Volume de perdas seria suficiente para encher 281 piscinas olímpicas por dia Macedo de Cavaleiros é o que tem pior registo (77%) e Loulé o melhor (5%)
Água perdida em ano de seca enchia 281 piscinas olímpicas por dia
Volume não faturado piorou em 2017. Perdas subiram em 48,2% dos municípios
Há 79 concelhos, como Macedo de Cavaleiros, em que mais de 50% é desperdiçada
AMBIENTE As perdas de água agravaram-se em ano de seca, apesar das medidas de poupança que os autarcas e as entidades gestoras dos sistemas de abastecimento anunciaram por todo o país, e metade dos concelhos (48,2%) piorou o seu registo em 2017. Feitas as contas, o volume de água não faturada em Portugal seria suficiente para encher 281 piscinas olímpicas por dia.
O mau desempenho reflete-se no índice nacional que cresceu de 29,8% para 30,2%. O relatório anual da Entidade Reguladora dos Serviço de Águas e Resíduos (ERSAR), publicado no final de dezembro, contabiliza 256,6 milhões de metros cúbicos (m3) de água não faturada, mais 15,7 milhões de m3 do que em 2016. A água não faturada é aquela que se perde nas condutas envelhecidas no percurso até às torneiras e é o volume de água usado para fins públicos não pagos, como regar jardins ou encher piscinas.
As perdas de água agravaram-se em 134 concelhos, mas 121 melhoraram o seu registo. Dos 278 municípios do continente, 23 não forneceram dados para avaliar a evolução. É relevante o facto de 64% (179) dos concelhos finalizarem o ano de seca com um índice de água não faturada superior à média nacional de 30,2%. Acresce que, em 79 municípios, mais de metade da água comprada pelas autarquias é perdida. Isso sucede sobretudo no interior, onde existem menos equipamentos públicos, o que significa que a maioria dos 256 milhões de m3 não faturados foi efetivamente desperdiçada.
40 MILHÕES PARA OBRAS
A lista é encabeçada por Macedo de Cavaleiros, onde 76,9% da água comprada para abastecer a população não foi faturada. Também Peso da Régua, Cabeceiras de Basto, Murça, Santa Marta de Penaguião, Chaves, Castanheira de Pera, Castelo de Paiva, Mação e Moimenta da Beira perderam 70% ou mais da água que compraram.
Benjamim Rodrigues, autarca de Macedo de Cavaleiros, reconhece a gravidade do problema, fruto de uma infraestrutura antiga e sem reparações, de roubos de água e da falta de controlo na cobrança nas aldeias. “As pessoas não aderiam ao pagamento de água nas aldeias”, incluindo empresas. “A água tem custos para nós. Estamos a preparar candidaturas para melhorar as infraestruturas”, frisa. Na Régua, decorre o levantamento do estado das condutas para identificar e solucionar fugas, perspetivando-se uma candidatura a fundos europeus para substituí-las.
O Governo apresentou, a 11 de dezembro, uma linha de investimento de 40 milhões de euros do Portugal 2020 para combate às perdas de água. O apoio permite alavancar um investimento total de 100 milhões. A meta é reduzir a taxa de água perdida para 20%.
Há municípios que já apresentam taxas reduzidas, como Loulé, Santo Tirso, Lisboa, Campo Maior, Cascais e Alcobaça. Braga fechou o ano de 2017 com 13,9%, Faro com 20,1% e o Porto com 19%.
Os números confirmam que o ano de seca trouxe um maior consumo de água da rede pública. Cada habitante gastou 192 litros por dia, mais cinco litros diários do que em 2016. Fazendo contas só ao consumo doméstico, também aumentou: cada morador gastou 126 litros, mais dois litros do que no ano anterior. O encargo médio com a água para o utilizador final cresce, pelo menos, desde 2014. Nesse ano, cada consumidor pagou 126,5 euros por ano. Três anos depois, o encargo por utilizador subiu para 131 euros.
EXEMPLO
Rede pública no Marco só chega a 58% das casas
População é forçada a recorrer a poços. Diferendo jurídico atrasa alargamento do serviço de água
ACESSIBILIDADE Metade da população do Marco de Canaveses é obrigada a consumir água de poços, muitos deles contaminados por causa da inexistência de saneamento. E não é caso único no país. Apesar da média nacional de acessibilidade física ao serviço de abastecimento de água superar os 90%, há concelhos que estão muito distantes dessa marca.
Em 2017, indica a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), Marco de Canaveses tinha o pior registo com a rede pública de água a chegar a 43% das habitações. Seguem-se Monchique (57%), Vila Verde (64%) e Vale de Cambra (65%).
Também há o reverso da medalha. Em alguns municípios, as condutas passam à porta da maioria das casas, mas a população recusa aderir. Felgueiras (58,2%) e Arcos de Valdevez (60,7%) são os municípios com mais fraca adesão.
PROBLEMA POR RESOLVER
A Câmara do Marco de Canaveses garante que o valor é superior ao indicado pela ERSAR, com a rede pública de água a chegar a 58% do território em 2018. A discrepância é explicada pelos sistemas de distribuição locais de quatro freguesias que ainda não foram integrados na concessão da Águas do Marco e que fogem ao controlo da ERSAR.
Ana Pinto, 35 anos, cabeleireira, recusa beber água da torneira, usa-a para lavar as cabeças das clientes. “Tem muito ferro”, justifica. O salão de cabeleireira localiza-se na Rua do Ferroviário, paredes-meias com a estação da CP. Do outro lado da freguesia, há rede pública, mas ali não chegou.
O facto da água potável da rede pública em 2019 estar disponível só em cerca de 50% do território está relacionado com o braço de ferro jurídico entre a Câmara e a Águas do Marco desde 2007. A Autarquia, à data presidida por Manuel Moreira, alterou unilateralmente o contrato para baixar o tarifário e alargar o âmbito da concessão a freguesias a descoberto. A concessionária contestou e viu o tribunal arbitral dar-lhe razão, condenando o Município a pagar-lhe 16 milhões de euros. A Câmara recorreu para o Tribunal Administrativo Central do Norte e não há fim à vista, embora a atual presidente de Câmara, Cristina Vieira (PS), tenha prometido resolver a questão.
O empresário Ernâni Pinto, chegou a apresentar uma ação popular para anular a concessão, mas foi arquivada por falta de legitimidade para contestar o contrato aprovado em 2003, no último mandato de Avelino Ferreira Torres. “Tem de ser o poder político nacional a resolver isto, porque a realidade é gravíssima”, alerta o empresário.»
Municípios em que mais de 50% da água não é faturada
Baixa adesão é risco
Apesar de 98,9% da água que corre nas torneiras em Portugal ser segura, a adesão à rede pública de água pelos moradores fica-se pelos 87%. E tem crescido muito pouco ao longo dos anos, embora a ligação à rede seja obrigatória por lei desde 2009. Para a ERSAR, este nível de adesão é “insatisfatório” e encena riscos para a saúde pública pelo uso de poços e de outras origens de água que não são controladas.
Norte paga mais
O Norte paga mais pela água do que as restantes regiões do país. Num consumo de 10 m3 mensais, os nortenhos desembolsaram, em média, 11,8 euros por mês só de água, sem tarifas fixas. A segunda região mais cara é o Centro, seguida de Lisboa. O custo da água é mais baixo no Algarve (8,5 euros) e no Alentejo (8,9 euros). Já a recolha do lixo e o saneamento são mais dispendiosos no Algarve.
SABER MAIS
69% dos utilizadores bebem água da torneira. Esse hábito é mais comum na Região Norte e menor no Alentejo e no Algarve.
60 mil queixas dos clientes de água, saneamento e recolha de lixo em 2017. Só 4975 foram feitas di- retamente à ERSAR.
54% das reclamações recebidas pela ERSAR foram referentes à faturação e à cobrança. Neste grupo, destacam-se queixas por suspensão do serviço por mora no pagamento.