Parecer da ERSAR sobre o negócio da água
Era possível fazer melhor se essa fosse a vontade das partes envoLvidas. É uma das ideias que ficam após da leitura do parecer da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR) sobre a entrada da Câmara no capital da Águas de Barcelos (AdB), através da aquisição de 49% da empresa. O documento foi conhecido na sexta-feira e surge da segunda ronda de negociações. Depois de uma primeira decisão (Março de 2018) na qual recomendava a revisão profunda do modelo de negócio, a ERSAR parece agora conformar-se com as poucas alterações conseguidas. Apesar de reconhecer, tal como já havia feito antes, que esta opção é mais vantajosa do que o pagamento da compensação à AdB (que ascenderia a 221 milhões de euros no final da concessão), o Regulador não deixa
de torcer o nariz ao facto de ver a Câmara tornar-se accionista da empresa. Ao assumir essa qualidade assume riscos acrescidos: às responsabilidades que tem como concedente (entidade que concessionou as redes de água e saneamento) acresce o tornar-se responsável por 49% da empresa e, por essa via e nessa percentagem, ser chamada a contribuir para compensar eventuais prejuízos do negócio. A ERSAR aponta “benefícios difíceis
de identificar e riscos potenciais importantes” para o interesse público e até usa de aLguma ironia peLo facto do modelo de negócio ser apresentado como vantajoso para a Câmara. “A entrada do concedente no capital da concessionária como accionista é apresentada, na proposta, como um um investimento atractivo em termos de rentabilidade – mesmo superior à rentabilidade para os demais accionistas, pelo que, não sendo, em princí
pio, vocação do concedente investir em empresas concessionárias de serviços por ele concursados, seria melhor serem os demais accionistas a aproveitarem esta oportunidade de investimento para poderem oferecer cedências noutras questões sem prejudicar a sua rentabilidade”. Se a Câmara “beneficia directamente”, uma vez que reduz o valor da compensação a pagar à AdB, o mesmo não se pode dizer dos consumidores, uma vez
que esse acordo os “pena- Liza significativamente”. Serão eles a pagar “parte substancial” da já referida compensação. Segundo o cálculo da ERSAR, esse valor atingirá os 133 milhões de euros. Dinheiro que entrará nos cofres da AdB “através do ajustamento das tarifas, designadamente de saneamento e tratamento de águas residuais e de ajustamentos [aumentos] anuais destas superiores à taxa de inflação”. A “oneração substancial das tarifas” vai reflectir-se , sobretudo, nos valores a pagar pelo tratamento de águas residuais, facto para o qual o JB alertou na edição da semana passada. Isto significa que, na prática, o equilíbrio financeiro da concessão passa da esfera do Município para a esfera dos consumidores. Sejam eles particulares ou empresas que são as grandes consumidoras de água e, consequentemente, as que mais efluentes lançam na rede.
Dez meses após o primeiro parecer, a ERSAR reconhece que foi pouco aquilo que conseguiu ver mudado. “Não obstante as tentativas para melhorar algumas disposições deste acordo, só se conseguiu que os investimos adicionais seriam objecto de concurso público (…) e que os ‘fees’ [comissões] de assistência técnica manter-se-ão inalterados. Considera-se que o acordo entre as partes podia ainda ser melhorado, tendo presente que a participação do Município acumula, para além do risco que já lhe era imputado como concedente, 49% do risco antes suportado pelos accionistas originais da Concessionária, desvirtuando os objectivos da decisão inicial de concessionar e sem que se vislumbre forma de assegurar a separação clara entre Município concedente e Município accionista”. Com o valor da compensação a pagar à AdB sempre a crescer e não se prevendo “ganhos adicionais dos esforços de conciliação”, a ERSAR dá a sua intervenção por encerrada, a não ser que as partes solicitem a sua colaboração ou esclarecimentos. A decisão final é do Tribunal de Contas, entidade que tem o poder de autorizar ou impedir este acordo.