Consequências da carga poluente para a pesca e apanha de bivalves no Sado já motivaram uma contra-ordenação e queixa no Tribunal de Grândola, mas o tratamento dos esgotos continua sem se fazer
Apesar das promessas feitas ao longo dos últimos três anos de que iria ser construída uma estação de tratamento de águas residuais (ETAR), os esgotos da freguesia da Comporta, produzidos por uma população de 2500 habitantes em época alta, vão continuar a ser descarregados, sem tratamento, no estuário do Sado, como acontece há décadas.
Por causa desta situação, o Núcleo de Protecção Ambiental (NPA) de Grândola da GNR tem realizado “várias diligências”, mas tudo continua na mesma. Nas explicações que prestou ao PÚBLICO, o NPA referiu que tem estado “particularmente atento” à situação que acompanha desde 2017, altura em que identificou “o ilícito e procedeu à elaboração de um auto de contra-ordenação”. Na acção mais recente, que realizou no dia 23 de Outubro com elementos da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), procedeu-se “à recolha de amostras de água que foram enviadas para análise”. Na sequência desta intervenção, o NPA apresentou o conteúdo dos factos no Tribunal Judicial de Grândola, sem adiantar mais pormenores.
A APA adiantou ao PÚBLICO que foram recolhidas amostras de água no ponto de descarga da rede de drenagem de águas residuais da povoação da Comporta. E os resultados das observações analíticas efectuadas “evidenciam características típicas de água residual doméstica, mas com valores não muito elevados.”
Questionada sobre as consequências para a actividade piscatória, e sobretudo para a apanha de moluscos, resultantes da descarga dos efluentes contaminados, estas “já se verificam há bastante tempo”, alega a APA, acrescentando que a empresa responsável pela gestão do sistema público de tratamento de águas residuais que serve o concelho de Alcácer do Sal – a Águas Públicas do Alentejo, SA (AgdA) – “está empenhada em construir uma ETAR que trate os efluentes urbanos da Comporta”. Neste sentido, já dispõe de “parecer favorável da APA” para o sistema a instalar.
Num cálculo que a organização ambientalista Quercus efectuou em 2017 à composição dos efluentes lançado no sapal da Carrasqueira e do Esteiro Novo – uma zona de grande sensibilidade ecológica do estuário do rio Sado, dentro dos limites da reserva natural – verificou que o volume de carga orgânica era da ordem das 60 toneladas de CB05 (carência química de oxigénio) por ano.
São efluentes que causam “danos imensuráveis a nível ambiental, económico e social”, alertava a organização ambientalista naquele ano, destacando a importância do estuário como “fonte de rendimento para as populações residentes menos favorecidas”.
O debate à volta da construção da ETAR da Comporta já remonta a 2016. No decorrer da reunião do Conselho Nacional da Água, em Dezembro daquele ano, os representantes da Confederação Portuguesa de Associações de Defesa do Ambiente apresentaram ao ministro do Ambiente, Matos Fernandes, a situação dos esgotos não tratados na Comporta, frisando que a construção de uma ETAR naquela freguesia não “estava contemplada” no Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR). Decorridos oito meses, foi finalmente publicado em Diário da República o concurso público da empreitada de concepção e construção desta estação de tratamento, uma empreitada que iria custar inicialmente 1,35 milhões de euros.
Mas este concurso, que foi lançado em 9 de Agosto de 2017, acabou por ficar sem efeito. “Verificou-se que apenas existia uma proposta, que teve de ser excluída por incumprimento de critérios vinculativos.” Assim, o concurso foi anulado “por ausência de propostas válidas e foi deliberado o lançamento de novo procedimento”, explicou a APA ao PÚBLICO em 2018.
Em Setembro daquele ano, a AgdA publicou o lançamento de um novo concurso para a concepção e construção da ETAR que tinha como data- -limite para a entrega de propostas o dia 27 de Fevereiro de 2019.
O PÚBLICO solicitou esclarecimentos sobre o desenvolvimento do projecto à Câmara de Alcácer do Sal, mas a vereadora Ana Luísa Alferes Pinto Soares apenas referiu que o processo da empreitada para a construção da ETAR da Comporta “é da responsabilidade da empresa Águas Públicas do Alentejo”.
Solicitadas explicações à AgpA, não foi dada qualquer resposta até ao fecho da nossa edição.
Somente a APA adiantou alguns pormenores: a ETAR ainda não foi construída “devido a vicissitudes decorrentes do respectivo processo de concurso público” decorridos quatro anos da apresentação do problema ao ministro do Ambiente, Matos Fernandes.
Há anos que se promete uma ETAR para a Comporta mas a sua construção nunca mais avança