Um estudo publicado na última semana revelou que pequenos camarões que vivem entre seis e 11 mil metros de profundidade têm microplásticos no seu trato digestivo
É sabido que animais como peixes e aves aquáticas estão a consumir microplásticos – há estudos a demonstrá-lo tanto lá fora como por cá -, tal como é certo que, em maior ou menor quantidade, não há oceano que não tenha plástico. Por desvendar, no entanto, estava ainda uma questão determinante no conhecimento que temos sobre a efetiva biodisponibilidade do plástico nos oceanos: terão os microplásticos invadido já os ecossistemas marinhos mais profundos do planeta? Um novo estudo publicado na revista científica “Royal Society Open Science” no último dia 27 vem confirmar o pior cenário: não só já invadiram, como já chegaram mesmo à Fossa das Marianas, que com mais de 11 mil metros de profundidade é o local mais profundo dos oceanos.
Investigadores da Universidade de Newcastle (Inglaterra), da Universidade de Aberdeen (Escócia) e do Instituto Marinho Escocês descobriram micro
plásticos e partículas sintéticas em anfí- podas – crustáceos, pequenos camarões que vivem entre seis e 11 mil metros de profundidade – presentes em seis das fossas oceânicas mais profundas do mundo: Japão, Izu-Bonin, Marianas, Novas Hébridas, Kermadec e Peru/Chile, todas localizadas no oceano Pacífico.
Não é exagero dizer que os resultados da análise são assustadores: segundo se lê no artigo, dos 90 animais dissecados, 65 tinham pelo menos uma partícula de microplástico no trato digestivo. E mais: a análise revelou a presença de microplásticos nas seis fossas, algumas das quais se distanciam milhares de quilómetros entre si. Um dado especialmente curioso é o facto de, quanto mais profunda a fossa, mais microplásticos existirem: se na Fossa das Novas Hébridas – cuja profundidade está estimada em cerca de 7600 metros – 50% dos animais dissecados tinha microplásticos no trato digestivo, na Fossa das Marianas (11 mil metros) todos os animais analisados tinham plástico no seu organismo.
No total, os investigadores reuniram
122 micropartículas, que categorizaram em dois tipos diferentes de plástico: fibras e fragmentos. As fibras – oriundas na sua maioria de roupa feita em nylon – foram encontradas em todas as fossas, estando presentes em 84% dos anfípodes, enquanto os fragmentos foram encontrados em 16% dos animais e apenas na Fossa das Novas Hébridas.
“Parte de mim estava à espera de encontrar alguma coisa, mas isto é enorme”, disse à Agence France-Presse (AFP) Alan Jamieson, da Universidade de Newcastle. “O aspeto essencial é que eles [os microplásticos] foram consistentemente encontrados em animais ao longo de todo o oceano Pacifico em profundidades extraordinárias, por isso não percamos tempo. [O plástico] está em todo lado”, lamentou o investigador.
DA BUSCA POR NOVAS ESPÉCIES À BUSCA POR PLÁSTICOS Jamieson e a sua equipa dedicam-se à pesquisa de novas espécies nas profundezas dos oceanos e ao longo das várias expedições, que têm vindo a ser realizada há mais de uma década, juntaram dúzias de anfípodes. Decidiram então procurar plásticos. Temos dados dos ecossistemas mais profundos do mundo, por isso se encontrarmos [plásticos] aqui [nos crustáceos das fossas], estamos acabados”, declarou Jamieson à mesma fonte.
Devido à sua pequena dimensão – menores do que cinco milímetros – os animais confundem-nos com alimento, acabando por ingeri-los. “Estas partículas podiam simplesmente passar ao longo do animal, mas nos animais que analisámos estavam a bloqueá- los. O equivalente seria nós engolirmos um fio de polipropileno com dois metros e esperar que isso não tivesse um efeito adverso na nossa saúde. Não há um lado bom nisto”, comparou Jamieson. É possível que o plástico chegue já aos oceanos em micropartículas, mas outra possibilidade, como admitem os investigadores, é surgirem da deterioração de partículas de plástico grandes que chegam ao oceano. Em qualquer dos cenários, o seu destino é o mesmo: atraem bactérias,
ficam mais pesadas e acabam por afun- dar-se, transformando um fundo do mar num depósito de plástico.
“Mesmo que mais nenhuma fibra plástica fosse para o mar a partir daqui para
a frente, tudo o que está no oceano irá eventualmente afundar. E onde está o mecanismo para as tirarmos quando chegam a mar profundo?”, questionou o investigador já citado. “Estamos a empilhar o nosso lixo no sítio sobre o qual menos sabemos”, lamentou. A equipa acredita que os resultados obtidos sugerem que, provavelmente, não há nenhum local nos oceanos que não esteja contaminado por plástico.
UM SACO DE PLÁSTICO NO FUNDO DO MAR
Em maio do ano passado, um estudo que se debruçava sobre o lixo no mar já tinha lançado o alerta quanto à disseminação do plástico. No âmbito do projeto Deep- Sea Debris Database, uma equipa de cientistas analisou vídeos e fotografias tirados em mais de cinco mil mergulhos realizados ao longo dos últimos 30 anos com o objetivo de fazer o retrato do tipo de resíduos presentes no oceano. A maioria do lixo encontrado era em plástico, seguido de borracha, metal, madeira e tecido. E entre os resíduos de plástico encontrados, 89% eram descartáveis – para usar uma vez e deitar fora.
O detrito mais profundo encontrado pelos cientistas, de resto, foi um saco de plástico de supermercado: foi visto a 11 mil metros, na Fossa das Marianas.