Água&Ambiente 01/11/24
Aditamento às licenças no âmbito da responsabilidade alargada do produtor produz efeitos a partir do próximo ano. Especialistas defendem foco num fluxo financeiro justo, deixando prestação de serviço para operadores com contratos.
As entidades gestoras de embalagens, como a SPV, a Novo Verde e a Electrão, que, pelo recente aditamento das suas licenças, verão a partir do próximo ano o seu âmbito de atuação alargado às embalagens que geram resíduo não urbano e embalagens que dão origem a resíduos urbanos em produtores com produção diária igual ou superior a 1100 litros, “devem centrar-se exclusivamente nos fluxos financeiros inerentes ao cumprimento da Responsabilidade Alargada do Produtor (RAP), e nunca na prestação de serviços, que são do âmbito dos operadores de gestão de resíduos (OCR), seja em serviços, armazenamento, tratamento ou comercialização dos materiais resultantes”.
A opinião é de Eduardo Marques, presidente da direção da AEPSA – Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente, que lembra que, “tradicionalmente, a recolha de embalagens não urbanas de grandes produtores (comerciais, industriais, perigosas e não perigosas) é feita por operadores de resíduos, suportada em contratos específicos”. Espera-se que, apesar da nova obrigação, que decorre de legislação comunitária, essa prática, “que tão bons resultados tem dado, continue a ser a prática corrente”,
Eduardo Marques frisa que os OCR “não podem prescindir dos contratos diretos que têm atualmente em curso com os grandes produtores, nem dos contratos que legitimamente perspetivam para o futuro”. Lembrando que “Portugal está muito abaixo da média da UE nos indicadores relativos à economia circular e à gestão de resíduos”, de acordo com o “Reexame da aplicação da política ambiental™ feito pela Comissão Europeia em setembro de 2022, Eduardo Marques alerta para a “necessidade de responsabilizar efetivamente as EC (Entidades Gestoras) pelos incumprimentos reiterados das metas a que o País está obrigado”. No entanto, ao contrário das expectativas da AEPSA, a revisão do UNILEX, o Regime Unificado dos Fluxos Específicos de Resíduos, e as propostas das novas licenças, “não vieram corrigir os erros e inverter a trajetória de um inadequado funcionamento de mercado, nem são compatíveis com o cumprimento das metas da UE no quadro da economia circular”.
“Considera-se que a concessão de novas licenças às atuais EG pelo período de 10 anos, com possibilidade de prorrogação por iguais períodos — o que consubstancia licenças sem prazo, sem qualquer evento de concorrência — ao invés do esperado, contraria o que se verifica na maioria dos países da Europa, é um ato perigoso e muito questionável a diferentes níveis, nomeadamente em termos de concorrência, potenciando, aliás, condutas inapropriadas e, no limite, do não cumprimento das metas obrigatórias”, refere Eduardo Marques.
Para o presidente da AEPSA, a RAP aplicada às embalagens comerciais e industriais “deveria ter sido precedida de um enquadramento legal específico, com procedimentos autónomos, no sentido da atribuição de licenças dirigidas a este fluxo em ambiente concorrencial, e não apenas via aditamento a licenças existentes”. Tanto mais, “que se trata da atribuição das licenças por períodos demasiado e injustificadamente longos, colocando em causa as normas de funcionamento do mercado e os princípios básicos da concorrência”.
Acautelar Efeitos Financeiros e Ambientais
O alargamento da RAP às embalagens não urbanas decorre de uma diretiva comunitária, mas Sílvia Machado, diretora de Sustentabilidade da CIP -Confederação Empresarial de Portugal, considera que, com a incorporação desta obrigação, não se vislumbram “benefícios claros” face à realidade nacional. “O fluxo de embalagens profissionais e industriais está desde há muito tempo bem estruturado de forma a garantir a gestão eficiente daqueles resíduos e a proteção do ambiente. Tanto o fluxo físico como o financeiro funcionam tendo por base um mercado estabelecido de Operadores de Gestão de Resíduos formalmente autorizados”.
Daí que, “alterar um sistema que existe e funciona é um desafio e pode, inclusive, ter efeitos negativos no ambiente, atém de poder impactar financeiramente todos os envolvidos. Sendo o sistema existente eficiente e gerido por entidades 100% privadas, os produtores e os detentores de resíduos têm legitimas expetativas de que o novo sistema não resulte num aumento de custos”. A alteração, refere ainda Sílvia Machado, está prevista na Diretiva Quadro dos Resíduos. “No entanto, no contexto de Portugal, existem argumentos sólidos que poderiam justificar a apresentação do caso à Comissão Europeia, defendendo a manutenção da estrutura atua!”.
A CIP admite preocupações a diversos níveis. A criação atempada de “um fluxo financeiro harmonizado e justo”, aponta Sílvia Machado, é uma delas, uma vez que os Operadores de Gestão de Resíduos “são privados e operam em condições de mercado”. Além disso, a operacionalização da recolha entre produtores de resíduos de embalagens é “complexa”, pois as quantidades e frequência podem variar significativamente. “A indefinição sobre a partilha de responsabilidade entre produtor (quem coloca a embalagem no mercado) e produtor do resíduo de embalagem, prevista, mas ainda não regulamentada, gera incertezas, o que, potencialmente, compromete a gestão eficiente daqueles resíduos”, avisa. Contactada, a APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição decidiu não se pronunciar sobre o tema.