Há uma crescente presença de compostos farmacêuticos nas águas residuais urbanas com riscos de entrada na cadeia alimentar.
António Pereira da Cunha Portugal realizou um esforço considerável na ampliação da rede de abastecimento de água, na melhoria da sua qualidade e na concretização de sistemas de tratamento das águas residuais, num desafio que mobilizou o setor público e os privados. Os patamares de progresso que atingimos são sistematicamente confrontados com renovados desafios de sustentabilidade, de renovação das infraestruturas e da emergência de novas realidades geradas pelos seres humanos, pelo meio ambiente ou por um conjunto de conjugações expressas nas alterações climáticas. Estas circunstâncias determinam uma crescente exigência na abordagem das questões e na concretização de soluções centradas nas pessoas, nos territórios e na sustentabilidade das opções integradas. Não é possível pensar no sistema sem questionar o volume de perdas de água, como não é desejável vangloriamo-nos com os níveis de qualidade e segurança da água sem ter em conta de que existe uma malha fina dessa avaliação que precisa de ser tida em conta: a da presença de medicamentos, drogas e bactérias multirresistentes nas águas residuais que, em meio hídrico, poderão ser incorporadas na cadeia alimentar e na água destinada à ingestão humana. A verdade é que nem a legislação europeia e nacional tem um nível de integração que contemple a avaliação desta malha fina da qualidade da água, nem existe uma investigação sustentada e uma adequação tecnológica das Estações de Tratamento de Água (ETA) e das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) que permita despistar e tratar as baixas concentrações de fármacos e substâncias que, quando acumuladas no organismo humano, implicam riscos relevantes de desregulação endócrina ou da mutagenética.O que está em causa é sobressaltar as consciências comunitárias e os decisores de que existem realidades mais complexas que impõem novas abordagens no tratamento de um bem tão vital para a vida como é a água. Este é um desafio integrado, devemos agir nas causas e intervir nas consequências. Nas causas, estão as descargas das indústrias farmacêuticas, as unidades de prestação de cuidados de saúde e todos nós que ingerimos medicamentos, cada vez mais complexos e aproximados das patologias, que depois de metabolizados pelo nosso organismo geram dejetos com substâncias farmacológicas, presentes nas águas residuais. Há, pois, desafios que se colocam à indústria farmacêutica, na geração de fármacos com moléculas de menor persistência ambiental, aos cidadãos com maior consciência dos impactos ambientais da toma de medicamentos, aos decisores políticos e ao setor da água e dos resíduos através de uma adequação das estações de tratamento a este patamar superior do tratamento e da avaliação da água e dos resíduos. Como desafio integrado teremos de mobilizar vontades, consciências sociais, conhecimento da comunidade científica e investimento para as adaptações tecnológicas das ETAs e das ETARs.Há uma crescente presença de compostos farmacêuticos nas águas residuais urbanas, que, por essa via, após o tratamento com as soluções tecnológicas instaladas, persiste nas massas de água com riscos de entrada na cadeia alimentar e de acumulação nos seres vivos por acumulação da ingestão de água com presença de substâncias microcontaminantes não detetadas pelas atuais análises e avaliações.O país e o mundo que têm vindo a despertar para a relevância dos impactos do plástico na saúde e no meio ambiente, precisam de ter consciência de que existe um risco com a persistência e acumulação de pequenas quantidades de fármacos nas massas de água para abastecimento e nas águas residuais que precisam de ser monitorizados, ter os seus impactos avaliados e suscitar as adequadas soluções técnicas. A realidade existe, a sua avaliação precisa de ser aprofundada e todos temos de ser parte da construção de soluções, a bem de todos nós e do planeta em que vivemos.O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico Continuar a ler