Tutela perdeu braço-de-ferro com o regulador do sector e revogou despacho que entregava este tipo de resíduo ao grupo EGF.
Abel Coentrão O Ministério do Ambiente viu cair por terra a sua estratégia de reforço da recolha selectiva de resíduos orgânicos, que passava pela entrega da mesma, em boa parte do território, àEGF, um gigante do sector que detém unidades de tratamento de lixo urbano que servem 174 autarquias e 60% da população. Dando razão ao regulador do sector, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República considerou que essa iniciativa, que chegou a ser publicada num despacho do secretário de Estado do Ambiente, em Agosto, ia muito para além do contrato de concessão assinado em 2014 entre o Estado e este grupo participado pela Mota-Engil, levando Matos Fernandes a ordenar a revogação da legislação. Pelo que o PÚBLICO apurou, o parecer confirma o óbvio, ou seja, que a recolha de biorresíduos é uma actividade de recolha selectiva, mas não a inclui no âmbito do contrato de concessão daEGF. Sendo assim, esta empresa continua impedida de se candidatar a fundos comunitários para esta tarefa, o que leva o Governo a ter de pôr pés ao caminho, prometendo encontrar, em três meses, uma estratégia alternativa para garantir que, até 2023,estes resíduos orgânicos sejam recolhidos separadamentee encaminhados para produção de composto ou debiogás.Até porque seguindo as instruções da PGR, neste momento teria de ser lançado um concurso por município para acesso a fundos comunitários, o que ao ministério parece difícil de gerir. O próprio ministério assume que tomou a decisão de revogar o despacho, apesar de discordar do teor dos pareceres da PGR e da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e de Resíduos (ERSAR), para evitar uma conflitualidade nos tribunais que poderia levar anos e prejudicar o cumprimento das metas europeias. Atada a uma concessão com a qual não concorda, mas que só termina um ano antes de 2035, data em quePortugal terá de reciclar 65% de todo o lixo produzido em nossas casas, a tutela continua, contudo, de candeias às avessas com o regulador, que acusa de ter uma postura que não ajuda ao desenvolvimento do sector. O despacho, assinado pelo anterior secretário de Estado do Ambiente, João Ataíde das Neves,fora publicado em Agosto contra o parecer daERSAR, cujo presidente, Orlando Borges, acusou no mês passado o Governo de ultrapassar as competências do regulador, e de estar, sem concurso público, a alargar o âmbito de uma concessão, entregando ao grupoEGF,, uma fatia do mercado, a do chamado lixo orgânico, cuja recolha, nas áreas onde ela intervém, é da responsabilidade das autarquias. Que nalguns casos a delegam naEGF, mas em muitos outros a entregam a outras entidades.A associação que representa outros operadores do sector, aAEPSAatribuiu um valor a este negócio que lhes estava a fugir das mãos – 60 milhões de euros, por ano, no mínimo. Eaté acusou o Governo de ir contra a Constituição, ao limitar, por meroespacho, a esfera de competências das autarquias. Uma crítica reiteradapelo autarca Aires Pereira, da Póvoa de Varzim, presidente daLipore daSmartWastePortugal. Com aEGFem silêncio e aAEPSAà espera de ler o parecer da PGR, para poder tomar posição, a primeira reacção a este desfecho, “que já era esperado”, veio da associação ambientalista Zero. Paulo Lucas, especialista na área dos resíduos urbanos acusou o ministério de ter tentado “seguir o caminho mais fácil” com um despacho cuja argumentação “era muito frágil” do ponto de vista jurídico, e aproveitou para insistir na necessidade de revisão da concessão atribuída àEGF. A Zero há muito que defende a separação entre a função de tratamento (entregue, entre outros, aos sistemas de gestão daEGF) e a recolha selectiva dos vários tipos de recicláveis. Que, insistem,deve ficar na esfera municipal, por um motivo simples: quanto menos lixo indiferenciado entregar para tratamento, menos uma câmara pagará em taxas de gestão de resíduos. O que é, só por si, um excelente incentivo à promoção da reciclagem, defendem. Continuar a ler