não tem “competências
na gestão do Fundo de
Apoio Municipal”, destacando que
“orçamentos anteriores incluíram
disposições semelhantes, com vista
a apoiar municípios que pretendessem
exercer o direito de resgate
de concessões de serviços públicos
de água ou saneamento de águas
residuais”.
O caso mais recente de resgate
de uma concessão teve lugar em
setembro. A câmara municipal de
Paredes, no distrito do Porto, decidiu
resgatar a concessão de água à
empresa Be Water, prevendo pagar
22,5 milhões de euros pelo resgate
e agora aguarda pelo parecer
do regulador ERSAR. Já a empresa
admite que pode vir a avançar para
tribunal exigindo uma indemnização
que pode atingir os 200 milhões
de euros.
“O município já tinha uma dívida
grande connosco. Desde 2015
até agora, [as tarifas] nunca foram
ajustadas à inflação e subiram os
preços da energia e do custo de
água em alta comprada à Águas de
Portugal. O presidente da câmara,
para poder diluir isso, pediu-nos
um plano de redução de investimentos
no sul do concelho, para
poder haver uma acentuação menor
em termos de aumento de preços.
Mas isso foi pedido por ele,
não fomos nós”, disse Alberto Carvalho
Neto, administrador da Be
Water ao JE a 23 de outubro.
“O presidente da câmara fala em
22,5 milhões, mas se assinámos
contrato em 2001 e se ele nunca
cumpriu o aditamento [datado de
2008], por que razão é que nos vamos
focar no aditamento? Porque
é que não nos focamos no contrato
inicial? Se nos focarmos no contrato
inicial, o valor da indemnização
total ronda os 200 milhões de
euros”, segundo o administrador.
Por sua vez, a autarquia de Paredes
(PS) disse que em 2008 “houve
o compromisso da Be Water de fazer
35 milhões de euros de investimento
para se estender a cobertura
do saneamento a 100% do concelho,
mas só fizeram 3,7 milhões”,
disse Alexandre Almeida ao JE. O
autarca argumenta que quando o
seu executivo assumiu funções em
2017, foi “confrontando com a Be
Water para fazer novo aditamento”,
o que passava por ficar somente
com as freguesias do norte do concelho.
“Não chegámos a acordo
porque a Be Water queria mais aumentos.
Se não houvesse só faziam
5,2 milhões de euros de investimentos
nos próximos 15 anos, o
que era praticamente manter a
rede, sem mais investimentos. Não
houve forma de chegar a acordo”. ●