Retomo os artigos de opinião sobre o tema dos resíduos com o espírito bem mais aliviado, agora que na versão final do PERSU 2020+ o Ministério do Ambiente deixou cair a ideia de gastar 200 milhões de euros na queima de resíduos e reencaminhou essa verba, e até um pouco mais, para a recolha seletiva e a reciclagem.
E foi mesmo com grande agrado que verifiquei que o Governo percebeu que o cumprimento das metas de reciclagem de resíduos urbanos em Portugal estaria irremediavelmente comprometido, caso se avançasse com as novas linhas de incineração.
A versão do PERSU 2020+ que foi a consulta pública sofreu assim um autêntico processo de reciclagem que permite agora ver com alguma esperança a possibilidade de termos efetivamente a introdução do conceito da Economia Circular na gestão dos resíduos urbanos.
Em primeiro lugar porque não vai haver desvio de verbas para soluções de fim de vida típicas da Economia Linear, como é o caso da incineração, e em segundo lugar porque com as novas verbas afetas à recolha seletiva de orgânicos e à recolha de embalagens, existe todo um novo mundo de possibilidades que vai ser possível explorar.
Mas não tenhamos ilusões, a tarefa que o país tem pela frente nesta área é gigantesca se quisermos cumprir ou aproximarmo-nos das metas de reciclagem.
Não nos podemos esquecer que Portugal praticamente ainda não tem recolha seletiva porta-a-porta e que só com esta solução será possível aumentar substancialmente a recolha seletiva multimaterial, desenvolver a recolha de orgânicos ou ainda introduzir o PAYT a sério.
E, associado a esta questão, temos o problema de em praticamente todos os sistemas multimunicipais a recolha seletiva ser feita pela EGF, enquanto que a de indiferenciados é feita pelas autarquias, situação que impede logo à partida o avanço das soluções acima descritas.
O Governo que sair das próximas legislativas vai ter mesmo de olhar para este grave problema de frente e, de uma vez por todas, devolver a recolha seletiva às autarquias deixando o tratamento em alta para o Sistema de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU).
Até porque nos sistemas da EGF ocorre uma situação insustentável que é o facto da EGF ser ao mesmo responsável pela recolha seletiva e pela receção e tratamento de resíduos indiferenciados, não podendo as autarquias fazer o que quer que seja para aumentar a reciclagem e assim reduzirem a fatura que pagam à EGF pelo tratamento dos indiferenciados, enquanto que a EGF tem naturalmente pouco interesse em investir na recolha seletiva, uma solução que lhe iria reduzir as receitas provenientes do tratamento dos indiferenciados.
Enfim, uma grande confusão que foi criada em 1996 no primeiro PERSU, quando o Governo de então resolveu dar à EGF, na altura uma empresa pública, a responsabilidade pelo tratamento em alta e pela recolha seletiva. Se a situação já era grave na altura, pior ficou quando a EGF foi privatizada.
Bom, mas sejamos otimistas, até porque agora com uma espécie de phase out da incineração e sem a pressão permanente desse lóbi, o Governo e as autarquias poderão pensar com mais calma na melhor forma de introduzir o porta-a-porta, a recolha de orgânicos e o PAYT, a par de outras medidas como o sistema de tara para as garrafas descartáveis ou a compostagem doméstica.
E não esquecer que há muito trabalho a fazer nos TMB, como seja a sua preparação para receberem resíduos orgânicos da recolha seletiva ou a melhoria da triagem de embalagens no tratamento mecânico (há mesmo um TMB que nem tem abre-sacos).
Rui Berkemeier é Engenheiro do Ambiente licenciado pela FCT/UNL. Foi Técnico Superior da Direção de Serviços de Hidráulica do Sul em Évora (1988-1992), na área de Controlo da poluição hídrica e extração de inertes, e Chefe de Setor de Ambiente da CM das Ilhas em Macau (1992-1996) na Gestão de Resíduos e Educação Ambiental. Desempenhou as funções de Coordenador do Centro de Informação de Resíduos da Quercus de 1996 a 2016 acompanhando as políticas nacionais de gestão de resíduos. Atualmente é técnico especialista na Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável.