Dinheiro Vivo
O que vai substituir os plásticos?
O excesso de plásticos no ambiente é já um problema mundial e a União Europeia quer combater o problema na sua fonte: a produção. Enquanto um consenso mundial sobre o asunto não acontece, as regras no espaço europeu ficam mais restritas e estão a levar ao surgimento de várias alternativas mais sustentáveis.
Os plásticos são extremamente úteis no nosso quotidiano, mas também são um problema urgente que é necessário corrigir. Ou, pelo menos, cujos efeitos é precio mitigar. Só para se ter uma ideia, todos os anos são produzidas quase 32 milhões de toneladas de resíduos de plástico na Europa. E cerca de 80% do lixo marinho é plástico. A verdade é que este é um problema global, eos números mostram que 87% dos europeus estão preocupados com o impacto dos produtos de plástico no ambiente. Uma preocupação que se reflete nos trabalhos levados a cabo pela Comissão Europeia, como é o caso da Diretiva da UE relativa aos plásticos de utilização única e na revisão da Diretiva relativa a embalagens e resíduos destas.
Entre outras determinações, as novas regras impostas pela UE estabelecem que alguns tipos de embalagens de plástico de utilização única serão proibidos a partir de 1 de janeiro de 2030. Estas incluem embalagens para frutas e produtos hortícolas frescos não transformados, embalagens para alimentos e bebidas servidas e consumidas em cafés e restaurantes, porções individuais (como, por exemplo, condimentos, molhos, natas, açúcar), embalagens miniatura para produtos de higiene pessoal e sacos de plástico muito leves (com menos de 15 micrómetros). As metas para já definidas incluem objetivos de redução das embalagens (5 % até 2030, 10 % até 2035 e 15 % até 2040) e exigem que os Estados-Membros reduzam, também, a quantidade de resíduos de embalagens de plástico.
Tendo em conta que este é um problema à escala planetária, a UE está a tentar estabelecer um acordo mundial sobre os plásticos, a fim de apoiar a transição para uma economia circular, tal como estabelecido pela Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente que, em março de 2022, lançou negociações para um novo instrumento internacional juridicamente vinculativo sobre a poluição por plásticos. No entanto esse acordo tem sido em barrado em negociações políticas e ainda não foi alcançado. Apesar de não haver (ainda) um entendimento, isso não significa que no espaço europeu as medidas não avancem. Patrícia Carvalho, coordenadora do Pacto Português para os Plásticos, nota que a proposta do Regulamento agora estabelecido pela UE visa a concretização dos objetivos e metas do Novo Pacto para a Economia Circular – é o Pacto para a Economia Circular II – e também pretende substituir a Diretiva 94/62/CE, relativa a embalagens e resíduos de embalagens.
Convém lembrar, acrescenta, que em 2022, a Comissão Europeia apresentou a proposta de Regulamento relativo a embalagens e resíduos de embalagens. Em abril de 2024, o Conselho e o Parlamento Europeu chegaram a acordo sobre as suas posições em relação à proposta, tendo esta sido aprovada no trílogo da União Europeia. A 16 de dezembro de 2024, o Conselho Europeu adotou formalmente o Regulamento relativo a Embalagens e Resíduos de Embalagens, concluindo assim o processo legislativo. O Regulamento foi depois publicado no Jornal Oficial da União Europeia a 22 de janeiro de 2025, entrando em vigor no vigésimo dia seguinte à sua publicação e sendo aplicável 18 meses após a data de entrada em vigor. Mas qual o impacto real do Regulamento no negócio das empresas e na inovação, nomeadamente no aparecimento de novos materiais ou novos tipos de embalagens? A resposta de Patrícia é simples: o Regulamento, que revoga a atual Diretiva de Embalagens e Resíduos de Embalagens, tem como objetivos a redução da produção de resíduos, a promoção da economia circular, o aumento da utilização de materiais reciclados, bem como a melhoria e harmonização das informações relativas às embalagens para os consumidores.
Apesar de reconhecer a importância de aumentar a reciclagem, Susana Fonseca, da Associação Zero, considera que “é fundamental fechar a torneira”. Ou seja, produzir menos. Postura que tem sido seguida pela UE criando algum consenso com outros países, normalmente os produtores. A Zero não defende a substituição de matérias – e em vez de plástico passar a usar o papel – mas numa “transformação, de facto, na base”. A ambientalista defende mesmo uma redução de entrada de matérias-primas no mercado. Susana Fonseca nota que, nos últimos anos, para substituir o plástico têm surgido outras soluções que até podem ser interessantes. “O problema é sempre a quantidade em que são necessárias para substituir” os plásticos, o que se torna insustentável.
A solução passa, pois, por atacar o problema em várias frentes. Por um lado, “a diminuição da produção, mas também a diversificação dos materiais e claramente o aumento da reciclagem, porque os valores ainda são muito baixos” – e Portugal tem visto a sua prestação cair nos últimos tempos, como Bruno Esgalhado recordava ao DN/Dinhei-ro Vivo na semana passada. O facto de as matérias-primas virgem serem mais baratas do que o material reciclado também contribuiu para esta morosidade da mudança, nota Susana Fonseca. “Às vezes parece uma luta inglória, porque a União Europeia está com uma série de restrições a tentar ir por um determinado caminho, e depois há outros blocos a nível mundial, que vão por caminhos completamente diferentes”.
Inovar em novos formatos
Já há projetos em curso para desenvolver alternativas à utilização do plástico, nomeadamente na área alimentar. O projeto BioSupPack, coordenado pelo Aim-plas, Instituto Tecnológico dos Plásticos, por exemplo, está a desenvolver soluções de embalagem baseadas em polihidroxialcanoatos (PHA), derivados de resíduos da produção de cerveja.
Já o Instituto Fraunhofer de Engenharia de Superfícies e Películas está a usar “revestimentos à base de plantas para embalagens de papel”, que poderão constituir uma alternativa sustentável no futuro. A esperança é a de que estes possam contribuir para a redução dos resíduos de plástico, em particular embalagens, que geram volumes de resíduos particularmente elevados. Segundo o instituto, este papel feito de matérias-primas renováveis, apresenta vantagens em relação ao plástico derivado do petróleo, nomeadamente uma maior velocidade de decomposição. Outra ideia, divulgada por Telmo Balenciaga de Leizaola, no seu projeto de fim de curso no grupo de investigação ‘Tecnologia de Polímeros’ da UPV/EHU”, assenta na utilização da casca de ovo como reforço sustentável na produção de produtos plásticos.
O estudante afirma que “a implementação da casca de ovo na indústria dos plásticos conduziria a uma transição para uma economia mais circular, aproveitando milhares de toneladas de resíduos orgânicos produzidos atualmente por certos setores industriais como a cosmética, a alimentação e a medicina. Isto favoreceria uma produção mais sustentável e a criação de uma indústria em torno da utilização de resíduos orgânicos”. Por cá, a Tetra Pak tem estado envolvida no desenvolvimento de alternativas e recentemente divulgou uma parceria com a Preco com o objetivo de expandir a capacidade de reciclagem das embalagens de cartão para bebidas.
Já a Madeiras Afonso aposta na disponibilização de cuvetes de madeira para o embalamento de alimentos. Segundo a empresa, este material tem a vantagem de poder ser usado em frutas, alimentos congelados e preparados para o forno. O caminho ainda vai ser longo, mas o aparecimento de projetos cada vez mais inovadores deverá acelerar a transição e potenciar empresas, sobretudo na Europa, onde os compromissos com o Ambiente ainda não foram deixados para trás.
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Principais pontos do Regulamento relativo a Embalagens e Resíduos de Embalagens
• A imposição de requisitos em relação a substâncias que suscitam preocupações para a saúde, nomeadamente os PFAS (substâncias per- e polifluoroalquiladas) e outras substâncias, abre espaço para a pesquisa e desenvolvimento de alternativas mais saudáveis e circulares que possam substituir as funções desempenhadas por estas substâncias no passado.
• A exigência dej “Reciclabilidade pelo Design” e “Reciclabilida-de à Escala” irá certamente promover o desenvolvimento de novos tipos de embalagens, melhorando tanto o design como os materiais utilizados na sua conceção.
• As embalagens alimentares apresentam um grande desafio, sendo necessário o desenvolvimento de tecnologias de reciclagem adequadas que permitam que estas embalagens, que entram em contacto com alimentos, cumpram os requisitos existentes de segurança e sustentabilidade.
• As ambiciosas metas de incorporação de materiais reciclados pós-consumo irão indubitavelmente impulsionar o desenvolvimento de novos materiais e tecnologias, especialmente no que respeita a embalagens para contactos sensíveis, como aquelas que entram em contacto com alimentos e cosméticos.
• O desenvolvimento de materiais para saquetas de chá, café ou outras bebidas, bem como unidades monodose permeáveis (pastilhas) para máquinas de preparação de bebidas, que são utilizadas e descartadas juntamente com o produto, e de etiquetas autocolantes aplicadas em frutas e legumes com características de compostabilidade industrial e doméstica, é um exemplo claro de inovação impulsionada pelas novas exigências regulamentares.
• O desafio de encontrar soluções para reduzir o peso e o volume das embalagens ao mínimo necessário, sem comprometer a sua funcionalidade, constitui outro fator importante no desenvolvimento de soluções inovadoras.
• Com a eliminação de certos formatos de embalagens, será necessário procurar alternativas mais circulares que permitam manter as funções dos formatos removidos.
• Para alcançar os objetivos e metas de reutilização, a inovação será fundamental no desenvolvimento de modelos de negócio e operação, e materiais que possibilitem a operacionalização desse conceito.