Água&Ambiente 01/11/24
Devolução dos poderes que entidade tinha até 2021 não permite que se substitua aos municípios na fixação das tarifas da água em baixa, mas especialistas do setor sublinham importância do poder regulatório para corrigir falta de sustentabilidade dos sistemas.
Devolver à Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) os poderes que tinha até 2021, como o Governo anunciou em agosto, é de bom senso e está em alinhamento com as políticas para o setor da água, consideram especialistas ouvidos pelo Jornal Água&Ambiente. A fixação de tarifas em baixa continua a ser dos municípios, mas é preciso que os sistemas cubram os gastos, e os poderes regulatórios da ERSAR podem desempenhar um papel importante na correção de situações.
“Parece-me de bom senso que seja uma autoridade isenta e independente — a ERSAR — a aprovar as tarifas em alta dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e saneamento”, como, aliás, se verificou entre 2014 e 2021, considera Diogo Faria de Oliveira, fundador e diretor executivo da Defining Future Options, a propósito da decisão anunciada, a 8 de agosto, em Comunicado do Conselho de Ministros, de revogar a alteração introduzida na Lei do Orçamento de Estado de 2021. A alteração que vigorou nesse período permitiu que fosse o Governo a fixar as tarifas em “alta”, ou seja, as tarifas dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e saneamento.
Com a revogação, esse poder volta para a ERSAR. Em “baixa”, a fixação de tarifas de água, saneamento e resíduos é uma competência legal dos municípios “e vai continuar a sê-lo”, pois o poder atribuído à ERSAR em 2014 é o de “regulamentar, recomendar, avaliar e auditar a fixação e aplicação das tarifas aprovadas pelos municípios”, explicita Diogo Faria de Oliveira. Pese embora a Associação Nacional de Municípios Portugueses e alguns municípios se tenham insurgido, recentemente, por considerarem que os poderes de fixação das tarifas “em baixa” passariam a ser da ERSAR, “não é assim”, assegura o diretor executivo da Defining Future Options.
“Em nenhum momento a ERSAR teve, nem se prevê que venha a ter, poderes para definir as tarifas dos sistemas municipais de gestão direta ou delegada”, os municípios “continuarão a aprovar os seus tarifários”, corrobora Jaime Melo Batista, fundador e conselheiro estratégico da Lis-Water. Não se pense, no entanto, que, por isso, a ERSAR fica arredada de intervenção nesta área. Para Diogo Faria de Oliveira, que recusa a ideia de uma ERSAR em “serviços mínimos”, esta entidade “deve ter a capacidade de emitir instruções vinculativas quanto às tarifas dos municípios que não cumpram a lei. Eram estas as regras que vigoraram entre 2014 e 2021 e que me parecem não só razoáveis, mas também adequadas à situação atual do setor em Portugal”.
“Entendo que nunca tivemos um regulador em serviços mínimos, nomeadamente depois do reforço de competências, de acordo com a alteração dos estatutos da ERSAR (em 2014), mas sim um regulador atuante e vigilante, em conformidade com as competências estabelecidas nos seus estatutos”, reforça, por seu lado, Eduardo Marques, presidente da direção da Associação das Empresas Portuguesas para o Sector do Ambiente (AEPSA). A este propósito, salienta que houve “diversas divergências de opinião e de interpretação em diferentes matérias, nomeadamente no respeitante a situações de aditamentos e reequilíbrios económico-financeiros de contratos de concessão em baixa de entidades privadas”.
Ainda faltam alguns trâmites legais para concretizar a revogação anunciada pelo Governo e o “ruido político” causado peia interpretação errónea do comunicado do Conselho de Ministros, surge “numa altura péssima: o período de aprovação do Orçamento do Estado para 2025”, avalia Diogo Faria de Oliveira. Ainda assim, e apesar do “cenário de imprevisibilidade política”, que “em nada favorece eventuais alterações legislativas”, o processo deverá avançar, pois, por se tratar de um decreto-lei, a reposição de competências da ERSAR deverá ser da exclusiva responsabilidade do Governo, atalha Eduardo Marques. O que é preciso, completa Jaime Melo Batista, é, “tranquilamente, dar continuidade ao processo legislativo e publicar o que foi objeto de Conselho de Ministros”.
Sustentabilidade a Curto e Longo Prazo
Esta alteração, vinca o presidente da AEPSA, “é exclusivamente para repor as competências do regulador em conformidade com os seus estatutos, sendo inequívoco, neste contexto, que nunca competiu ao regulador fixar tarifas nos serviços de abastecimento de água e saneamento em baixa, que sempre foi da competência dos municípios”. Eduardo Marques diz concordar que o regulador volte a ter as competências previstas nos seus estatutos de 2014, no respeitante à fixação das tarifas em alta, isto é, nos sistemas multimunicipais.
“Esta fixação de tarifas deverá ter por base um método racional e objetivo de sustentabilidade a curto e a longo prazo, em regime de eficiência operativa, e em articulação com as entidades reguladas envolvidas”. Já no respeitante às tarifas em baixa, seja gestão direta ou delegada, “entendemos que a sua fixação é da competência dos municípios, mas em conformidade com as regras a serem estabelecidas pelo regulador e constantes na lei, ou seja, as tarifas devem cobrir todos os custos operacionais das entidades gestoras (princípio do utilizador-pagador) em regime de eficiência operativa.
Não é aceitável nem justificável que mais de 50% das entidades gestoras em baixa pratiquem tarifas que não cobrem os custos, em incumprimento da lei, subsidiando reiteradamente a tarifa, isto é, os utilizadores não pagam via tarifa, mas acabam por pagar via impostos”, considera Eduardo Marques. No que respeita às concessões privadas, “compete, como sempre, ao regulador a fiscalização do cumprimento do estabelecido no contrato, nomeadamente, a atualização tarifária, em conformidade com as regras estabelecidas contratualmente”.
O poder regulatório de a ERSAR fazer aprovar um regulamento tarifário, considera o conselheiro estratégico da Lis-Water, “é muito importante para o setor, por ser um instrumento essencial para corrigir uma situação que se arrasta há já muitas décadas sem solução”. “De facto, temos cerca de metade das entidades gestoras, essencialmente de gestão direta, sem recuperação dos gastos, o que coloca em causa a sustentabilidade económica dos serviços. Esta situação é na verdade ainda mais gravosa do que parece, porque em alguns casos há gastos que não são contabilizados, por exemplo, amortização de investimentos, e outros casos em que não se incluem todas as atividades necessárias, por exemplo, reabilitação das infraestruturas”.
O país e o setor, defende Jaime Meio Batista, “necessitam de um regulador técnico e também económico forte. Não podemos continuar a adiar medidas estruturais para o desenvolvimento dos serviços de abastecimento de água e de águas residuais, essenciais ao bem-estar dos cidadãos, à saúde pública e às atividades económicas e que têm um impacto fortemente multiplicativo, contribuindo para uma sociedade mais saudável e desenvolvida”.
Intervir Antes e Depois para Regular
A revogação vai permitir que a ERSAR intervenha nos sistemas municipais ex ante, ou seja, antecipadamente, “aprovando um regulamento tarifário com a definição das principais regras gerais”. Depois, os municípios elaboram e aprovam os seus tarifários, “alinhados com essas regras gerais”, e o regulador volta a “intervir ex post”, portanto, posteriormente, para assegurar o cumprimento do regulamento. Esta, na opinião de Jaime Melo Batista, “parece ser uma solução equilibrada e com possibilidades de sucesso”, que está, aliás, “totalmente alinhada com a Lei da Água e com o Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais”.
Já nos sistemas estatais, a ERSAR deve ter o “poder ex ante de aprovação do regulamento tarifário, seguindo-se o poder de aprovar dire-tamente o tarifário dos sistemas multimunicipais, voltando a intervir ex post para garantir o cumprimento”. Este regulamento tarifário terá a sua aprovação condicionada, num primeiro momento, a uma prévia avaliação pelo Conselho Tarifário da ERSAR, onde tomam assento os principais atores do setor, e, num segundo momento, a uma consulta pública, sendo, portanto, devidamente escrutinado pelo setor e pela sociedade.
No seu conjunto, conclui Jaime Melo Batista, “estes poderes agora restituídos à ERSAR poderão constituir um momento-chave para o desenvolvimento dos serviços de abastecimento de água e de águas residuais em Portugal”. Para Joaquim Poças Martins, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e consultor no setor da água, a água é uma “questão política”. “O que importa não é tanto discutir competências de quem fixa as tarifas, mas fixá-las bem, para que o setor melhore”.
Há diversas opiniões sobre as competências da ERSAR e os valores das tarifas, mas “começar por aumentar tarifas é começar a casa peio telhado”, diz Poças Martins. “Uma entidade gestora com 40 ou 50% de perdas não pode reclamar aumento de tarifas, mesmo que estas sejam baixas, tem de reduzir as perdas primeiro. O indicador da cobertura de gastos, frequentemente invocado para aumentar tarifas, é perverso, premeia a ineficiência, o do custo por metro cúbico faturado é muito melhor”. O processo de redução de perdas, acrescenta, “paga-se a si próprio.
Para chegar a 30%, não são precisos grandes investimentos, tem de começar-se por medidas de gestão que quase não custam dinheiro. Há excelentes exemplos em Portugal que o demonstram, basta segui-los”. Segundo refere o especialista, as “tarifas da água geram atualmente 1 700 milhões de euros de receitas por ano. De acordo com contas simples, é possível, sem grandes investimentos no início, obter ganhos médios de eficiência de mais de 20% (mais de 50% em alguns sistemas). Estes cerca de 340 milhões de euros por ano gerados por ganhos de eficiência davam para financiar integralmente a renovação das infraestruturas em Portugal, que valem 17 000 milhões de euros, sem aumentar tarifas”.
Assim, “mais que discutir quem aprova as tarifas, principal desafio é que as entidades gestoras, especialmente as que estão pior, melhorem”, aponta Poças Martins, exemplificando que se pode começar por “baixar as perdas de água ou 2% em cada ano, aumentar a taxa de cobrança em 1 ou 2% em cada ano e medir e faturar tudo”. Para iniciar a melhoria, contudo, “tem mesmo de ser o responsável máximo, se necessário o presidente de Câmara, a dar a ordem. Porque a água é uma questão política, não é só técnica, nem económica, nem de regulação”.
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Águas e energia do porto
Da preservação do património hidráulico a educação para a sustentabilidade
Ruben Fernandes, Administrador Executivo da Águas e Energia do Porto
A Águas e Energia do Porto, reconhecida pela sua atuação na gestão integrada e sustentável dos recursos hídricos da cidade, reafirma o seu compromisso com a preservação do património histórico e educação ambiental. Enquanto membro da Rede de Museus da Água (WAMU-NET) da UNESCO, através do Parque Patrimonial das Águas, posiciona-se na linhada frente ao promover iniciativas que destaca m a importância da água para o futuro sustentável das cidades.
5ª Conferência Mundial da Pede de Museus da Água: Educação para a Sustentabilidade
Ao acolher a 5ª Conferência da Rede Mundial de Museus da Água da UNESCO, realizada entre 08 e 11 de outubro de 2024 no Porto, a Águas e Energia do Porto reuniu mais de 100 especialistas nacionais e internacionais que discutiram o papel central da água no património, educação e sustentabilidade. Sob o tema “Cidades da Água”, os participantes debateram estratégias inovadoras para promover a sustentabilidade hídrica, sempre com enfoque na educação e no equilíbrio entre soluções baseadas na sociedade e na natureza, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Inovação ao Serviço da Educação: AQUAPLAY e Water Cloud
Um dos destaques importantes da conferência foi o lançamento de ferramentas educativas inovadoras, como a Water Cloud: Resources for Inclusive Sustainable Futures – uma plataforma colaborativa, desenhada em rede, sobre sustentabilidade hídrica -, ou AQUAPLAY – uma ferramenta que permite às crianças explorar os desafios relacionados com a água através de atividades interativas como a pintura de desenhos. O desenvolvimento destas ferramentas integra–se num plano global de sensibilização através de tecnologias, tendo como público-alvo os jovens e os adultos, para assim envolver cada vez mais a comunidade na proteção dos recursos hídricos e do património histórico que lhe está associado.
Parque Patrimonial das Águas: Museu ao ar livre
A preservação do património hidráulico é um dos pilares fundamentais da Águas e Energia do Porto. O Parque Patrimonial das Águas é uma verdadeira joia histórica que guarda séculos de evolução da cidade em torno da água. Este espaço museológico, cujo núcleo se situa na Rua do Barão de Nova Sintra, permite que os visitantes viajem no tempo, percorrendo as antigas fontes e estruturas hidráulicas que outrora abasteciam a cidade.
O Parque das Águas reúne um valioso espólio patrimonial composto por estruturas hidráulicas centenárias, transladadas da cidade no início do século XX. As peças foram cuidadosamente preservadas na sede da Empresa Municipal. Ao visitá-lo, o público mergulha na história da cidade, caminhando por entre fontes que já fizeram parte de locais icónicos, como o Mercado do Anjo e a do Convento de São Bento de Avé Maria, onde hoje se situa a Estação de São Bento. Por outro lado, a abundância de sobreiros, carvalhos, magnólias e eucaliptos oferece um cenário tranquilo, ideal para momentos de lazer e contemplação. O Parque das Águas combina, assim, a preservação do património histórico com a exuberância da natureza, criando um espaço único que convida todos os visitantes a explorar a herança cultural da cidade.
Porto Water City: A Plataforma Digital que Conecta o Passado e o Futuro Como resposta ao desafio de educar a comunidade sobre o património hidráulico de forma inovadora, a Águas e Energia do Porto lançou a Porto Water City, um repositório digital de conteúdos dedicados ao património da água. A plataforma, com um alcance global, é um museu digital que preserva a memória e identidade portuense, registando o património tangível e intangível da água, e disponibilizando-o através de conteúdos educativos para todos, desde escolas até à comunidade internacional.
Educação Ambiental para as Gerações Futuras
Em linha com este compromisso, a Empresa Municipal está também profundamente empenhada em colaborar com escolas, universidades e outras entidades para promover uma educação ambiental robusta, sobretudo junto dos mais jovens. Projetos como o Pavilhão da Água, o polo de educação ambiental da cidade gerido pela Águas e Energia do Porto, são essenciais para sensibilizar as novas gerações sobre a importância da preservação da água e do ambiente.
Compromisso com a Sustentabilidade A Empresa reafirma o seu papel como potenciadora do património hidráulico da cidade, reconhecendo que a água vai muito além de um bem essencial ã vida: é também um fator de promoção da biodiversidade, lazer e desenvolvimento económico. Assim, continua a trabalhar de forma integrada para garantir a sustentabilidade da água, desde o abastecimento até o seu retorno ao meio ambiente, em prol de um Porto mais verde e sustentável.
Assim, iniciativas como a participação na Rede de Museus da Água da UNESCO, o desenvolvimento de plataformas educativas como a Porto Water City, ou até mesmo as ações nas escolas lideradas pelo Pavilhão da Água, consolidam o Porto como uma referência na gestão sustentável da água e na preservação do seu valioso património cultural e natural. Com uma visão clara e focada, a Águas e Energia do Porto reafirma o seu compromisso em liderar a preservação e a educação em torno da água, contribuindo para uma cidade mais sustentável e ambientalmente consciente.