O setor da água esteve presente, nestes dias, na COP 24 (24.a Conferência das Partes para a Ação Climática), numa sessão especial em que interveio o novo presidente eleito do Conselho Mundial da Água, Loic Fauchon, apresentando a nova estratégia da organização para responder à chamada “crise da água”, cuja implementação se focará nas seguintes áreas: Segurança Hídrica, Acesso à Água e Saneamento, Energia, Saúde e Educação, que o conselho de governadores, também recém-eleito, designou The Five Fingers Alliance (Aliança dos Cinco Dedos), afirmando assim a necessidade de uma intervenção integrada baseada neste nexus de estreita interligação.
O que está em causa é uma preocupação crescente sobre as reais disponibilidades de água, mais erráticas e incertas, expressas em indicadores que nos informam que até 2050 as cidades disporão de menos de 2/3 da água que dispunham em 2015, mas que não abrandará o crescimento populacional, aumentando exponencialmente as necessidades de água. A “escassez” estender-se-á à África Central, Ásia Oriental e piorará no Médio Oriente, Sahel, Sul da Europa e Bacia do Mediterrâneo, pelo que acompanho a formulação de que, independentemente da disponibilidade total e efetiva em água no Planeta, as secas tornar-se-ão um dos desafios mais complexos com que se defronta hoje a Humanidade (Miguel Miranda, presidente do IPMA).
A necessidade de ser mantida a qualidade das massas de água superficiais disponíveis agrava os cenários de escassez e incerteza quanto às disponibilidades, que se perfilam naquelas e outras regiões do Mundo, e o grande impacto na agricultura, com menores recursos para irrigação que no presente, em consequência da competição entre os seus diferentes usos. A ação combinada da elevação do nível do mar, do aumento da temperatura média, da redução da precipitação e do aumento da frequência dos episódios meteorológicos extremos irá ter efeitos potencialmente devastadores nos recursos em água doce, nos serviços dos ecossistemas terrestres e marinhos e na segurança alimentar.
Os impactos mais negativos refletir-se-ão, obviamente, sobre os mais pobres, dependentes da agricultura alimentada pelas chuvas, e vivendo em zonas mais vulneráveis a inundações, águas contaminadas e falta de saneamento básico. Provocará mais migrações (refugiados da água) e mais conflitos locais e regionais, tendendo a alastrar a uma escala superior. Os “custos da inação” são (e serão) sempre mais onerosos que os investimentos a realizar. Só boas políticas, um novo pensamento e novos paradigmas poderão alterar/neutralizar estas tendências. Assim, em países do Sul da Europa como Portugal, perante a necessidade de melhorar a gestão dos recursos hídricos em ambiente de “escassez” e “incerteza”, reforça-se a urgente atenção à necessidade de adequada preparação do Estado, das entidades gestoras, do setor da água, em geral, e dos cidadãos, para os fenómenos extremos que já defrontamos e que poderão vir a transformar a água em um “recurso raro”. Assumir também o papel incontornável do armazenamento e regularização de caudais no planeamento macro de recursos hídricos, como forma de reforçar o “valor da água” e garantir a “segurança hídrica” como fator de garantia das disponibilidades para os diferentes usos e promoção do desenvolvimento económico.
Torna-se urgente reavaliar todos os parâmetros de abordagem que concorrem para garantir a “resiliência” dos sistemas de abastecimento de água, drenagem e saneamento de águas residuais, tão flagrantemente posta em causa na situação verificada no ano de 2017, em diversas regiões do país.
Estabelecer, portanto, como primordial objetivo estratégico garantir a “segurança hídrica” do país, com o indispensável enfoque nas estruturas regionais públicas de gestão de recursos hídricos, restaurando a Autoridade Nacional da Água como entidade autónoma. Promover o envolvimento dos utilizadores nos processos de decisão e tornar a água uma preocupação de todos, promovendo a participação e a ação dos decisores, especialistas e utilizadores, como defende o Conselho Mundial da Água. Finalmente, tornar em permanência o seu planeamento, desenvolvimento e gestão parte integrante da agenda política.
Presidente do conselho directivo da APDA – Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas; membro do conselho de governadores do Conselho Mundial da Água
O que está em causa é uma preocupação crescente sobre as reais disponibilidades de água
Rui Godinho