Secretário de Estado João Galamba quer convencer empresas europeias a trazer para Portugal uma refinaria de lítio
Governo quer ter primeira refinaria de lítio da Europa
O secretário de Estado da Energia, João Galamba, espera que venha a haver alguma mina de lítio em Portugal, mas mais para convencer empresas europeias a trazer uma refinaria para o país
Energia Luísa Pinto
Não há nenhuma refinaria para a produção de hidróxido de lítio na Europa e é precisamente neste ponto da fileira do lítio, que é onde há maior valor acrescentado, que Portugal está a colocar todas as suas fichas.
Tanto o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, como o secretário de Estado da Energia, João Galamba, estão a desenvolver vários esforços para atrair para o território português a primeira fábrica de hidróxido de lítio a instalar na Europa. “Queremos dar um passo em frente, instalar a refinação e isso também nos posiciona para atrair investimentos em fábricas de baterias, ou de cátodos, ou de powerwalls. Se já se sabe que quem vai ficar com as fábricas de baterias para carros eléctricos é o centro da Europa, isso não me preocupa muito. Só temos de garantir que na cadeia do lítio temos cá o elemento com maior valor acrescentado e que é a produção de hidróxido de lítio”, afirma o secretário de Estado ao PÚBLICO.
O governante adianta que a aposta é no Porto de Leixões, por haver proximidade das zonas onde pode haver extracção, mas também porque faz sentido instalar a refinaria onde esta também possa receber concentrados de lítio de outros projectos mineiros internacionais. “Este é que é o nosso projecto, e a dimensão extractiva da nossa estratégia está directamente relacionada com isso”, argumenta.
Questionado acerca da oposição que os movimentos cívicos e ambientais estão a fazer a toda esta estratégia, e de que forma essas preocupações vão ser acolhidas, o secretário de Estado da Energia recordou o caso do Alqueva, em que houve uma resistência generalizada. O PÚBLICO recordou o caso do furo de Aljezur, em que o projecto acabou por ser abandonado. “Há uma grande diferença. Em Aljezur foi a própria empresa que desistiu, e não havia a
ideia de um projecto industrial do Governo, inserido num plano europeu. A União Europeia tem uma estratégia para promover a indústria extractiva para as baterias, e a localização no continente europeu de toda a cadeia de valor de baterias.”
Segundo o governante, a Comissão Europeia está neste momento a discutir a criação dos critérios europeus que vão definir quem pode ser fornecedor nesta cadeia – vão criar standards ambientais, sociais e definir o mercado interno. “Quando as pessoas dizem que o nosso lítio é mais caro do que o chileno, por exemplo, isso não interessa para nada. Na China, na Austrália ou na América do Sul até podem produzir lítio a um terço do valor em Portugal, mas, se não cumprirem os standards, não podem ser fornecedores da União Europeia. Da mesma maneira que não podemos comprar t-shirt feitas por escravos, não poderemos comprar lítio feito com consumos brutais de água, e sem nenhum respeito por questões ambientais. Tão simples quanto isto.”
Galamba disse ainda que estava à espera que a Savannah, a empresa que está a desenvolver o projecto de Covas do Barroso, em Boticas, apresentasse o seu estudo de impacte ambiental para “poder haver uma discussão séria”. “Até agora andámos a discutir no éter, depois é que vamos ver onde há impactos e como é que a empresa está a planear as suas soluções”, disse o secretário de Estado, acrescentando estar muito satisfeito com as notícias que lhe tem sido isso dadas pela Savannah, com que admite ter muitas conversas e reuniões.
Por outro lado, o antigo deputado do PS garante que as populações vão ficar positivamente surpreendidas com as propostas que estão a ser estudadas para o local – “por exemplo, não vai haver nenhum ácido sulfúrico ou outro químico, mas apenas a utilização de matéria orgânica e biodegradável” – e explica porque é que a Savannah acabou por retirar
o pedido de estatuto de projecto de interesse nacional para a mina do Barroso. “Desistiram quando esta Secretaria de Estado lhes comunicou que não iria dar parecer positivo. O nosso interesse nacional não é uma mina. Se nos disserem que estabelecem parcerias para a construção de uma refinaria, isso já é interessante”, afirmou.
Assim, se o Governo conseguir atrair a instalação dessa unidade industrial, a Savannah será naturalmente fornecedor dessa infra-estru- tura. E é esse tipo de obrigatoriedade que está a ser preparado para as minutas do concurso público que o Governo mantém querer lançar “o
mais breve possível”. Galamba explica os atrasos neste processo com as preocupações em assegurar que os critérios para a prospecção e pesquisa – “A parte mais importante do contrato, como toda a gente já percebeu”, afirma, referindo-se à forma como foi “obrigado” a assinar contrato com a Lusorecursos (ver texto ao lado) – estarão inscritos “de forma sólida e robusta” em termos de adequação social e ambiental. O concurso não será lançado antes de o Governo terminar a regulamentação da lei, que ainda terá de ir a discussão pública.
No futuro concurso para prospecção e pesquisa nas nove áreas identificadas pelo Governo, o caderno de encargos também obrigará os concorrentes a garantir que a valorização do recurso é feita em território nacional, cumprindo uma de três hipóteses: ou constrói uma refinaria, ou se associa a um consórcio para construir, ou fornece a uma que já existe. “Nós não podemos exigir nem à Savannah, nem à Lusorecursos que construam uma refinaria. Os contratos de exploração que eles têm são contratos mineiros. Mas podemos garantir que todos os pedidos de prospecção e pesquisa que nos chegaram, e os que vamos lançar em concurso, vão cumprir esses critérios”, esclarece. O governante alega que não pode, de
maneira nenhuma, dizer se chegará a haver alguma mina de lítio em Portugal, porque já não se está na esfera da decisão política mas sim técnica. “São as autoridades ambientais que vão aprovar de forma condicionada ou reprovar. É uma decisão dos técnicos e da empresa.” A parte política que cabe ao Governo, conclui, passa pelas duas frentes em que diz estar a jogar: a preparação do concurso e regulamentação dos princípios que vão orientar a actividade extractiva em Portugal; e as conversações com várias empresas europeias, para instalar uma refinaria de lítio.
“Se a Lusorecursos não apresentar os estudos dentro do prazo, perde a concessão”
O contrato para atribuição da concessão de exploração de depósitos minerais de lítio e minerais associados em Montalegre foi assinado a 28 de Março de 2019. Foi um mês depois, a 30 de Abril, que os promotores do projecto se reuniram pela primeira vez com o secretário de Estado da Energia. Foi a primeira e a única, assegura João Galamba, que diz ter ficado nessa reunião a conhecer o projecto industrial da Lusorecursos, num encontro que contou com os dois accionistas da empresa, Ricardo Pinheiro e José Torre da Silva, mas também com Jorge Costa Oliveira, ex-secretário de Estado da Internacionalização e agora consultor para o financiamento do projecto da Lusorecursos.
De acordo com o contrato de concessão, que o PÚBLICO consultou, a Lusorecursos ficou obrigada a apresentar e ver aprovado até ao prazo máximo de dois anos (28 Março 2021) um estudo de impacte ambiental (EIA) no âmbito do estudo prévio apresentado e do respectivo plano de lavra da mina, bem como a elaborar um estudo de viabilidade técnica e económica da exploração. Durante este prazo, o contrato também prevê que a concessionária possa fazer mais prospecção. A empresa está obrigada a arrancar com a exploração da mina dentro de cinco anos (2024), altura em que já deverá ter instalada a lavaria para processar o minério. O contrato prevê ainda uma “fase 3”, “dependendo das condições de mercado”, em que a concessionária pode avançar com a instalação de uma “unidade de processamento de carbonato e/ou hidróxido de lítio”.
Questionado pelo PÚBLICO sobre se o Governo está a trabalhar em articulação com os promotores da Lusorecursos que assumiram estar a procurar montar um projecto industrial, com mina, e duas fábricas – uma de cerâmica e outra de hidróxido de lítio -, João Galamba disse que cada um faz o seu papel. “O Governo está a fazer o seu e está à procura de parceiros para trazer a refinaria para Portugal. A refinaria proposta pela Lusorecursos interessa para a estratégia do Governo, mas não faz parte da mina”, refere o secretário de Estado.
“A obrigação da empresa é apresentar um EIA de acordo com o projecto preliminar que apresentaram e agora têm de detalhar. Se me vierem perguntar alguma coisa, eu poderei dar algumas indicações sobre técnicas de lavaria, produção energética, partilha com a comunidade. Mas a obrigação de apresentar um projecto para submeter a EIA é da empresa (…). Se não apresentar os estudos necessários dentro do prazo, perde a concessão”, avisa.
De acordo com os projectos de investimento apresentados pela Savannah e pela Lusorecursos, a construção de um concentrador de minerais de lítio custa cerca de 100 milhões de euros. É esse o projecto inicial da Savannah, que quer fazer em Boticas concentrado de espodumena, tendo inicialmente previsto exportá-lo para a China, país que refina estes concentrados para a produção de carbonato de lítio. Já a proposta da Lusorecursos é fazer uma refinaria para hidróxido de lítio, estimando um investimento de cerca de 250 milhões de euros a somar-se ao necessário para fazer o concentrador.