Comissão apresentou 50 medidas para que europeus mudem de estilo de vida e se atinja a neutralidade carbónica até 2050
Úrsula pede que os europeus mudem estilo de vida para proteger o planeta
Presidente da Comissão desvendou o roteiro do Pacto Ecológico Europeu. São 50 acções para 2050, ano em que a Europa se tornará o primeiro continente a atingir a neutralidade climática
O Pacto Ecológico Europeu (Green Deat) que a presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, prometeu aos europeus para transformar a economia do continente e alcançar a neutralidade climática em 2050 prevê a mobilização de um montante até 100 mil milhões de euros para o novo Mecanismo para a Transição Justa das regiões dependentes dos combustíveis fósseis que ficará sob a alçada da comissária para a Coesão e Reformas, Elisa Ferreira.
“Uma parte crucial do Pacto Ecológico Europeu é o Mecanismo para a Transição Justa, que vai combinar dinheiro público e dinheiro privado. Temos a ambição de mobilizar 100 mil milhões de euros para apoiar as regiões e sectores mais vulneráveis: queremos certificar-nos que ninguém fica para trás e que esta mudança de paradigma se faz de forma justa e funciona para todos”, declarou Úrsula von der Leyen.
O dinheiro ficará acessível através de um novo fundo europeu para a Transição Justa, que será inscrito no próximo Quadro Financeiro Plurianual, mas cujo modelo e envelope financeiro ainda não está fechado; de uma linha dedicada no âmbito do fundo sucessor do antigo Plano Juncker para a promoção do investimento, o InvestEU, alavancado pela Comissão e pelo Banco Europeu de Investimento; e ainda pelo financiamento com capitais próprios do BEI.
O novo fundo para a Transição Justa deverá arrancar com um montante reduzido (a Comissão não adiantou ainda qual o valor que está a considerar), que será reencaminhado do orçamento dos fundos estruturais no próximo quadro financeiro plurianual. A comissária portuguesa preferia que o fundo se constituísse com “dinheiro novo” para não ser preciso desviar verbas dos programas de desenvolvimento regional da política de coesão. “Eu, pessoalmente, estou a tentar que não se vá buscar aos fundos de coesão”, revelou Elisa Ferreira na entrevista que concedeu ao PÚBLICO. “Este novo fundo é um extra que deve somar-se aos fundos estruturais, precisamente para atacar aqueles problemas mais graves da Europa Central, onde há regiões que vivem das minas ou de indústrias muitíssimo poluentes, que se alimentam a carvão”, afirmou.
Como explicou ao PÚBLICO uma fonte da Comissão envolvida no projecto deste novo mecanismo, para o tornar mais atractivo, os candidatos vão ter acesso, além de ao dinheiro, à assistência técnica dos especialistas dos vários organismos comunitários. E, para a execução dos seus projectos, poderão beneficiar de uma “flexibilização” das regras relativas às ajudas de Estado. “A flexibilidade não será aberta, mas sim enquadrada em planos de transição que terão de ser aprovados pela Comissão”, ressalvou.
50 acções para 2050
O novo mecanismo para a transição justa é um dos “50 passos concretos” enumerados no roteiro desvendado ontem pela presidente da Comissão Europeia e o seu “czar” para o Clima, o vice-presidente executivo, Frans Timmermans. Os outros passos têm que ver com a definição de novas estratégias para o desenvolvimento do sector industrial; para a mobilidade e a gestão de resíduos nas cidades, ou para a reconversão da produção agrícola e das florestas – mais árvores, menos fertilizantes e pesticidas químicos. Também há medidas para reduzir e mitigar a poluição do ar, da água e do solo e iniciativas para duplicar (e desejavelmente triplicar) o actual ritmo de reconversão energética dos edifícios ou instalar um milhão de pontos públicos de abastecimento para carros eléctricos até 2025.
“Esta proposta não é o ponto final de um trabalho, mas o início de um caminho comum”, observou Von der Leyen, que definiu a aprovação do Green Deal como “o momento do homem na Lua para a Europa”. “Há 70 anos os europeus investiram no carvão e no aço, e isso possibilitou uma reconciliação histórica e um milagre económico”, salientou a nova líder europeia. “Hoje, estamos a investir em renováveis e em algoritmos. É para isso que o Green Deal serve, para reconciliar a nossa economia, e a forma como produzimos e como consumimos, com o planeta”, justificou.
A presidente da Comissão tem consciência do que está a pedir aos europeus: que “mudem o seu estilo de vida para proteger o ambiente em que vivem”. “Não vai acontecer do dia para a noite”, reconheceu Von der Leyen, que pediu tempo e solidariedade, e exigiu “legislação ambiciosa”, bem como recursos financeiros para concretizar todas as medidas previstas. “Precisamos de um novo quadro financeiro plurianual que responda ao desafio”, sublinhou.
Neutralidade carbónica
“O Pacto Ecológico Europeu não é só sobre emissões”, sublinhou Von der Leyen, mas essa é a pedra-de-toque de toda a estratégia revelada ontem. A Comissão tem uma visão da Europa como o primeiro continente a atingir a neutralidade climática – e de si própria como a pioneira nessa revolução. “Assumimos hoje o compromisso de a Comissão alcançar a neutralidade climática já em 2030 e convido o Parlamento e o Conselho Europeu a fazer o mesmo”, anunciou Von der Leyen.
O desígnio da neutralidade carbónica terá força de lei. Von der Leyen prometeu tornar, já em Março, a sua proposta uma lei climática europeia, que definirá as metas para a redução das emissões de gases com efeito de estufa – entre 50% e 55% até 2030 – e tornará obrigatória a neutralidade carbónica em 2050.
“A decisão sobre a nossa meta para 2030 não será deixada ao acaso. Será o resultado de uma avaliação cuidadosa dos impactes, de forma a perceber onde podemos ser ambiciosos e onde devemos ser prudentes. Queremos ser ambiciosos, mas também queremos ser realistas”, explicou, assegurando que a nova legislação e as novas metas serão conhecidas antes da próxima Conferência do Clima da ONU, COP 26, em Glasgow.
As restantes medidas e propostas previstas no Pacto Ecológico Europeu são, em grande parte, decorrentes dessa nova obrigação legal. Como explicou uma fonte da Comissão, a ideia com a aprovação da lei é poder oferecer aos cidadãos, aos agentes políticos e económicos uma perspectiva de estabilidade que lhes permita planear as suas acções. “A lei é fundamental para que a transição para a neutralidade climática se torne irreversível. Mas é também fundamental para estabilizar o quadro em que se decidem investimentos”, disse, acrescentando que um quadro jurídico garante regras claras para investidores e inovadores, responsabilidade e segurança.
Na sua apresentação do pacto no Parlamento Europeu, Úrsula von der Leyen lembrou que ainda na passada sexta-feira “44 dos maiores investidores europeus, que representam bens num valor superior a seis biliões de euros, pediram à União Europeia para adoptar o mais depressa possível uma lei climática que consagre a neutralidade climática em 2050. Eles querem essa lei, dizem que lhes dará a confiança para tomar decisões de longo prazo para um investimento moderno”, referiu.
Os custos da inacção
Reconhecidamente, o plano de acção exigirá investimentos elevados: segundo os cálculos avançados pelo executivo comunitário, o esforço para cumprir as metas climáticas e energéticas em 2030 vai exigir um reforço anual de 260 mil milhões no investimento (correspondente a 1,5% do PIB europeu de 2018). Para isso, a Comissão está a preparar a apresentação do Plano de Investimento para uma Europa Sustentável, bem como a Estratégia para o Financiamento Verde, de forma a mobilizar recursos públicos e privados.
Para aqueles que dizem que os custos desta transformação são muito elevados, Von der Leyen já tinha uma resposta preparada. A presidente da Comissão fez questão de assinalar os custos da inacção: segundo apontou, todos os anos, as cheias dos rios europeus custam mais de cinco mil milhões, e os efeitos da seca, que se reflectem sobretudo na agricultura, retiram à economia europeia dez mil milhões de euros por ano.
Os dez pilares do pacto
0Pacto Ecológico Europeu apresentado ontem pela presidente da Comissão Europeia, Úrsula van der Leyen, é um conjunto de iniciativas que serão apresentadas e postas em prática durante os próximos anos. Algumas devem começar a ser lançadas já em 2020.
A arquitectura do Pacto Ecológico Europeu assenta em dez pilares, que sustentam as 50 iniciativas propostas para converter o combate às alterações climáticas no novo modelo de crescimento económico do continente.
O roteiro já tem um calendário previsto, mas não uma previsão orçamental. O dinheiro para o financiar terá de ser reencaminhado do orçamento dos fundos estruturais no próximo quadro financeiro plurianual.
Ambição climática
Março de 2020
Introdução de uma lei climática europeia para consagrar o objectivo de conseguir que os países da União Europeia alcancem a neutralidade climática em 2050 Verão de 2020 Apresentação das metas para a redução em 50% ou 55% das emissões de C02 até 2030 Junho de 2021 Revisão de todas as medidas legislativas destinadas a combater as alterações climáticas Junho de 2021 Revisão da directiva para a taxação da energia Junho de 2021 Apresentação da proposta para o Mecanismo de Ajustamento de Carbono nas Fronteiras 2020/2021
Nova estratégia europeia de Adaptação às Alterações Climáticas
Energia limpa
Junho de 2020
Avaliação dos planos nacionais de Energia e do Clima dos Estados-membros 2020
Iniciativa para duplicar a taxa de renovação energética de edifícios públicos e privados 2020
Iniciativa para promover a energia eólica offshore Junho de 2021
Revisão das directivas de Eficiência Energética e Energias Renováveis 2023
Actualização dos planos nacionais de Energia e do Clima para reflectir as novas ambições da UE
Economia circular
Março de2020
Apresentação da nova estratégia industrial europeia Março de2020 Plano de Acção da Economia Circular, focada nos sectores intensivos como têxteis, construção, produtos electrónicos e plásticos
Outubro de2020
Nova legislação sobre baterias 2020
Definição de novas políticas para fabricação de produtos mais sustentáveis, através do recurso a materiais reutilizáveis e/ou recicláveis 2020
Apresentação de plano para a transição para as emissões zero na produção de aço em 2030 2020
Proposta de reforma da legislação sobre resíduos
Poluição zero
Verão de 2020
Estratégia de químicos
sustentáveis
2021
Plano de acção para a poluição do
ar, da água e do solo
2021
Revisão das medidas de combate à poluição originada pelas grandes instalações industriais
Ecossistemas e biodiversidade
Março de 2020
Nova estratégia europeia para a biodiversidade em 2030
2020
Nova estratégia florestal da UE, para plantar mais árvores, incluindo nas cidades, e restaurar áreas florestais degradadas ou exauridas 2021
Divulgação de medidas para mitigar a perda de biodiversidade
Agricultura verde
Primavera de2020
Apresentação da nova Estratégia
da Quinta à Mesa
2021
Divulgação do plano de acção para reduzir a utilização de pesticidas químicos, fertilizantes e antibióticos na produção agrícola e pecuária
Mobilidade
2020
Divulgação da estratégia para a mobilidade inteligente e sustentável 2020
Instalação de um milhão de pontos públicos de carregamento de automóveis eléctricos até 2025 2020
Propostas para a promoção das energias alternativas no abastecimento de transportes, incluindo aviões 2021
Revisão da directiva dos Transportes Combinados 2021
Iniciativas para aumentar a capacidade do tráfego ferroviário e fluvial 2021
Revisão da legislação dos standards de emissões automóveis para chegar a zero numa década
Mecanismo de Transição Justa
Janeiro de 2020
Apresentação da proposta para um novo mecanismo para a Transição Justa, com o objectivo de mobilizar 100 mil milhões de euros entre verbas da União e recursos privados
Janeiro de 2020
Lançamento do novo Plano de Investimento para Uma Europa Sustentável
Outono de2020
Nova estratégia para o Financiamento Sustentável
2020
Integração dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável no Semestre Europeu 2021
Revisão e flexibilização das regras de ajudas de Estado para o ambiente e a energia
Investigação e inovação
Março de 2020
Lançamento do Pacto Europeu para o Clima
2020
Alinhamento de todas as medidas da Comissão Europeia com os objectivos do Green Deal e a promoção de inovação 2020
Apresentação da proposta para o 8.° Programa de Acção Ambiental
UE na vanguarda mundial
2020
UE na liderança das negociações internacionais do clima e da biodiversidade 2020
Divulgação da Agenda Verde para os países dos Balcãs Ocidentais 2020
Fortalecimento da diplomacia verde em cooperação com os Estados-membros 2020
Construção de alianças verdes com os países da América Latina e Caraíbas, e Ásia e Pacífico
Charles Michel pressiona líderes para adoptarem já a meta da neutralidade climática
Os chefes de Estado e de governo da União Europeia foram avisados de véspera: o novo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, não tenciona dar por concluídos os trabalhos da cimeira que arranca hoje sem obter o acordo dos líderes relativamente à grande meta de neutralidade climática fixada pela Comissão no seu Pacto Ecológico Europeu.
“Quero que sejamos capazes de nos comprometer com o objectivo da neutralidade climática da União Europeia em 2050”, escreveu Michel, na habitual carta de convite endereçada aos líderes na véspera do Conselho Europeu. “Esse será um forte sinal de que a União Europeia está disposta a assumir o seu papel de líder global nesta matéria crucial”, acrescentou.
Do seu gabinete saiu um sinal igualmente forte. O jantar de trabalho da cimeira, que é quando os líderes vão debater o tema bicudo do próximo quadro financeiro plurianual para 2021-27, poderá não ser servido, se não houver consenso relativamente às ambições climáticas.
“O presidente do Conselho não poupou esforços nos seus contactos preparatórios com os líderes e está muito determinado em encontrar um acordo. Esta é uma decisão super- política, o debate demorará o tempo que demorar”, observou uma fonte europeia.
Antes da cimeira, Charles Michel passou por 17 capitais e falou ao telefone com todos os chefes de Estado e governo. “Neste momento, ainda há contactos em curso com vários Estados-membros”, revelou o próprio presidente do Conselho, que passou pela sala de imprensa para cumprimentar os jornalistas.
O rascunho das conclusões do Conselho que foi posto a circular já era revelador da “ginástica” de Michel para agradar a gregos e troianos. Como apontava uma fonte diplomática, referindo-se à delicadeza do parágrafo relativo à ambição climática da União Europeia, há uma “ambiguidade construtiva” na linguagem para facilitar o consenso. Charles Michel não vai estar sozinho na defesa do objectivo da neutralidade climática em 2050 – que vários Estados- membros, particularmente os da Europa Central e do Leste, consideram ser demasiado ambicioso e incomportável para as respectivas economias. No arranque dos trabalhos, terá ao seu lado a presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, que apresentará aos líderes o roteiro do Pacto Ecológico Europeu aprovado ontem.
O novo Green Deal europeu promete uma revolução na economia do continente, que terá de se descarbonizar: um desafio para regiões da Polónia ou da Alemanha do Leste que ainda estão dependentes da exploração do carvão ou do recurso aos combustíveis fósseis. Para apoiar essa transição, a Comissão vai lançar um novo mecanismo, com apoios financeiros e assistência técnica. Mas aí reside uma das dificuldades deste debate, que se cruza com as discussões sobre o novo orçamento comum para 2021-2027: para já, os Estados- membros ainda não se entenderam sobre as suas contribuições para o bolo comunitário, que vai ficar mais pequeno por causa do “Brexit”.
Apesar de ainda não ter deixado a UE, o Reino Unido não vai contribuir para o debate. O primeiro-ministro inglês, Bóris Johnson, pediu ao presidente do Conselho Europeu para representar os interesses do país, que vai hoje a votos. Amanhã, quando os líderes voltarem as suas atenções para a questão do “Brexit”, o resultado da eleição já deverá ser conhecido.
Charles Michel disse ontem aos jornalistas que o desfecho é irrelevante do ponto de vista da mensagem que Bruxelas tem para Londres. “Nós continuamos unidos e preparados para negociar a nossa parceria futura. O nosso interesse é manter uma relação tão próxima quanto possível com o nosso vizinho”, afirmou.
Satisfação portuguesa
No espaço da UE na Feira de Madrid, onde decorre a 25.a Conferência das Partes (COP25)da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, não houve interrupção dos eventos agendados para ouvir a presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, apresentar o Pacto Ecológico Europeu (Green Deal). Aliás, um dos eventos que decorria a essa hora era organizado por Portugal, que discutia as metas do Roteiro de Neutralidade Carbónica e a forma como a economia tem de ajudar a pô-lo em prática. Após o encontro, tanto o ministro do Ambiente e da Acção Climática, como o representante da associação ambientalista Zero mostraram-se satisfeitos com o pacto apresentado. O ministro, Matos Fernandes, mostrou-se satisfeito com o índice e as metas apresentadas, considerando que “correspondem à ambição que a Europa tem de ter”. Sobre o montante do investimento anunciado pediu cautela: “Não nos iludamos, a questão da transformação de uma sociedade não é só uma questão de dinheiro, é de vontade política.”
Francisco Ferreira, da Zero, disse que o Green Deal é “sem dúvida, um pacto dos mais importantes para a Europa”, mas deixou no ar a expectativa de que o documento possa vir a ser melhorado e que, na próxima COP, em Glasgow, já não se fale numa redução de emissões entre 50% e 55% até 2030, mas se possa falar apenas no valor mais alto, à semelhança do compromisso já assumido por vários países, incluindo Portugal.