Presidente da Associação das Empresas do Setor do Ambiente admite que tarifas no privado são mais caras.
Já não será nesta legislatura, mas nas gavetas do governo há uma proposta para rever as regras das concessões de água a privados. O setor está contra intervenção do regulador nas tarifas.
São mais de 25 anos de concessões privadas nas águas e Eduardo Marques, presidente da Associação das Empresas Portuguesas do Setor do Ambiente (AEPSA), admite que o tabuleiro dos riscos tem estado desequilibrado a favor das empresas. Com as regras em revisão, e municípios a desfazer contratos, o setor propõe mudanças, mas rejeita a mão do regulador na definição de tarifas.
P – O regulador quer rever as regras de concessões ao setor privado nas águas. A AEPSA tem uma proposta, que entregou ao governo. Qual é o objetivo?
R – O decreto-lei que rege a atividade do serviço municipal de abastecimento de água já tem dez anos. Está na altura de ser efetivamente alterado. Entregámos uma proposta para melhorar a sustentabilidade das entidades gestoras, das concessões, e para haver uma maior dinamização de contratos. Existem 33 concessões, cerca de dois milhões de portugueses são abastecidos, o que é muito pouco. Em Espanha mais de 50% destes serviços são concessionados a privados. Temos know-how, qualidade. Os acionistas privados já investiram cerca de 1200 milhões de euros em infraestruturas. Há capacidade para investir outro tanto ou mais se houver estabilidade regulatória e legislativa.
P – É apontado a estas concessões um problema de desequilíbrio dos riscos, que caem excessivamente sobre os municípios. Também o reconhecem?
R – É necessário clarificar a matriz de risco para não haver dúvida quando algo não corre como previsto. O que se passou, sobretudo nas primeiras concessões, é que foram definidos parâmetros de consumo muito irrealistas. Foi dito que a população ia crescer 1% ou 2% ano, que não tem crescido, antes pelo contrário. Foi dito que as capitações – litros/habitante/dia – iam chegar aos 200 litros. A média nacional anda nos 130 e nas zonas rurais não passa dos 85. Essa diferença originou obrigatoriamente ree- quilíbrios dos contratos. Para evitar esse tipo de situações, a AEPSA propôs ao governo que o risco da procura fique exclusivamente do lado da concessionária.
P – Esta situação, que tem originado litígios – o caso mais paradigmático será o de Mafra, que levou ao endividamento do município para poder compensar a concessionária -, está a fazer recuar as câmaras?
R – Tudo o que é previsto num contrato não se pode chamar litígio. Os contratos de concessão têm mecanismos específicos para fazer um reequilíbrio económico-financei- ro. Por exemplo, se há legislação que faz os impostos aumentarem brutalmente, então, vamos ter de reequilibrar o contrato. Também está previsto o resgate da concessão, ou seja, em determinadas situações o concedente pode achar que é preferível do ponto de vista económico, social, resgatar a concessão. Mafra está acabar a concessão. Até nem faz muito sentido, mas achou que seria interessante resgatá-la. Tem de pagar uma indemnização de 21 milhões de euros e fica a gerir os serviços. Não sei se vai arrepender-se ou não, mas o futuro dirá.
P – Pode haver mais municípios a resgatar contratos?
R – Penso que não. Está provado que o setor privado tem melhor qualidade de serviço. Os consumidores estão satisfeitos. Uma concessão pode ter 700 funcionários, muito know-how. Quando passarmos para o município fica restringido a 40 ou 50 pessoas, portanto vão perder muita capacidade na gestão. Por outro lado, sabemos que há muito para fazer e os municípios não têm grande capacidade de financiamento. Muitos estão mesmo impedidos de financiar.
P – O investimento na renovação das infraestruturas é baixo quer no setor privado quer no público. Porquê?
R – Na maior parte dos municípios não dá votos. Uma coisa é ter de fazer uma infraestrutura porque é preciso um serviço. Mas a renovação de condutas não vai dar mais serviço, vai dar apenas melhor serviço e menos custo. Quanto mais se arrastar este problema, mais caro vai ser no futuro. É preciso reabilitar mais. Devia haver uma reabilitação média das condutas na ordem dos 2%. Em Portugal, estamos a reabilitar 0,3% a 0,4%. No setor privado, anda por aí, mas as condutas do setor privado foram feitas há muito pouco tempo. É a grande razão para o setor privado também não estar a reabilitar mais.
P – As concessionárias privadas têm as tarifas mais altas. Isto tem que ver com a forma como se fixaram os contratos?
R – Em média, em Portugal, as tarifas são baixas. Há um grande espaço de manobra de aumento de tarifas. Se pegarmos nos custos totais de uma família com os serviços que todos temos em casa, a água e saneamento correspondem a 6%, 7%. A nível europeu, estamos bastante abaixo da média, com cerca de dois euros por metro cúbico. Diz-se, com alguma razão, que as tarifas do privado são mais caras do que as do público. Isso é verdade em alguns casos. Mas o que se passa é que muitas entidades gestoras, sobretudo as mais pequenas, são altamente subsidiadas pelos municípios. É comparar algo que não é comparável.
P – Havendo esta diferença de tarifas e rentabilidade entre os 9% e os 13%, faz sentido haver casos em que as concessionárias – tal como disse, com base em objetivos irrealistas – procuram recuperar os valores em diferença nos consumos?
R – Essas taxas de rentabilidade são ao longo da vida da concessão. Devido aos fortes investimentos, os primeiros dois terços de vida da concessão estão em cash ílows negativos. Agora, há um momento zero que é o concurso público que define parâmetros macroeconómicos. O concorrente que ganhou, ganhou com uma determinada tarifa, com pressupostos que estão baseados no caderno de encargos. Isso constrói o chamado modelo económico-financeiro da concessão. A partir do momento em que se chega à conclusão de que alguns desses dados fornecidos pela entidade adjudicante estão completamente fora daquilo que estava previsto tem de haver reequilíbrio. Pode ser feito de muitas maneiras, mas tem de haver ajustamento, seja com aumento de tarifas, com aumento do período de concessão, ou com alteração do investimento. Há muitas ferramentas que permitem ajustar o contrato para a concessionária não ficar insolvente.
P – Mas não temos casos desses…
R – Todas as concessionárias têm casos desses. É necessário ajustar os contratos à realidade do dia-a-dia. São os chamados processos de reequilíbrio, que são poucos. Um estudo da Deloitte apontou que, em média, os reequilíbrios são feitos a cada 6,5 anos.
P – Há 1,5 reajustamentos por contrato…
R – É de 1,5 por contrato e a periodicidade, em média, é baixa em termos internacionais. O que é bom porque significa que há poucos problemas nos contratos.
P – Tentando ver as coisas do ponto de vista quer do consumidor quer também da gestão das autarquias, com este quadro de rendibilidades e neste setor particular, que é essencial, faz sentido pedir o reequilíbrio porque o contrato tal permite?
R – É uma questão de sustentabilidade. Se não a concessão tem de acabar. Tenho os meus custos operacionais, tenho os custos financeiros associados ao investimento, se depois as minhas receitas forem significativamente inferiores ao que estava previsto, e que foram baseadas em dados fornecidos no concurso, a equação depois não fecha. Gastei cem, previ ganhar 105 e só estou a ganhar 70. Tenho de fechar porque estou em prejuízo permanente.
P – Propõem baixar a percentagem a partir da qual há partilha de ganhos com os municípios, de ioo% para os 50%. Mas, uma vez que as concessões nunca atingem esses níveis de rentabilidade, isso teria algum impacto?
R – Dificilmente. O que existe neste momento é desequilibrado – não fomos nós que propusemos. Agora, quando a taxa de rentabilidade ultrapassa o dobro o concedente pode ter reequilíbrio. É desajustado e propusemos passar esses 100% para 50%. A rentabilidade pode ser aumentada através de uma gestão muito eficiente. Já estamos a fazer um esforço grande.
P – Mas não acaba por ser igual?
R – Vai ser difícil. Seria bom para todos que esses casos acontecessem com alguma regularidade, mas neste momento não estou a identificar nenhum. Neste momento a situação normal é as taxas de rentabilidade estarem abaixo do previsto nos modelos económicos. E aí o risco é todo da concessionária. Posso ter previsto 10% no meu contrato e posso estar em 7% ou 8%.
P – A associação entende que o regulador deve ter uma posição mais recuada. Isto significa que há perspetiva de lhe ser dado um papel mais interventivo?
R – O regulador tem o seu papel definido na lei. Como tudo na vida, as leis têm interpretações. O regulador, neste momento, está com uma interpretação do seu papel um bocadinho para lá do que nos parece razoável, quer nas águas quer nos resíduos. Há dois tipos de regulação a nível mundial: regulação por contrato e regulação por agência/ regulador. A regulação por contrato é o que existe nas concessões privadas em Portugal. O que o regulador quer fazer agora, com o novo regulamento que lançou para a Águas de Portugal e para as entidades gestoras em baixa em gestão direta, é um modelo de revenue cap, com uma interferência muito forte na definição das tarifas. Isto não é compatível com um contrato. As concessões privadas, obrigatoriamente, têm de ser regidas por contrato, se não não há concessões. Nas outras entidades, o regulador terá o seu papel dentro dos seus estatutos.
P – Tem havido entradas e saídas de acionistas no mercado. Como é que evolui o setor?
R – É um sinal extremamente positivo. Quando há saídas, é porque há entradas. É porque alguém entende que há negócios que podem ser atrativos para o futuro. Houve uma evolução grande. O setor investiu 1200 milhões de euros, grande parte em infraestruturas, portanto houve uma apetência grande de acionistas construtores, obviamente com operadores. A partir do momento em que os planos de investimento foram concretizados, houve uma tendência natural para os construtores venderem as suas quotas a operadores. Algumas empresas foram compradas por acionistas estrangeiros, que investiram aqui muitas centenas de milhões de euros. Temos chineses, japoneses, israelitas, americanos, espanhóis, enfim, o mundo é pequeno.
P – É este modelo dos contratos que é atrativo?
R – O que é atrativo é serem negócios de longo prazo. As concessões são, normalmente, de até 35 anos, o que dá estabilidade. Quando uma arionista é um fundo de investimento ou de pensões, precisa de ativos com estabilidade temporal. Mas, para atrair mais investimento, é fundamental haver previsibilidade legislativa e regulató- ria. Não podemos andar em cada legislatura a mudar as leis e as regras do jogo porque isso não é compatível com contratos a 30 anos.
Perfil
O líder das PPP das águas
Eduardo Marques é desde o início do ano passado o presidente da AEPSA, a associação que representa sete grupos privados que gerem 33 concessões de água no país, 30 dos quais no abastecimento direto às torneiras dos consumidores. É também desde então administrador na Parceria Portuguesa para Água. Engenheiro civil formado na Universidade do Porto, onde foi professor até 1997, passou pela Soares da Costa e pela OFM antes de chegar à Indaqua, o maior operador privado português nas concessões municipais de água. É hoje chief business developement officer no grupo que saiu das mãos da Mota-Engil para as de investidores israelitas e britânicos, e responsável pela Indaqua Oliveira de Azeméis e pelas operações em Angola.