Expresso Há meses que se fala da Reforma da Fiscalidade Verde, mas a maioria das pessoas não percebe exatamente o que aí vem e muitos temem um aumento de impostos. Segundo as contas do Governo, as novas taxas verdes vão render 149 milhões de euros, uma receita que servirá para contrabalançar as reduções do quociente familiar do IRS, desagravando os impactos sobre o trabalho e as famílias. Nem sempre o dinheiro reverterá diretamente para o sector ambiental. O próprio ministro do Ambiente o admite, com a expectativa de que nos próximos anos a situação seja alterada. Mas Moreira da Silva sustenta que “a neutralidade orçamental está garantida”, apesar de poder “não ser neutral para cada um de nós” (ver entrevista). Por exemplo: as taxas verdes podem compensar deduções no IRS com o número de filhos, mas nem todos têm filhos. Nuno Sequeira, dirigente da Quercus, opta por uma descrição metafórica: “Querem casar a reforma da fiscalidade verde com a do IRS, para uma neutralidade fiscal, mas a primeira revela-se o elemento pobre do casal”, já que “90% das receitas vão financiar a reforma do IRS e apenas 10% ficam para fundos ambientais”. O documento aprovado a 5 de dezembro pela maioria parlamentar tem uma longa lista de medidas que entram em vigor já em janeiro e várias assentam numa aposta na mobilidade elétrica. “No caso de Portugal, a mobilidade elétrica significa mobilidade a vento, sol e água”, defende Moreira da Silva. E justifica: “A nossa dependência do exterior assenta sobretudo nos combustíveis fósseis para os transportes e só a conseguiremos reduzir se os descarbonizarmos.” É aqui que entram os incentivos à troca de veículos em fim de vida por carros híbridos ou elétricos, com deduções nos impostos (ver caixas) “de modo a orientar comportamentos sustentáveis”. A montanha e o rato Para o secretário-geral da Associação Nacional das Empresas do Comércio e Reparação Automóvel, Jorge Neves da Silva, “a montanha pariu um rato”. Em seu entender “são mais significativos os aspetos negativos do que as vantagens”. e lembra que o projeto inicial previa retomar o incentivo ao abate de veículos velhos (que acabou em 2010) e “era uma forma de rejuvenescer o parque automóvel com carros mais seguros e amigos do ambiente”. Porém, “a infeliz reforma aprovada em Conselho de Ministros, colocou de lado a possibilidade de adquirir carros com emissões até 100 gramas por quilómetro”, limitando a troca apenas a carros elétricos e híbridos “minoritários no mercado, muito caros e só acessíveis a empresas ou gente com dinheiro”. O recuo é justificado pelo Ministério do Ambiente por “haver risco de desequilíbrio da balança comercial”. Certo é que “em 2007 os carros em Portugal tinham em média sete anos e agora têm 11,5”, garante Neves da Silva. A Quercus lembra que Portugal perdeu a liderança no ranking da UE, descendo para terceiro lugar em termos da frota de veículos ligeiros eficientes. O último estudo da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente conclui que “os novos veículos emitiram em Portugal uma média de 112,2 gramas de dióxido de carbono por quilómetro, em 2013”, e lembra que as metas para 2020 são 95 gramas. “A reforma não foi tão ambiciosa como gostaríamos”, lamenta Nuno Sequeira. E argumenta: “Os comportamentos negativos para o ambiente não são suficientemente penalizados, nem os positivos saem devi- damente beneficiados.” Além disso, acrescenta, “os impostos cobrados não servirão para baixar o preço dos transportes públicos”. Para já, o Governo limita-se a anunciar que não vai aumentar o preço dos bilhetes e dos passes sociais. A Fiscalidade Verde é um caminho que deve ser trilhado, embora com cuidados, concordam dois fiscalistas contactados pelo Expresso. “A criação de impostos verdes deve pressupor o desagravamento da tributação sobre os rendimentos”, defende Afonso Arnaldo, membro da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde. Para o tax partner da Deloi- tte “o maior risco” é o de “os governantes não atenderem à regra da neutralidade fiscal”. Já o fiscalista Nuno Sampayo Ribeiro identifica o impacto negativo sobre a competitividade das empresas nacionais, “em face de concorrentes oriundos de países que não praticam as mesmas exigências ambientais”. E põe a hipótese de serem dados apoios financeiros aos sectores mais atingidos pelas alterações na produção e no consumo. Para Sampayo Ribeiro, na fiscalidade verde “o imposto afirma a sua vocação original de instrumento civilizacional e de progresso social” ao orientar comportamentos no sentido da sustentabilidade ambiental e reprimir quem polui. Carla Tomás TRÊS PERGUNTAS A Jorge Moreira da Silva Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia A reforma da Fiscalidade Verde ficou aquém da proposta inicial. Po