João Matos Fernandes
“Agência do Ambiente apresentará até ao verão estudo prévio” para nova barragem
Com a pasta do Ambiente desde 2015, ganhou nesta legislatura o dossiê da
Ação Climática e explica os desafios que enfrenta.
O governo antecipou o fecho das centrais do Pego (2021) e de Sines (2023). O Pego será convertido numa central de biomassa?
É uma vontade que nos foi transmitida pelos donos da central. Temos o objetivo de chegar a 2030 com a eletricidade a ter origem renovável. O Pego até já tem um papel marginal na injeção de eletricidade no sistema. Sines não é bem assim. Com o sucesso do leilão do solar, estamos em condições de descarbonizar a produção e reduzir a fatura aos consumidores porque produzir eletricidade a partir de renováveis é muito mais barato. Há projetos para o Pego se transformar numa central de biomassa, mas há outros. E vão aparecer cada vez mais projetos de produção a partir do solar que associem armazenagem – fundamental para dar sustentabilidade ao sistema.
Converter o Pego numa central de biomassa vai mesmo suceder?
A nossa expectativa é que os responsáveis pela central concorram em leilão com uma tarifa competitiva – se aparecerem outras mais competitivas, não será o Pego. O leilão é tão público e transparente que quase admito ter uma preferência – já existindo investimento feito e havendo um conjunto de trabalhadores, era muito interessante que esta central pudesse ficar bem posicionada neste leilão.
A conversão poderá ter custos?
Isto são mvestimentos privados. Muita gente perguntou quanto se vai pagar à EDP e à Endesa: coisíssima nenhuma. A central de Sines está no mercado, o Pego tem subsídio até ao final de 2021 e assim não pesam nada nas contas públicas.
As necessidades do país podem ser satisfeitas com estas duas centrais e sem subir preços?
É mesmo sem subir. O preço da energia no mercado ibérico anda nos 45 euros/MW por hora. Na produção a partir do solar conseguimos 21. Há um sobreganho porque a diferença entra diretamente nas contas do sistema elétrico nacional
para aliviar a fatura do consumidor. Do ponto de vista da produção, já são mais os dias em que as centrais não estão ativas – são backup. E com que backup ficamos? Esses backups podem ser conseguidos com o alargar da armazenagem de todas as fontes renováveis. O problema que mais constrange o encerramento das centrais não é de capacidade de produção, é o transporte. E o Algarve é o ponto mais frágil – só temos duas ligações, uma vem de Espanha e para podermos encenar Sines temos de ter uma central despachável e outra linha de alta tensão, passando Ferreira do Alentejo, até ao Algarve.
Diz que o país precisa duma barragem nova para compensar flutuações de caudal. Já há decisão?
Há uma decisão concreta para estudar esta barragem e essa indicação já foi dada à Agência Portuguesa do Ambiente. Chegaremos ao verão com um estudo prévio para essa barragem, com várias alternativas, que nos diga quanto custa cada uma – o que não quer dizer que possa ser completamente paga, mas há uma parte que deve poder ser rentável para rega, para produção de eletricidade, colocando painéis fotovoltaicos na superfície da barragem – e que indique os principais impactos ambientais. O Tejo tem menos 25% do caudal do que quando foi assinada a Convenção de Albufeira, há mais de 20 anos. Por muito bem que corra a relação com Espanha, é fundamental termos do nosso lado alguma capacidade de armazenamento de água para regularizar o Tejo português.
E onde se deve localizar esta barragem?
Numa sub-bacia hidrográfica de alguma capacidade – o rio Ocre- za é o que parece mais indicado. É isso que estamos a avaliar. Uma barragem deste tipo tem de ter um estudo de impacto ambiental – custos que resultam da construção e ganho para os ecossistemas e até para as atividades que vivem do Tejo ao longo de todo o curso -, projeto e modelo de financiamento.
Há data para essa barragem?
Se tivermos o estudo em junho, vamos ter de o discutir publicamente, mas quero acreditar que no outro OE já há verba para o projeto. Os portugueses estão preocupados com a falta de água no Tejo, mas também com a gestão. O olival intensivo tem sido contestado.
Como é que se equilibra as necessidades agrícolas do país com cada vez menos água?
Portugal está na bacia mediterrânica, uma região em que há menos água da chuva do que a que é consumida. A única solução de fundo é consumirmos menos. Três quartos da água em Portugal são consumidos pela agricultura e é aqui que temos de ter maiores ganhos, temos de adaptar as culturas ao território. Será preciso desistir de algumas? Pelo menos é fundamental que a PAC não tenha o papel perverso de financiar culturas altamente consumidoras de água. As permanentes, como o olival intensivo, são passíveis de ser regadas com sistemas eficientes com telemetria e a partir de águas residuais. Já temos um exemplo em Beja, com a ETAR da Magra, que está a fornecer água para rega de culturas permanentes. Queremos que pelo menos 20% dos esgotos tratados nas 52 maiores ETAR do país sejam reutilizados.
A contribuição extraordinária sobre produtores de energia vai ser reduzida no próximo OE?
Não vou falar sobre o próximo OE. Faz sentido substituir o ISP por uma taxa de carbono mais abrangente, que não incida só sobre combustíveis mas sobre várias formas de emissões? Em primeiro lugar faz sentido não reduzir o ISP. Ainda temos um conjunto de benefícios fiscais perversos do ponto de vista ambiental e que totalizam 400 milhões/ano, que já começamos a reduzir com a isenção de ISP para a produção de eletricidade a partir do carvão – e ajudou a equilibrar preços na produção e a reduzir emissões: no último ano, caíram 9% em Portugal e 3% no resto da Europa. O governo anunciou em 2017 uma tarifa solidária para o gás engarrafado, do qual ainda dependem dois terços das famílias em Portugal, mas que ainda não saiu do papel.
O que correu mal?
Está a correr bem e em breve será concretizado. Dez municípios quiseram fazer parte do projeto-piloto. Não me revi no que havia quando assumi a pasta porque o fornecedor de gás era uma só empresa e achámos que devíamos abrir a outras.
O “em breve” significa o quê?
No início do próximo ano [arranca o projeto-piloto, que poderá durar cerca de um ano].
A Transtejo comprou dez novos barcos, dois pagos pela ANA Não faria sentido serem elétricos?
São a diesel e vão ser a gás natural. O que é que se pode fazer para terem menos emissões? Com o orçamento que tínhamos não havia forma de serem elétricos. Não só seria muito mais caro como teriam todos de ter em cada local (são oito) postos de carregamento, e seriam precisos mais navios porque teriam de estar várias horas a carregar. Há um grande ganho ambiental em serem a gás natural
Era quão mais caro?
Por navio, à volta de 25%, mais as estruturas de carregamento. O sucesso da transição para a mobilidade elétrica implica uma rede de carregamento à altura. Que rede prevê ter no final da legislatura e a que preço? Que seja mais barata do que gasóleo e gasolina mas muito mais cara do que carregar em casa. O carro elétrico é pensado para ser carregado em casa. Temos uma rede de carregamentos rápidos, há muitos players privados e essa rede vai crescendo a par da Mobi.e. O projeto-piloto será temiinado neste ano com carregadores em todos os concelhos e ainda neste ano lançaremos um concurso para a concessão de 600 a 700 da rede Mobi.e.
Em relação à evolução dos preços, o que prevê na rede Moble?
No que respeita ao carregamento rápido, as empresas têm preços diferentes, de mercado. Quem carrega em casa consegue um de 15% a 20% quando comparado com o diesel – faz parte do programa do governo que os regulamentos municipais de construção passem a integrar a obrigatoriedade de carregadores elétricos nos condomínios. Mas há um preço associado ao consumo de eletricidade… No Portugal Mobi Summit, admitiu que seria necessário alargar apoios para a compra de carros elétricos. O que deve mudar? O número de canos. São questões orçamentais e não me vou alongar. Tivemos três milhões de euros alo- cados ao apoio aos elétricos. Queremos fazer crescer esse montante. Incluir híbridos é hipótese? Não. O incentivo é para emissões zero.
E recuperar o apoio ao abate?
Não me parece uma pretensão insensata, mas temos o (linheiro que temos…
O concurso para expansão do metro de Lisboa foi adiado. A obra que devia concluir-se em finais de 2022 será atrasada? A expectativa é que no final de 2023 a linha circular que resulta da junção das linhas verde e amarela esteja em funcionamento. Um ano e meio antes, estarão disponíveis as 14 composições triplas que o Metropolitano está a adquirir.
Este adiamento pode representar uma derrapagem de custos?
De todo. Ainda não recebemos propostas mas o valor-base é o mesmo. O programa do governo propõe um mecanismo de financiamento da redução do tarifário dos transportes públicos.
Qual será a comparticipação do Estado em 2020?
Isso está no Orçamento do ano passado: foram 104 milhões para três quartos do ano. Agora, para o ano todo, o estimado ronda 140 milhões: 125 do OE e 13 a 14 das autarquias, que vão assumir um papel cada vez maior no financiamento. Que futuro antevê o governo para o petróleo e para empresas como a Galp, que é estruturante para o PEB, o emprego… Compramos cerca de 70 milhões de barris por ano.
Para sermos neutros em 2050 não podemos estar a importar mais de dez milhões. A grande aposta não tem que ver com a refinação, mas com a redução objetiva do consumo de petróleo e derivados. A Galp é uma grande empresa da energia e percebe que tem de fazer uma transição. A Total é uma das grandes ganhadoras em alguns lotes do solar. A Galp também tem esta aposta. Está presente nos carregamentos rápidos, nas autoestradas e nos parques de estacionamento. Olho para a Galp como uma grande empresa portuguesa da energia, que vai continuar a ser um playei muito importante, sendo cada vez menos uma empresa de oil & gas.
Quais são os seus principais desafios para esta legislatura?
A ação climática pode escrever-se em três verbos: mitigar (emissões), adaptar (preparar o território) e sequestrar. Ser neutro em carbono não quer dizer emissões zero, quer dizer reduzir muito mais a capacidade de sequestro de carbono, que em Portugal é quase exclusivamente de base florestal, tem a dimensão das emissões que produzimos. O anterior ministério agiu muito bem nas redes que estão no território, de transporte e energia, mas é fundamental agir agora no território propriamente dito na dimensão do capital natural e biodiversidade. Muitas empresas consideram que as metas da descarbonização para Portugal são muito ambiciosas.
Como se alcançarão?
O Papa é mais papista do que eu nas matérias ambientais – isso orgulha- me. Este não é o tempo só de usar a palavra responsabilidade, é tempo de ambição. O que nos é pedido não se compadece com “vamos fazer o melhor”. O projeto de descarbonização a sociedade tem uma enorme dimensão económica. A gestão da floresta passou da Agricultura para o Ambiente.
Que planos tem nessa matéria?
A floresta é um sequestrador de carbono – e é o maior bem. Temos de escolher melhor as espécies, que sejam resistentes ao fogo, adaptadas ao território, durem mais tempo, que se cortem com troncos mais grossos. O problema da floresta é sobretudo da estrutura que temos e dos inúmeros proprietários.
Vai declarar guerra ao eucalipto?
Não vou declarar guerras, mas não tenho dúvidas de que quanto mais grosso for o tronco e mais tarde for cortada a árvore, melhor. Objetivamente, a espécie florestal que dá mais clinheiro em Portugal é o eucalipto – é fundamental remunerar serviços de ecossistema.