PRIVADOS FALAM EM ESTIGMATIZAÇÃO, MAS ACREDITAM QUE ACABARÃO FORÇOSAMENTE POR SER CHAMADOS
PRIVADOS JA INVESTIRAM MAIS
DE MIL MILHÕES DE EUROS NO SETOR
Há 24 anos foi atribuída a primeira concessão para a gestão dos serviços de água em Mafra Desde então só avançaram 30 concessões em Portugal num universo de 319 entidades gestoras. A mais recente, atribuída à Aquapor, em janeiro de 2019, é a primeira a surgir em cinco anos (ver caixa). Que futuro para este modelo no setor da água? “É incerto”, responde o CEO da Aquapor, António Cunha Isto apesar de os resultados da avaliação da qualidade de serviço, realizada anualmente pela ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos), demonstrarem “de forma inequívoca, que o modelo da gestão concessionada é aquele que apresenta melhores resultados de eficiência e de performance”, sublinha.
Para o CEO da Aquapor é também este modelo o único que permite conhecer toda a trajetória tarifária ao longo de toda a vida de um projeto, a 30 anos, e o “único que é submetido à concorrência e que coloca, do lado do operador, os riscos de procura”. Na opinião do CEO da AGS, João Faria Feliciano, o futuro deste modelo de gestão deveria ser “certo” até porque “começa a ser demasiado óbvio” o défice em investimentos de manutenção/reabilitação ou renovação nas infraestruturas existentes, assim como, a sua adequada operação. “É importante referir que foi praticamente o único modelo que permitiu fazer cumprir com as metas impostas aos municípios quanto à cobertura de serviço em baixa, quer para o abastecimento de água quer, para a drenagem de águas residuais urbanas”, realça.
O presidente da AEPSA (Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente), Eduardo Marques, sublinha que é “inequívoco que as concessões têm contribuído de forma inquestionável para a consubstanciação de uma gestão profissional”, atingindo níveis de desempenho de excelência complementado com a grande capacidade de investimento, o que permitiu, sem fundos comunitários, que nas concessões fossem investidos mais de mil milhões de euros. “O modelo de gestão concessionada dá melhor uso ao dinheiro investido. Pratica tarifas sustentáveis e num regime de cobertura integral de custos e que correspondem em média, se ajustadas, a valores inferiores. Na comparação de faturas médias há que ter em consideração a subsidiação, a cobertura integral dos custos, os fundos comunitários atribuídos, a amortização integral dos investimentos, as rendas que as concessionárias pagam aos concedentes, entre outros factores”, pormenoriza o presidente da AEPSA.
36 MARÇO | ABRIL 2019
SETOR PRIVADO ESTIGMATIZADO
António Cunha salienta que o modelo de gestão de empresas municipais deu muito maus resultados no passado. Para o presidente da AEPSA as soluções que “não vão à concorrêrfcia” e são “opacas” têm que deixar de existir, nomeadamente a solução de parceria entre municípios e o Estado através da Águas de Portugal, já que não se conhecem estudos demonstrativos que esta solução seja mais vantajosa Uma opinião partilhada por António Cunha João Faria Feliciano defende que é preciso reconhecer que o modelo da concessão tem virtudes e que o setor privado pode, de facto, ser uma solução possível e viável. “Há atual- mente, uma estigmatização clara do setor privado e uma pressão sobre o poder local que está a condicionar a ativida- de dos municípios, inibindo-os, naturalmente, de decidirem o que por direito podem e devem decidir”, lamenta João Faria Feliciano, que sublinha que metade das entidades gestoras, muitas em gestão direta, não cobre os gastos totais nem presta um serviço adequado aos utilizadores.
DESERTO DE LANÇAMENTO DE CONCURSOS
A AEPSA tem desenvolvido várias ações para dar a conhecer as vantagens do modelo de gestão concessionada Ainda assim assiste-se a um “deserto” no que respeita ao lançamento de concursos, denota António Cunha “Nos últimos dois anos foram lançados apenas dois concursos públicos de dimensão, um dos quais já no final de 2018. E muito pouco para um mercado que se quer dinâmico, potenciador da experiência das empresas portuguesas em mercados internacionais. Assim não há iniciativa privada que resista”, lamenta A reversão do atual estado de estagnação apenas poderá acontecer com uma mudança das atuais políticas governamentais, passando essa mudança por todos os agentes do Estado, como é o caso da ERSAR, que “tem especiais responsabilidades no atual estado da arte”, observa António Cunha considera que o mercado das concessões está estagnado porque os decisores não estudaram bem o tema “Infelizmente, em Portugal, por vezes decidimos com base na emoção ou ideologia Os decisores não têm melhor alternativa que o mercado concessionado. Isto porque, fazendo concursos de concessão, os municípios asseguram, através da concorrência, que os munícipes usufruem da tarifa mais baixa que o mercado pode oferecer, deixando de se endividar para fazer face aos elevados montantes de investimento que necessitam para a expansão, reabilitação e eficiência dos seus sistemas de abastecimento e de saneamento de águas residuais”, resume. Para António Cunha será uma questão de tempo até que a razão se sobreponha à emoção, “Quanto se verificar que os investimentos não avançam, que as perdas de água não diminuem, que a eficiência não aumenta, que os sistemas correrão o risco de colapsar, irão forçosamente concessionar. E, nessa altura, se resistirem, as entidades privadas cá estarão para ajudar a resolver os problemas”, frisa Eduardo Marques acredita que no futuro próximo e para o bem do país, haverá condições e a consciencialização desinteressada dos benefícios deste modelo de gestão, o que propiciará o lançamento de novos concursos de concessão. “Para isso será necessário quebrar algumas barreiras demagógicas e até ideológicas e estabelecer uma comunicação séria e sustentada”.
A legislação setorial tem que contribuir para a dinamização deste mercado concecional e não constituir um entrave ao investimento, desempenhando especial relevo a revisão do DL 194 e o Regulamento Tarifário dos Serviços de Água “As empresas privadas concessionárias estão interessadas e disponíveis para investir aquilo que o setor precisa, logo que sejam criadas condições de estabilidade e previsibilidade legislativa e regulatória, que garantam a confiança dos investidores”, alerta.
João Faria Feliciano acredita que a situação dever-se-á reverter a menos que o Estado tenha a capacidade de planear os investimentos, de os financiar e de operar os sistemas com eficiência e com uma adequada qualidade de serviço. “Será possível fazê-lo a nível municipal? Em minha opinião não o será quer pela escala quer pelo nível de especialização que não faz sentido que exista a nível municipal. Espero que não se vão usando os financiamentos europeus como ‘oásis’, pois ultimamente, e quanto a estas matérias, não têm sido mais do que placebos para a resolução dos problemas ou de tentativas de resolução de ‘singularidades’.
REGRAS TRANSPARENTES
No sentido da dinamização dos concursos de concessão e na salvaguarda da total transparência a AEPSA considera que devem ser plasmados, quer nos cadernos de encargos dos concursos, como posteriormente nos respetivos contratos, todas as condições e parâmetros que permitam de uma forma segura e inequívoca salvaguardar os legítimos interesses de todas as partes envolvidas durante todo o período da concessão. Para os futuros concursos de contrato de concessão e respetivos contratos, a AEPSA defende que deve haver “uma matriz de risco bem definida e o mais exaustiva possível”, bem como devem ser definidos objetivos de desempenho, com penalizações em caso de não atingimento. É ainda necessário umaca- raterização clara de todos os investimentos a realizar durante o período da concessão, fator determinante para a definição da tarifa média A associação defende ainda a limitação da rentabilidade contratual.ANA SANTIAGO
A 14a CONCESSÃO DA AQUAPOR
A Águas de Vila Real de Santo António – a primeira concessão a surgir no espaço de cinco anos em Portugal – é a 14a concessão da Aquapor que junta este projeto “ao seu já extenso portfolio”, realça o CEO da Aquapor, António Cunha O contrato foi iniciado a 1 de janeiro com um orçamento superior a 52 milhões de euros. Deste valor, 46 milhões de euros revertem para o município e 6,5 milhões de euros serão aplicados na renovação das redes de abastecimento de água e saneamento e no reforço dos serviços de atendimento e controlo. Este contrato, tal como o que foi celebrado por Oliveira de Azeméis, foi lançado ao abrigo da legislação que estabelece o regime jurídico da gestão dos serviços públicos de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais, para os modelos de gestão direta, gestão delegada e gestão concessionada, o DL 194/2009, de 20 de agosto. As alterações visam “a definição de objetivos de qualidade de serviço que terão de ser cumpridos pela concessionária e a definição de um valor de proveitos mínimos em fase proposta, ou seja, sujeito à concorrência, o qual regula o nível de risco que a concessionária assume ao longo do projeto”. O processo demorou três anos a ser concluído, o que para António Cunha não pode ser impeditivo de que se enverede por esta solução. “Os processos são longos pois exigem que se garantam um conjunto de princípios que noutros modelos, como numa parceria Estado-município, não é necessário assegurar, como concorrência, transparência e igualdade”.