Expresso Projeto da Junta de Freguesia de Alcântara permite poupar €8 mil euros por ano e pode ser replicado A água sai da mangueira ligada ao camião com a mesma transparência com que sai da torneira das casas lisboetas. E sem cheiro. Porém, o líquido que agora serve para lavar ruas e regar canteiros na freguesia de Alcântara, em Lisboa, não vem de nenhuma boca de incêndio de água potável, mas da vizinha estação de tratamento de águas residuais (ETAR) de Alcântara, gerida pela Simtejo. “Temos de ser racionais no uso de recursos e seria um desperdício não reutilizar esta água que iria simplesmente parar ao Tejo”, sublinha David Amado. O jovem de 35 anos, que preside à Junta, quer ver “o modelo replicado noutros locais” e fazer de Alcântara “uma freguesia mais verde e a que mais recicla água no país”. Além da preocupação ambiental, Amado tenciona poupar no orçamento. “O valor estimado de poupança ronda os €8 mil por ano”, calcula. Pode não parecer muito, mas com este dinheiro diz que consegue “ter um fundo de emergência social só da freguesia e, assim, ajudar pelo menos 80 famílias quando falham no pagamento da água ou da luz”. Além disso, sublinha, “é um desperdício utilizar nas ruas e jardins a excelente água potável fornecida pela EPAL. E as pessoas nem notam que vem do esgoto”. A água do esgoto passa por um processo de tratamento que decanta os sólidos, depois usa bactérias para remover a matéria orgânica e, por fim, é desin- fetada com raios ultravioleta. É preciso algum cuidado no seu manuseamento e os funcionários da limpeza urbana tiveram formação específica para lidar com o novo recurso. “Agora já não podemos beber da mangueira, nem tomar banho num dia quente de verão e temos de usar luvas”, ri-se Ricardo, enquanto rega o novo miradouro do Alvito. E, acrescenta: “Assim não se desperdiça para o Tejo”, onde chega menos tratada. Não se inventou a roda A ideia da parceria entre a freguesia e a empresa Simtejo (que gere o saneamento dos municípios de Amadora, Lisboa, Loures, Mafra, Odivelas e Vila Franca de Xira) surgiu há meia dúzia de meses, após as cheias que fizeram saltar peixes das tampas de esgoto em Alcântara, e relembrar que quando chove muito não há caneiro, nem ETAR que dê vazão ao dilúvio. Mas David Amado reconhece que “não inventou a roda”. Os principais eixos da cidade de Lisboa, como a Avenida da Liberdade ou o bairro de Cheias também são lavados com água de esgoto reciclada, há uns anos por iniciativa da Câmara. Esta “é uma realidade em crescendo”, defende o vereador da Estrutura Verde, José Sá Fernandes. “Na frente ribeirinha está prevista a abertura de uma rede de água reciclada para este fim”, adianta, mas ainda não é possível fazer o mesmo em toda a cidade, onde se recorre a bocas de incêndio e autotanques com água potável. Em Portugal apenas 0,1% da água residual é reutilizado di- retamente para outros usos, segundo o plano estratégico PENSAAR 2020. “Este valor está aquém dos objetivos traçados pelo documento estratégico anterior, que apontava para que se chegasse a 10% de água reciclada, em 2015”, afirma António Frazão, administrador da Simtejo. O responsável operacional da empresa defende este caminho, mas lembra que “os investimentos são muito altos e para amortizá-los sem aumentar as taxas de saneamento é preciso ir buscar financiamento a fundo perdido e o novo quadro de fundos comunitários prevê verbas para estes fins”. A maior parte da reutilização de água do esgoto tratada em Portugal é feita pelas próprias ETAR, como acontece na de Alcântara que assim rega os três hectares de espaço verde que cobrem o edifício. O mesmo fazem outros sistemas do grupo Águas de Portugal, “adotando soluções de minimização dos consumos de água”, indica fonte oficial da AdP Além da rega, a água reciclada serve também para lavagem de pavimentos e equipamentos ou descargas em instalações sanitárias. Também há outras entidades a comprar água de esgoto reciclada para rega de espaços verdes, como fazem as câmaras da Guarda ou de Mafra, ou de campos de golfe, como acontece em Faro e Albufeira. Outro exemplo é o uso deste