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Um estudo da Roland Berger para a Floene mostra que num cenário de “descarbonização equilibrada”, com energia elétrica e gases renováveis, a “poupança” pode chegar a 2,5 mil milhões de euros face a uma eletrificação extensiva da economia.
Ao dia de hoje, Portugal está muito longe de ser um “bom aluno” a nível europeu na produção de gases de origem renovável, como o hidrogénio verde e o biometano. No caso do primeiro, o volume atual reduz-se praticamente a projetos-piloto (como o da Floene, no Seixal, que já está a injetar 20% de hidrogénio numa rede fechada), enquanto no biometano Portugal conta com apenas três centrais. Um número que está a anos-luz das 675 unidades já a operar em França, 254 na Alemanha, 133 em Itália, 119 no Reino Unido, 79 nos Países Baixos, 74 na Suécia, 58 na Dinamarca, 42 na Suíça, entre outros países.
E se na última década a produção de biometano (que tem uma composição química muito idêntica à do gás natural) na Europa aumentou seis vezes (de 7 para 43 TWh), a previsão para os próximos 10 anos é que volte a disparar ainda mais: cerca de nove vezes (de 43 para 370 TWh). As previsões mostram que em 2050 o biogás e o biometano podem substituir dois terços do consumo de gás na UE.
Por cá, o Plano de Ação para o Biometano, apresentado em março, traçou como meta substiuir 9% do gás natural por este gás renovável até 2030. Na opinião de Gabriel Sousa, CEO da Floene (o maior operador de redes de distribuição de gás no país, com nove das 11 concessões regionais), esta é uma “meta ambiciosa, meritória e superior à de Espanha”, sendo essencial, no entanto, “termos os mecanismos certos no timing certo para que se concretize. 2030 é já amanhã”, frisou o responsável esta quarta-feira num encontro com jornalistas para apresentar o novo estudo da consultora Roland Berger sobre “Gases Renováveis e Redes de Futuro – Prioridades político-regulamentares com vista à descarbonização da rede de gás” até 2050.
Questionado sobre se há um excesso de otimismo do Governo português face ao biometano, Gabriel Sousa reconhece que se tratam de metas “fortemente ambiciosas”. “Mas não é impossível de lá chegar. Quando olhamos para o resto da Europa, vemos que está na hora de agir. Basta ver o exemplo de França, onde a cada semana são ligadas à rede nacional de gás duas a três centrais de biometano. Temos de copiar o que resultou para conseguirmos, em dois ou três anos, começar a ligar um número significativo de projetos em Portugal”, defendeu.
O estudo prova que o país tem muito potencial no biometano e que é possível aumentar 178% a produção deste gás renovável – de 0,9 para 2,5 TWh – entre 2025 e 2030. Até 2050, este número poderá chegar quase a 14 TWh (+1.430%), a partir de matérias-primas orgânicas como o biogás, biomassa, metano sintético (através da captura de CO2), agropecuárua (estrumes), aterros (lixo), estações de tratamento de águas residuais (lamas) e agroindústria (caroços de azeitona, entre outros resíduos agrícolas).
Na linha da frente para se tornarem futuros produtores de biometano (projetos “quick win” ou “front runners”) estão as cerca de 70 unidades – entre aterros e estações de tratamento de águas residuais – que neste momento se dedicam ao biogás em Portugal, sendo este queimado para produzir eletricidade que é depois injetada na rede, com tarifas fortemente subsidiadas (120 a 130 euros por MWh).
No entanto, esta subdiação vai terminar entre 2026 e 2027, com a Floene a defender que depois disso devem ser substituídas por novas “feed-in tariffs” para o biometano, na ordem dos 62 euros por MWh. O estudo calcula que em 2050 o custo de produção do biometano ronde os 40 a 45 euros por MWh.
O biometano pode ser obtido a partir do biogás, nas centrais já existentes em Portugal, através de um processo de purificação e com investimentos de adaptação das unidades que rondam 1,5 milhões de euros, bem menos do que o necessário para construir uma centrar de biometano de raiz.
Olhando para o mapa de Portugal, e tendo em conta a atual oferta de gás natural, a localização potencial das matérias primas e o número de projetos de biometano e hidrogénio verde com operação prevista até 2030, o estudo da Roland Berger estima que a curto prazo, em 2030, é possível ter cerca de 16% de gases renováveis na rede: 1,5 TWh de injeção descentralizada, 66 produtores e 150 ligações de biometano; 1,1 TWh, 37 produtores e 166 ligações de hidrogénio verde.
Gabriel Sousa dá como exemplo um novo projeto de hidrogénio verde que irá ser ligado à rede no final deste ano, na região de Rio Maior, para abastecer 14.000 clientes. Já no biometano também há exemplos: uma unidade de biogás no Algarve com capacidade para abastecer 50% do consumo da região com este gás renovável; e uma outra no Alentejo.
“Portugal tem um grave problema na gestão dos seus resíduos. Para quem os produz, o biometano pode ser uma fonte de receita adicional, sendo que as suas receitas podem mesmo duplicar”, disse o CEO da Floene, dando como exemplo os agricultores e criadores de gado. Para os municípios, responsáveis pela recolha e gestão de resíduos, as vantagens também são grandes, acrescenta. Gabriel Sousa adiantou ainda que “nos últimos anos a Floene recebeu mais de 170 pedidos de informação para injeção de biometano ou hidrogénio verde na sua rede”. “Há interesse por parte dos produtores”, garante.
Manter o gás ou eletrificar tudo? Biometano pode gerar poupança de 2,5 mil milhões
Além dos benefícios energéticos e ambientais, o o CEO da Floene sublinha as vantagens económicas da aposta portuguesa no biometano, evidenciadas pelo estudo da Roland Berger. De acordo com a análise, pedida pela Floene, “o caminho mais rápido e mais barato” para a descarbonização do sistema energético em Portugal (famílias, empresas e indústria) passa por introduzir de gases renováveis na rede já existente, com destaque para o biometano como complemento da eletricidade.
Neste cenário de “descarbonização equilibrada” – como lhe chama o estudo -, com energia elétrica e gases renováveis, a “poupança” pode chegar a 2,5 mil milhões de euros (mais de 60%) face a uma eletrificação extensiva. Isto porque o biometano não exige investimentos extra na rede nacional (uma das mais recentes e modernas da Europa) para chegar até às famílias e à indústria, podendo estas manter os atuais esquentadores e grandes fornos a gás natural.
Desta forma, são geradas poupanças de 1,4 mil milhões ao nível dos consumidores (que não precisam de gastar dinheiro em casa para se adaptarem ao biometano) e de 1,1 mil milhões ao nível dos investimentos no sistema (uma “redução significativa” nos gastos), refere o estudo, que prevê que o biometano possa representar 8 a 9% do consumo de gás natural em 2030 e cerca de 60% em 2050.
“Os gases renováveis são a única via para o cumprimento das metas de descarbonização, de forma mais sustentável para as famílias e empresas portuguesas, com menor investimento e com maior contributo para o desenvolvimento regional e para a coesão territorial”, sublinhou Gabriel Sousa, sublinhando a necessidade de avançar com mecanismos e incentivos para que as unidades de biogás (aterros e ETAR) se convertam ao biometano.
“O Governo deve acabar com as tarifas subsidiadas do gás para dar um sinal claro no sentido do biometano”, defende o CEO da Floene. No entanto, ainda não teve da tutela qualquer sinal de que isto possa, de facto, vir a acontecer. “São ncessários sinais claros de apoio ao investimento também para projetos de raiz, a partir do zero, e não apenas para a reconversão do biogás”, pediu.
No novo Executivo diz que identifica um ‘mindset’ que vai cada mais ao encontro da ideia de que os gases renováveis fazem parte da solução e conta que na versão final do Plano de Energia e Clima (PNEC 2030) o biometano possa ter ainda maior representatividade. Em maio, a ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho, anunciou a abertura de um leilão para a compra centralizada de gases renováveis, que abrange a produção de hidrogénio verde e de biometano.
O procedimento concursal, com dotação anual até 14 milhões de euros anuais (140 milhões ao longo de 10 anos), “destina-se a estimular projetos nas áreas de hidrogénio verde e biometano, tecnologias com potencial para reduzirsignificativamente as emissões de gases de efeito de estufa e promover a economia circular”. As quantidades máximas para contratualização, serão de: 150 GWh/ano no biometano e 120 GWh/ano no hidrogénio, sendo o preço a pagar pela Transgás pela compra dos gases renováveis será de 62 euros/MWh, no caso do biometano, e de 127 euros/MWh pelo hidrogénio.