Marc Rechter é o autor da iniciativa H2Scale, que pretende criar em Sines um projeto industrial de grande escala para produzir hidrogénio verde.
Ainda não tem o estatuto de projeto. É, por enquanto, uma “iniciativa” em fase embrionária, mas na qual já se depositam grandes esperanças. Se avançar, transformará o país, a partir de Sines, numa potência mundial na produção de hidrogénio verde. Nesta semana, Portugal e Holanda reuniram-se em Bruxelas para começar a torná-la realidade.A iniciativa chama-se H2Scale e partiu de Marc Rechter, um empresário holandês especialista em energias renováveis, que há duas décadas escolheu Portugal para viver. Rechter foi um dos elementos presentes no encontro que juntou João Galamba, secretário de Estado da Energia, e Noé van Hulst, enviado especial do governo holandês para o hidrogénio.”Foi discutida a colaboração dos dois países no desenvolvimento deste setor. Esperamos, a partir de agora, poder avançar para uma candidatura conjunta a um projeto de hidrogénio verde à escala industrial enquanto importante projeto de interesse comum europeu (IPCEI)”, conta March Rechter em entrevista ao Dinheiro Vivo. Este carimbo será fundamental para garantir financiamento.”Massa crítica” em SinesA iniciativa foi apresentada neste ano pelo empresário ao governo português, “que percebeu muito bem a oportunidade e começou connosco um diálogo sério”, detalha Rechter. Tão sério que, no início desta semana, João Galamba revelou à TSF que já está escolhido o local para instalar o projeto industrial de larga escala. “Sines faz sentido porque já existe lá indústria e tem o porto, que é fundamental para a exportação”, afirma o holandês.O objetivo é criar na cidade do litoral alentejano “massa crítica, em torno da qual poderão surgir muitos outros projetos baseados no hidrogénio, que irão trazer oportunidades de emprego para a região e aproveitar o ativo humano da engenharia portuguesa”.A produção de hidrogénio verde tem vindo a ganhar relevância no norte da Europa “por ser mais prático para a mobilidade pesada”. Pode ser usado em autocarros (a CaetanoBus vai lançar um modelo juntamente com a Toyota), veículos pesados, transporte marítimo, comboios e até aviação. A Holanda, refere Rechter, é neste momento o país com a estratégia mais avançada e um plano integrado em marcha. “Os primeiros a avançar serão os líderes do futuro, porque é uma indústria que precisa de escalar muito. Portugal e Holanda só têm a ganhar com esta união”, ressalva o empresário.”É só juntar água”Depois da febre dos painéis solares, no início do século, e dos parques eólicos, ainda nos anos 90, March Rechter acredita que a próxima era da descarbonização passa pelo hidrogénio limpo. “E Portugal tem uma enorme vantagem competitiva: os custos de produção de energia solar são os mais baixos da Europa.”Como é que a energia solar surge na equação? “O hidrogénio pode ser feito através de gás natural. Atualmente, 98% do volume produzido é com essa base. Mas o hidrogénio produzido com gás natural emite muito CO2 e outros tipos de poluição, que nós queremos eliminar.” É aqui que entra o sol.”A tecnologia de eletrólise existe há mais de cem anos. É só juntar água e eletricidade. A eletrólise produz hidrogénio e oxigénio, mais nada. Quando a eletricidade provém da energia solar ou da eólica, o hidrogénio e o oxigénio que produzimos são completamente limpos, o que sobra quando se queima é vapor de água. Essa base química é muito relevante para toda a estratégia de descarbonização, tanto da indústria como da mobilidade.”O preço do hidrogénio verde depende 90% do custo da eletricidade. Logo, se a energia é barata, o hidrogénio também terá um preço competitivo. E em Portugal, a energia solar é a mais barata da Europa. “Foi a partir daqui que começámos a desenvolver a iniciativa H2Scale, com o objetivo de aproveitar a vantagem comparativa de Portugal.”Na sequência disto, João Galamba anunciou também à TSF a criação de um parque fotovoltaico de 1 Gigawatt em Sines, que servirá para alimentar a indústria de produção de hidrogénio.Além das negociações bem encaminhadas com os governos de Portugal e Holanda, Marc Rechter garante já ter recebido também “muitas manifestações de interesse” em participar no projeto por parte de empresas holandesas e portuguesas, dos setores da energia, logística e mobilidade. O empresário ainda não quer desvendar nomes, mas assegura “já está criada uma relação inicial” com algumas empresas. Quanto aos próximos passos da iniciativa, Marc Rechter afirma que “caberá ao governo português anunciar”.Mesmo no que toca a números e previsões, o holandês é cauteloso. “Ainda temos de calcular muita coisa, nesta fase é importante gerir as expectativas. A oportunidade é fantástica mas temos de ser realistas. Este é o início de um longo caminho. Todos os atores estão coordenados para tornar esta iniciativa realidade, mas não será de um dia para o outro.” Segundo Marc Rechter, alcançar o volume desejado de produção, transformação e atração de novos projetos será um trabalho feito por fases, ao longo de três, cinco e dez anos. Nas décadas seguintes, Portugal terá uma economia verde, movida a hidrogénio.