Os recursos humanos assumem um papel determinante em toda a atividade económica não sendo o setor da água uma exceção. Esta relevância elege estes recursos como um dos ativos que as entidades gestoras devem acompanhar com grande proximidade, compreendendo a sua influência no contexto interno e externo, sendo uma dimensão integrante da sua estratégia e missão. Tal como os ativos infraestruturais que requerem uma adequada manutenção e reabilitação quando as condições de desempenho não são as ideais, também os ativos humanos necessitam de uma cuidada análise quando se trata da sua renovação.
Se quisermos traduzir, ou acompanhar, a saúde de determinada organização quanto à garantia que se mantém o conhecimento consolidado ao nível das equipas, departamentos e, em última instância, da organização como um todo, é possível estabelecer, como exercício de partida, que cada colaborador tem, no limite, uma vida útil profissional. De forma simplista, e sem entrar em linha de conta com curvas de aprendizagem, esta vida útil corresponde ao tempo que medeia a idade em que o colaborador está preparado para o início das suas funções e a idade de aposentação. A título exemplificativo e para a categoria de engenheiro será a idade de aposentação menos a idade em que foi obtida a graduação. Naturalmente, este raciocínio pode ser extrapolado para outras categorias profissionais, designadamente, encarregados, eletromecânicos, eletricistas, canalizadores, entre outras.
Nas entidades gestoras, e se tivermos em linha de conta categorias profissionais que são relevantes para o cumprimento da missão destas organizações, entendendo-se por relevantes as categorias com maior grau de especialização e com curvas de aprendizagem mais lentas, poderá avaliar-se o tempo que necessitamos para dotar a organização com um novo elemento, seja ele incorporado por via de um recrutamento ou por via de uma promoção de uma categoria com menor especialização. O referido período pode ser comparado com o tempo que o recurso a substituir tem até ao final da sua vida útil profissional; em caso do primeiro ser superior ao segundo, considerando um único elemento, estaremos então perante uma “falência” desta categoria profissional; entendendo-se por “falência” a não prestação do serviço inerente à categoria profissional em causa ou à deterioração do nível de serviço. Esta análise foi conduzida num número significativo de entidades gestoras, essencialmente para categorias mais especializadas, tendo sido obtido o resultado de uma iminente “falência” em muitas das situações analisadas.
Refira-se que, como sabemos, as entidades gestoras de serviços de águas são usualmente organizações que atuam operacionalmente ao nível local. Caso se cruzem as pirâmides demográficas locais com as condições financeiras que podem ser asseguradas para equilibrar as expetativas dos candidatos, com custos que são passíveis de ser suportados pelas organizações, somos forçados a encarar o mercado de trabalho mais alargado, com a inerente dificuldade em motivar e promover condições para que o sucesso destes processos de recrutamento possa acontecer; dadas as naturais dificuldades que decorrem da deslocação das pessoas. Se acrescermos a tudo isto as dificuldades no processo de contratação quando estão em causa entidades públicas, estaremos então, certamente, com um problema mais sério para resolver. Em muitas regiões i) começa a ser difícil ter um universo significativo nos escalões etários em que, em princípio, a população é ativa, dado o seu envelhecimento, ii) as condições financeiras compatíveis com a grande maioria das funções que podem estar em causa não são adequadas com a procura num mercado de trabalho mais alargado e iii) não há, em muitos casos, formação técnico-profissional local que possa catalisar ou acelerar o processo, remetendo todo este processo para a esfera das entidades gestoras.
Naturalmente que muitas das categorias profissionais podem ser vistas numa perspetiva de externalizar o processo a terceiros, via outsourcing, no entanto, se se quiser manter a identidade e uma cultura organizacional há uma parte importante do processo que deve ser interno, pois parte do conhecimento tem de fazer parte da genética das entidades. Assim, é muito importante trabalhar quer ao nível da caracterização do panorama atual dos recursos humanos nas entidades gestoras quer ao nível do planeamento do que já não é um tema de médio-longo prazo.
João Pedro Faria Feliciano, licenciado em engenharia civil, pós-graduado em hidráulica e recursos hídricos e doutorado em engenharia civil, pelo Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa. Complementou a sua formação em gestão com o MBA lecionado pela Porto Business School e, mais tarde, com o “High Performance Leadership Program” pela Universidade de Oxford. Iniciou as suas funções profissionais na área do projeto de estruturas hidráulicas e da consultoria de engenharia. Em 2000 migrou para a hidráulica urbana tendo assumido funções de Direção Técnica numa concessionária municipal de serviços de água. Foi, de 2001 a 2005, coordenador de projeto num dos Sistemas Multimunicipais do Grupo Águas de Portugal. Colabora, desde 2005, com a AGS onde teve funções de Direção Geral numa das suas concessionárias, foi coordenador em 2006/07 da atividade da AGS no Brasil e, posteriormente, Diretor de Engenharia. Na AGS coordenou atividades integradas em programas e/ou projetos de investigação, maioritariamente com o Laboratório Nacional de Engenharia Civil e com o Instituto Superior Técnico. Atualmente, e desde 2014, desempenha funções de CEO da AGS, sendo igualmente membro do Conselho de Administração de várias empresas do Grupo.