ÁGUA & AMBIENTE
01/05/24
PENSAARP 2030 aponta para que, no final da década, 90% das entidades tenham uma escala adequada, mas permitir acesso a fundos comunitários apenas às agregações gera contestação
O número de entidades gestoras de serviços de água tem vindo a baixar na última década: no abastecimento de água, entre 2013 e 2022, verificou-se uma redução de 37,3% no número de entidades que prestam este serviço, enquanto no saneamento de águas residuais, a diminuição foi de 20,5% no mesmo período, segundo o último relatório anual publicado em fevereiro pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR). A agregação de serviços municipais – a par da transferência para os municípios de sistemas geridos por juntas de freguesia — explica esta tendência: entre 2020 e 2022, entraram em funcionamento oito entidades gestoras agregadas, envolvendo 52 municípios, esclarece a ERSAR ao jornal Água&Ambiente. Este movimento não parou: nas próximas semanas, arranca a recém-criada Águas Públicas de Altitude – Serviços Intermunicipalizados, que servirá os municípios de Celorico da Beira, Guarda, Manteigas e Sabugal. Ainda em fase de estudo, está a eventual constituição de uma agregação envolvendo a Águas de Coimbra e os municípios de Condeixa-a-Nova, Mealhada e Miranda do Corvo, que deverá ficar decidida até ao final deste ano. Na vertente em alta, está em curso o alargamento do sistema da Águas do Douro e Paiva a nove municípios da região de Viseu, potenciando economias de escala para a realização de “investimentos necessários” dado o impacto da “seca severa” dos últimos anos, nota o regulador.
Os potenciais ganhos de escala, a par da especialização dos serviços e da otimização tarifária estão, aliás, entre as principais razões para o avanço destas iniciativas. A constituição da Águas Públicas de Altitude, por exemplo, visa garantir “a gestão integrada do ciclo da água”, incluindo as águas pluviais, salienta Sérgio Costa, presidente da Câmara Municipal da Guarda, bem como “ganhos de eficiência e eficácia, com uma gestão conjunta mais sustentável e com a qualificação dos recursos humanos”. Os tarifários da nova entidade, que irá abranger 61 mil habitantes e arranca “nas próximas semanas”, estão em vigor desde o início do ano, prevendo-se uma convergência progressiva ao longo de cinco anos, nos quatro municípios. No município da Guarda, “se não fosse este tarifário agregado, o tarifário já seria superior em alguns escalões”, frisa o autarca, para acomodar exigências crescentes, nas áreas da água e dos resíduos. Entre as entidades gestoras agregadas que entraram em funcionamento em 2022 surgem argumentos semelhantes. “Nós, agregados, temos ganhos de escala superiores do que se estivermos a trabalhar sozinhos”, resume Paulo Catalino, Presidente da Direção da AINTAR, que gere, desde novembro de 2022, o saneamento de águas residuais nos municípios de Carregal do Sal, Santa Comba Dão, Tábua e Tondela, abrangendo 56 mil habitantes. “Com o primeiro ano da atividade da agregação, conseguimos poupar à volta de 2 milhões de euros só em manutenção”, concretiza o também Presidente da Câmara Municipal da Carregal do Sal, por via da “rentabilização” de recursos humanos e serviços. No distrito de Portalegre, a constituição da Águas do Alto Alentejo, que iniciou atividade em 2022 e serve dez municípios (Alter do Chão, Arronches, Castelo de Vide, Crato, Fronteira, Gavião, Marvão, Nisa, Ponte de Sor e Sousel), partiu da vontade de criar “uma empresa 100% pública” e “especializada”, para assegurar a prestação de serviços de água com “qualidade, estabilidade e eficiência”, sublinha Hugo Hilário, presidente do conselho de administração da entidade.
Os objetivos passavam por garantir “prestação de contas e transparência da gestão”, “sustentabilidade ambiental”, elenca o edil, mas também “viabilidade financeira” e “sustentabilidade social”, assegurando “os recursos necessários à prestação dos serviços com qualidade”, mas sem deixar de praticar “preços equitativos”. “Entendemos que constituir uma empresa especializada e da qual somos os únicos e exclusivos proprietários nos iria permitir aquilo que hoje é uma realidade, que foi equilibrar os tarifários, aquém daquilo que cada município, por si, teria de fazer, caso não tivéssemos conseguido criar este sistema”, resume o Presidente da Câmara de Ponte de Sôr. “Nos vários planos estratégicos para o setor tem sido claro o diagnóstico de que existe uma grande fragmentação das entidades nos setores das águas e resíduos e que esse aspeto pode condicionar a capacidade para aumentar a eficiência da prestação do serviço”, resume a ERSAR. Todos os projetos de agregação têm de ser sustentados por estudos que fundamentem a sua racionalidade económica e financeira, tendo estes de ser submetidos a parecer do regulador. Ainda assim, tanto o regulador, como os municípios envolvidos nos mais recentes processos de agregação reconhecem que o apoio atribuído a entidades agregadas, no âmbito do último ciclo de fundos comunitários, pesou nesta equação.
“O incentivo criado pelo acesso à subsidiação via fundos europeus pode considerar-se como incontornável na dinâmica ocorrida nos últimos anos pela prioridade atribuída a este tipo de soluções”, nota a ERSAR.
Restrição no acesso a fundos cera contestação
Ao abrigo do Portugal 2030, existem mais de 750 milhões para financiar projetos na área da água, e o regulamento para a área temática Ação Climática e Sustentabilidade,já publicado, aponta para um acesso exclusivo de entidades agregadas a estes fundos, algo que a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) considerou “inaceitável”, defendendo a eliminação da restrição quando o diploma estava ainda em consulta, em nome do respeito pela “opção de cada município quanto à forma de organização dos sistemas”. O Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais (PENSAARP 2030), publicado em fevereiro, reafirma esta orientação: no capítulo dedicado à atribuição de apoios, estipula-se que “todos os investimentos devem beneficiar da escala de agregação em entidades intermunicipais ou de parcerias com entidades gestoras do grupo AdP”, prevendo-se flexibilidade neste critério apenas para 24 intervenções prioritárias. A AEPSA-Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente já alertou que, desta forma, se exclui a grande maioria dos municípios do acesso aos fundos. “É completamente inaceitável que haja um privilégio de financiamento para entidades agregadas, ou ligadas ao grupo Águas de Portugal”, realça Eduardo Marques, presidente da associação, que defende que o único critério aceitável “é o mérito do projeto”. O tema foi discutido em reunião do conselho diretivo da ANMP, no início de março, tendo a sua presidente exigido que esta regra fosse eliminada do plano estratégico, para não bloquear o acesso a fundos comunitários a 72% de municípios que não integram entidades agregadas. Luísa Salgueiro assegurou, de resto, que iria solicitar uma reunião para transmitir esta preocupação ao novo Governo.
Mesmo entre as mais recentes entidades gestoras criadas por via da agregação de serviços municipais, a imposição de uma restrição total é alvo de críticas. “Se há um qualquer município, que tenha uma intervenção premente para fazer, como a substituição de uma rede pública numa rua da sua cidade, não pode ser impedido de ir aos fundos comunitários”, defende o autarca da Guarda. “Não posso defender que [o acesso] seja restrito aos sistemas agregados”, subscreve o presidente da Câmara Municipal de Ponte de Sôr. Mas ambos os autarcas defendem que haja uma discriminação positiva destas entidades, tendo em conta o efeito de escala dos investimentos. “A criação destes sistemas agregados não foi feita por outra vontade que não seja especializar e melhorar a resposta”, defende Hugo Hilário, por isso, “no mínimo, estas entidades têm de ser privilegiadas do ponto de vista da majoração destes incentivos”. “Deve, efetivamente, existir essa majoração, porque só com entidades mais musculadas é possível fazer uma melhor gestão dos sistemas e uma otimização dos custos”, concorda Sérgio Costa. Paulo Catalino vai mais longe e espera que “seja cumprido o pressuposto inicial”, de que “as entidades devem estar agregadas, com a finalidade de buscar valores para investimento”, porque, “município a município, não conseguirmos ter capacidade de dar resposta a isto”.
PENSAARP aponta 90% de entidades com escala ate 2030
A melhoria da eficiência na governação e estruturação do setor está entre os objetivos prioritários do PENSAARP 2030, que define como objetivo que, até final da década, 90% das entidades qestoras tenham uma economia de escala potencialmente adequada, ou seja, que sirvam mais de 50 mil habitantes. A promoção de economias de escala pode ser alcançada “através de agregações de entidades gestoras em baixa, com ou sem continuidade geográfica, promovendo a coesão territorial e o aumento de capacidades técnicas, quando sejam demonstradas essas mais-valias”. Também se propõe o recurso a outros modelos de partilha de recursos — por via da criação de uma entidade comum de gestão dos serviços ou do estabelecimento de protocolos — em que as entidades municipais não perdem a sua individualidade. “Não está provado que a agregação seja uma boa solução para melhorar a qualidade do serviço e a sustentabilidade das entidades”, contrapõe Eduardo Marques. Cada caso é um caso, mas “agregar por agregar não faz sentido, diz, porque “se eu juntar cinco coisas más, o produto final é uma coisa pior”.
Na sua perspetiva, “há outros modelos” que podem trazer benefícios equivalentes, de eficiência e capacitação, em pequenas entidades: “Se fizer um contrato de concessão, a entidade concessionada está agregada a uma grande entidade, que pode ter 500 engenheiros e mais de 300 mil consumidores”, ilustra e “de uma forma imediata, entra numa entidade com know-how e consegue, através de concurso público, ter a tarifa mais baixa”. Da experiência acumulada nos últimos anos, a ERSAR deixa ainda alguns alertas: por um lado, “os objetivos de eficiência são difíceis de implementar desde o arranque”, por outro, o aumento das tarifas, em muitos municípios, “fruto da prática anterior de tarifários artificialmente baixos que não cobriam os gastos” também “provoca muita contestação por parte dos utilizadores”, o que traz “um desafio muito grande” na comunicação. Além disso, “é importante basear os estudos subjacentes à criação de entidades gestoras agregadas em dados fiáveis e projeções realistas”. “O alargamento do prazo de vigência da estratégia para o setor plasmada no PENSAARP 2030 e do quadro comunitário de apoio podem beneficiar o processo de tomada de decisão de agregação, devido à maior maturidade do processo”, recomenda a ERSAR, “contribuindo para que não resulte apenas da oportunidade de captação de fundos europeus”.