Água e Ambiente Uma das peças da reorganização dos sectores das águas e dos resíduos passa pelo reforço da discriminação nas facturas dos valores pagos pelos consumidores, o que implicará o acesso directo ao cashflow por parte das entidades gestoras em alta. A coligação governamental justifica mais informação como forma de assegurar a sustentabilidade do sector, mas a oposição olha para a medida como mais um passo no caminho da privatização da água. A proposta de lei 140/XII visa alterar o decreto-lei 194/2009, que estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos. O Governo pretende modificar os regimes de facturação e de contra-ordenações para que os consumidores passem a saber os valores por cada serviço que pagam. Segundo a proposta, a decomposição dos custos deve “permitir a afectação das receitas constantes da factura” às entidades a que são devidas e que “constituem receita própria das entidades gestoras dos sistemas”. A proposta passou na generalidade na Assembleia da República, em Maio, com os votos do PSD e do CDS-PP. Os deputados do PS, PCP, Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) e Bloco de Esquerda votaram contra. Encontra-se na comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local para discussão na especialidade. Em 17 de Julho foi decidida a prorrogação da sua apreciação por mais 90 dias. Altino Bessa, deputado do CDS-PP, considera que a proposta “é mais uma das ‘peças do puzzle’ relevantes no processo de reestruturação económico-financeira do sector das águas e resíduos, que visam proteger toda a cadeira de valor destes serviços públicos essenciais”, através de mecanismos “que permitem garantir a disponibilização de serviços (na ‘baixa’) com a qualidade necessária e exigível, sem comprometer a sustentabilidade da componente ‘em alta'”. As dívidas ao grupo Águas de Portugal ascendem a mais de 550 milhões de euros (no final de 2012), devido ao “não pagamento desse serviço por parte dos sistemas municipais”. A nova lei, prossegue o deputado, “ao estabelecer mecanismos de discriminação das facturas (detalhadas), promove a necessária transparência junto dos consumidores que, desse modo, passam a conhecer as diferentes componentes dos custos das tarifas que pagam pelos serviços de águas e de resíduos”. O deputado Pedro Farmhouse (PS) constata que a proposta visa “a subconcessão dos sistemas multimunicipais de abastecimento e tratamento de água”. O actual pacote legislativo, nota o socialista, apenas admite a participação minoritária de privados nas entidades gestoras e o novo diploma é “mais um passo na criação de condições para privatizar a água”. E salienta: “Esta é uma peça legislativa só aparentemente inocente, já que coloca em causa a autonomia do poder local, prevendo a consignação directa das receitas para o ressarcimento das dívidas das autarquias aos sistemas multimunicipais.”O grupo parlamentar do PCP, em resposta ao Água&Ambiente, entende que a proposta se insere “na estratégia do Governo para privatizar o sector das águas e resíduos”. As alterações na facturação e nos tarifários, acusam os comunistas, assumem, em primeiro lugar, “um profundo desrespeito pela autonomia do Poder Local democrático, ao possibilitar a imposição de tarifários pela entidade reguladora, caso não cumpram as suas recomendações, e ao consignar as receitas dos municípios para pagamento das dívidas aos sistemas multimunicipais”. Em segundo lugar, têm “subjacente o aumento dos tarifários para as populações, para valores de três ou quatro euros por metro cúbico, pela prestação destes serviços públicos essenciais”. A deputada do PEV Heloísa Apolónia justifica a oposição à proposta porque ela “visa essencialmente escancarar a porta à entrega ao sector privado da gestão dos sistemas de abastecimento e saneamento de água” – isto, frisa a deputada, “com todas as consequências negativas que daí decorrem para os consumidores, nomeadamente ao nível do tarifário, mas também ao nível da lógica dos investimentos em função das rentabilidades do sistema e da incompatibilidade da ânsia de lucro com o princípio ecologista da poupança do recurso água”. Heloísa Apolónia critica ainda a retirada de “autonomia aos municípios ao nível da fixação de tarifas” e o propósito da nova lei ao determinar “o destino das receitas dos municípios que decorrem da cobrança do serviço da água, ferindo completamente o princípio da autonomia do poder local”. O PSD e o Bloco de Esquerda não responderam em tempo útil ao Água&Ambiente.Luís Filipe Sebastião Pedro Farmhouse, PS”Esta é uma peça legislativa só aparentemente inocente, já que coloca em causa a autonomia do poder local”Heloísa Apolónia, Os Verdes”Visa essencialmente escancarar a