A associação de utilizadores que tem gerido o sistema de saneamento de Alcanena disse hoje que “está a exercer todas as ações”, incluindo judiciais, para que o resgate da concessão não se concretize no próximo sábado, como previsto.
O diretor-geral da Associação de Utilizadores do Sistema de Tratamento de Águas Residuais de Alcanena (AUSTRA), Carlos Martinho, disse à Lusa que, além da ação desenvolvida junto do Governo (Ministérios do Ambiente, da Economia e dos Negócios Estrangeiros), foi igualmente desencadeada a constituição de um tribunal arbitral e interposta uma providência cautelar para evitar que se concretize o resgate da concessão deliberado pelos órgãos municipais de Alcanena.
Num processo iniciado em fevereiro de 2018, a Câmara de Alcanena criou uma empresa municipal, a Aquanena, para gerir os sistemas de abastecimento de água (com concessão à Luságua em vigor até outubro) e de saneamento (que levou ao resgate do contrato de concessão com a AUSTRA que terminaria em 2024), bem como para a manutenção de espaços verdes, limpeza urbana e gestão das linhas de água.
A presidente da Câmara de Alcanena, Fernanda Asseiceira (PS), disse à Lusa que a decisão teve por base um parecer da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), datado de 2016, sobre a impossibilidade de associações de utilizadores serem entidades gestoras, pelo que foi invocada a questão legal e também de interesse público para justificar o resgate antecipado.
A decisão mereceu, desde o início, a oposição dos industriais de curtumes (que integram a AUSTRA), alegando estes que a decisão é de natureza “política” e se “escudar numa pretensa ilegalidade”, pois o parecer da ERSAR apenas diz tratar-se de uma situação “atípica”, cabendo aos tribunais decidir sobre a legalidade.
Gonçalo Santos, secretário-geral da Associação Portuguesa dos Industriais de Curtumes (APIC), afirmou à Lusa que é o futuro do setor que está em risco, pois a decisão do município põe em causa a competitividade e toda a aposta feita na economia circular.
Frisando que o setor exporta diretamente 40% da sua produção (sem contar com o peso na industria do calçado), tendo entre os seus clientes marcas mundiais do setor automóvel e da moda, Gonçalo Santos afirmou que a solução encontrada pelo município pode pôr em risco estes contratos, se a nova entidade gestora não cumprir com as declarações ambientais que são impostas à indústria por esses compradores.
“Há razões para estarmos preocupados”, disse o dirigente da APIC, dando o exemplo da obra na Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) exigida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) num prazo de 180 dias, para cumprir os valores de emissão para o meio hídrico (de que dependem as licenças de descarga e a consequente declaração de conformidade ambiental), e para a qual afirmou que a AUSTRA já tinha financiamento.
Apontou ainda o receio de que a mudança de entidade gestora e a classificação da ETAR, não como industrial, mas como urbana, venha a implicar a obrigatoriedade de, ao invés de um sistema único, cada fábrica vir a ser obrigada a ter o seu próprio sistema de tratamento, igualmente com implicações na competitividade das empresas.
Fernanda Asseiceira acusa os industriais de “dramatismo sem qualquer fundamento”, assegurando que “em termos práticos não têm que alterar nada”, pois o atual regulamento vai continuar em vigor até que seja “construído um novo, em conjunto”.
“Não vejo nenhum motivo para este dramatismo, a não ser que haja informação que não esteja na nossa posse”, declarou, assegurando que a empresa municipal, para a qual já transitaram todos os trabalhadores, com um “reforço técnico da equipa”, irá fazer “todos os investimentos que se revelem necessários”.
Sublinhando que a AUSTRA foi constituída como associação sem fins lucrativos e que contou com apoios do Estado e comunitários para requalificação de um sistema que data da década de 1980, Fernanda Asseiceira lamentou que, desde o início da concessão, não tenham sido feitos os investimentos “que eram sua obrigação” e que tenham começado a ser anunciados quando se colocou a questão da transição para a esfera municipal.
Para a autarca, os industriais têm vindo a “dificultar o processo” por não quererem “abdicar de uma posição de controlo” e reafirmou que o município “tem toda a legitimidade para exercer uma competência que é sua”.